Administrador, produtor e gestor cultural, responsável pela produção e direção de diversos espetáculos musicais, Romulo Avelar estudou na Ecoar, a primeira escola de produção cultural criada no país, em 1990, no Rio de Janeiro.
Atuou em empresas como Fiat, MBR e Teatro Alterosa, e na área pública, como Superintendente de Cultura de Contagem (MG), Diretor de Promoção da Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes, de Belo Horizonte, Assessor Especial da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais e Presidente da Comissão Técnica de Análise de Projetos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Em 2008 lançou o livro “O Avesso da Cena”, que coloca em foco o emaranhado técnico, administrativo, financeiro e político que dá suporte à cena cultural brasileira. É baseado neste livro que ele apresenta no Cemec, nos dias 14 e 15 de setembro, o curso “O Avesso da Cena – Produção e Gestão Cultural”.
Nesta entrevista exclusiva ao Cultura e Mercado, ele fala sobre as características de um bom produtor cultural, a relação com os diversos públicos, políticas públicas e o atual momento do mercado para a área.
Cultura e Mercado – É possível dizer quando surgiu a figura do produtor cultural?
Romulo Avelar – É difícil precisar isso, mas imagino que tenha sido no momento em que um artista percebeu que, com o crescimento de sua carreira, não conseguiria lidar sozinho com as atividades paralelas ao trabalho criativo. Essas atividades sempre existiram e são de execução difícil para grande parte dos artistas. Muitos deles não têm habilidade para lidar com questões administrativas e operacionais, o que é muito natural. A criação é subjetiva e informal por natureza, e a produção caminha numa direção oposta, pois lida com questões objetivas e com altas doses de formalidade. Como em qualquer outra atividade, em uma carreira artística precisa haver especialização do trabalho. Um artista precisa ter ao seu lado pessoas com competências complementares às suas.
CeM – Quais as características de um bom produtor nessa área?
RA – Um produtor precisa ser, antes de tudo, um bom mediador. Um tradutor de linguagens, pois vai ter que lidar em seu cotidiano com universos radicalmente distintos. Ao mesmo tempo em que vai tratar de temas ligados ao fazer artístico, que exigem sensibilidade e compreensão das sutilezas do processo criativo, terá que tratar de aspectos objetivos quando for a hora, por exemplo, de discutir com uma empresa os detalhes do patrocínio a um projeto. Além disso, na busca de recursos, vai precisar transitar com desenvoltura pelas esferas públicas, o que exigirá preparo para o trato de questões burocráticas. Assim, alguém que pretenda abraçar a profissão de produtor deverá reunir características importantes como a capacidade de lidar com números (mas também com pessoas!), flexibilidade, dinamismo, perfil empreendedor e coragem para assumir riscos.
CeM – Entre artista, público e patrocinador/empresa, qual relação costuma ser a maior preocupação do produtor? Algum recebe mais atenção do que o outro? No que isso acarreta à produção como um todo?
RA – Sem sombra de dúvida, a maior preocupação está na questão do patrocínio. Nem tanto por conta da relação com o patrocinador, habitualmente estabelecida em bases profissionais e de respeito mútuo, mas, sobretudo, do processo de busca dos recursos. A peregrinação para a conquista de parceiros privados costuma consumir grande parte das atenções, do tempo e da energia dos profissionais da área, com consequências às vezes danosas para a produção como um todo. A excessiva atenção requerida pela captação pode comprometer o planejamento do projeto e resultar em perdas na qualidade daquilo que é levado ao público. Esse é mais um efeito negativo do modelo brasileiro de financiamento à cultura, que torna os empreendedores absurdamente dependentes das empresas.
CeM – De maneira geral, os produtores brasileiros trabalham mais com paixão do que com razão? O produtor deveria se ver mais como administrador de empresa, por exemplo?
RA – Grande parte da produção cultural brasileira ainda se guia pela intuição. Muitos são aqueles que, movidos pela imensa vontade de ver concretizadas suas ideias e diante da falta de recursos, acabam investindo nos empreendimentos as economias e a própria força de trabalho. Chegam por vezes a produzir eventos e obras exemplares, ainda que sem qualquer financiamento externo. Mas isso, é claro, não é sustentável. Com o passar do tempo acabam desistindo do trabalho no campo da cultura, por conta da inviabilidade de suas apostas.
Defendo sempre a ideia de que os produtores precisam atuar de maneira profissional, e isso passa necessariamente pelo domínio de uma série de ferramentas, metodologias e técnicas do campo da administração, como o planejamento, a logística, o marketing e a gestão da qualidade. Somente com esse pensamento empresarial é possível avançar em direção à sustentabilidade das carreiras e dos empreendimentos no universo da cultura. Mas isso precisa se dar, naturalmente, sem que se percam de vista as especificidades do fazer artístico-cultural e a necessidade de tratar com profundo respeito a criação e os criadores.
CeM – Vivemos um bom momento para a produção cultural no Brasil, em termos de mercado? A que isso se deve?
RA – Apesar da crise financeira, acho que a perspectiva do setor cultural é de expansão, pois a cultura, a exemplo de outros segmentos, acaba acompanhando o crescimento da economia como um todo. O fortalecimento se dá também por outros fatores, como a própria institucionalização da área cultural no país, o surgimento de novas políticas públicas para o setor e até mesmo a crescente articulação da classe artístico-cultural. É claro que tudo isso ainda acontece em um ritmo bem mais lento do que desejaríamos e que há grandes desafios a serem vencidos, mas percebo que tivemos avanços e que a curva é ascendente.
CeM – Em entrevista a Leonardo Brant em 2009, você disse que “a questão da formação de gestores culturais precisa ser colocada na pauta do dia e se transformar em política pública”. De que maneira isso poderia acontecer e quais melhorias práticas poderia trazer para a profissão?
RA – Continuo na expectativa de que haja investimentos públicos na formação de produtores e gestores culturais. Quando digo isso me refiro à criação de cursos regulares e programas formativos, não apenas pelo Ministério da Cultura, mas também pelas secretarias e fundações estaduais e municipais, bem como pelas instituições do Sistema S. Fico assustado com o despreparo e a falta de informações básicas da maioria das pessoas que se propõem a produzir cultura no país. É preciso fazer circular conhecimentos do campo da gestão, de maneira a torná-los acessíveis em todas as regiões brasileiras. Os ganhos não ficarão restritos apenas aos profissionais formados e acabarão por beneficiar o setor cultural como um todo.
Acredito que aí esteja um fio de meada para o fortalecimento da cadeia produtiva da cultura e para que os artistas e pessoas que estão lá na ponta possam contar com profissionais realmente capacitados para o suporte de suas atividades criativas. É preciso formar produtores e gestores capazes de identificar e valorizar as riquezas locais, manejar as ferramentas da administração e desempenhar com firmeza e conhecimento de causa seu papel de mediadores e articuladores. Sinto um alento quando vejo o lançamento dos novos editais do Ministério da Cultura, que pretendem apoiar iniciativas de formação de empreendedores criativos e incubadoras de empreendimentos da área. Este pode ser um primeiro passo no sentido da capacitação desses profissionais.