Desde 2009 circula nas instâncias políticas o Projeto de Lei 6060/09, de autoria do deputado federal Vicentinho (PT-SP), que propõe a criação de uma reserva de mercado para as revistas em quadrinhos. Segundo a proposta, pelo menos 20% dos catálogos de editoras e distribuidoras seriam formados por HQs nacionais.

O projeto aguarda avaliação da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, mas provoca críticas do setor. A Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB) enviou carta à Comissão pedindo diálogo com os representantes da classe, o que, segundo o documento, não teria ocorrido até então. O receio dos cartunistas é que se crie uma lei contraproducente, fazendo decair a qualidade das publicações em meio a tanta demanda.

O mercado de revistas em quadrinhos, no entanto, está indo muito bem, obrigado, sem a ajuda do governo. Apesar de não haver estudos oficiais, o setor parece estar ganhando prestígio e público nos últimos anos. São dezenas de feiras sendo realizadas pelo país, com o surgimento de algumas em regiões fora do eixo Sul-Sudeste, como a Muiraquicon, que neste ano reuniu nomes como Joe Bennett, da Marvel, e Eddy Barrows, da DC Comics, em Belém (PA).

Outros eventos mais tradicionais, como o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), realizado bienalmente em Belo Horizonte (MG) desde 1999,  viram o seu público crescer exponencialmente. Na última edição, em 2011, o FIQ recebeu 148 mil pessoas, o dobro do público da edição anterior e o triplo da de 2007.

A alta demanda de HQs também pode ser vista na atenção que as megastores começaram a dar às publicações do gênero, passando a dar destaque aos produtos, afirma Rafael Coutinho, nome conhecido no mundo dos quadrinhos. Filho de Laerte, um dos maiores cartunistas do país, ele participou de importantes publicações como Bang Bang e Contos dos Irmãos Grimm. Além disso, foi ilustrador da elogiada Cachalote, em parceria com outro nome de peso do universo HQ, Daniel Galera.

Coletividade – Em 2011, a convite do portal iG, ele iniciou uma série chamada “O Beijo Adolescente“, voltada ao público jovem. Na história, um grupo de meninos desenvolvem poderes especiais na adolescência, depois de darem o primeiro beijo. A cada semana uma nova página da história ia sendo publicada na web.

O sucesso na rede ajudou a consolidar o desejo de Rafael Coutinho de ver a história em formato impresso. Além disso, a repercussão deu a ele a oportunidade de viajar pelo Brasil para fazer o lançamento da HQ em mais de 10 estados, com retorno excelente do público, como ele mesmo afirma. A ótima recepção da primeira edição de “O Beijo Adolescente” também impulsionou a criação de uma segunda temporada para a série.

Para relizar essa, no entanto, ele resolveu acreditar no poder do engajamento do público. “Não queríamos ficar batendo em porta de editora. Então, resolvi testar”, explica Coutinho sobre a escolha do crowdfunding como ferramenta para financiar a empreitada.

Não demorou para que o projeto alcançasse a meta de R$ 30 mil – colaborando com R$ 25 era possível garantir uma cópia da próxima edição. “Fiquei muito empolgado em criar algo que é fruto de interesse coletivo”, afirma. “Não sou o único autor do ‘Beijo’. Agora, tem um time enorme de pessoas que também fazem parte disso”.

O crowdfunding parece uma boa saída até no mercado internacional, que diferente do nosso, têm arrecadação estagnada há seis anos, cerca de US$ 650 milhões. O Kickstarter, maior plataforma de financiamento coletivo do mundo, tem uma área só para publicações desse tipo, com mais de 130 projetos, boa parte deles bem-sucedidos.

Analógico/digital – Recentemente, a “The Dandy”, revista em quadrinhos mais antiga do mundo, com 75 anos de idade, anunciou sua migração definitiva para plataformas virtuais. A revista vinha tendo queda nas vendas físicas, que na década de 50 atingiam mais de 2 milhões de cópias semanais.

E este é apenas um indício da convergência das tradicionais publicações em quadrinhos para o mundo digital. Com o advento dos tablets e smartphones, que permitem conexão em tempo integral com a internet, a distribuição e  interatividade das publicações mudou também.

A empresa ComiXology, líder entre aplicativos para distribuição e leitura de gibis em tablets no mundo, deve atingir US$ 70 milhões neste ano. Além disso, grandes editoras, como a Marvel, estão incorporando novos atributos à narrativa das histórias em quadrinhos, como trilha sonora, onomatopeias sonorizadas e desenhos em 360 graus.

“Gosto muito de experimentar dentro da linguagem, e o digital abre um leque imenso de novos caminhos possíveis. O quadrinho hoje em dia possui tanta diversificação que é quase impossível que uma pessoa não se identifique em alguma de suas formas”, afirma Ricardo Tokumoto, autor das Ryotiras.

Fruto da imaginação e do talento de Tokumoto, as tirinhas são publicadas há cinco anos no ryotiras.com. O conteúdo ganhou projeto no Catarse, que pretende lançar o “the best of” das cercas de 1.300 tiras e mais 20 inéditas em uma edição impressa, para colecionadores. Há 36 dias do fim da arrecadação, o projeto já superou a meta estipulada de R$ 15 mil.

Segundo Ricardo, a publicação foi uma demanda do público do site, que há muito pedia uma versão impressa do conteúdo disponibilizado por lá. “O Ryotiras sempre se manteve graças ao público, sem nenhuma pretensão maior de grandes lucros interferindo em minha liberdade de produção, e nada mais coerente que tornar essa publicação possível nesse mesmo esquema também, com a ajuda das pessoas que gostam do meu trabalho”, explica.

Para ele, o mercado nunca esteve tão aberto a novas possibilidades. E a distância entre o mainstream e o underground se atenuou graças à internet.  “É ótimo ver essa quebra de monopolização e ver que as histórias em quadrinhos cada vez mais deixam de ser algo de nicho pra estar ao alcance de todos”, acredita.


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Jornalista, foi repórter do Cultura e Mercado de 2011 a 2013. Atualmente é assessor de comunicação da SPCine.

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