Foto: Katy B
Qual o sentido de pensarmos em uma política de identidade cultural em pleno século XXI? No ambiente político, quais os efeitos de um processo indutor, por parte do Estado, de uma identidade nacional? É possível, na pós-modernidade, atribuirmos qualquer perspectiva de identidade que não seja no campo individual? Como lidar com culturas autóctones e conhecimentos tradicionais diante dos desafios da globalização?

Identidade é conceito-chave na construção de políticas culturais. Além de dar sentido a um território cultural, reúne dentro de si elementos simbólicos compartilhados entre um grupo de tal modo a garantir a sua soberania como nação.

Segundo Teixeira Coelho (1997), “tratava-se de encontrar os traços dessa identidade e de preservá-los estimulando sua reprodução por intermédio de programas de ação cultural e de políticas de comunicação de massa de que resultaram as redes nacionais de televisão”.

A identidade cultural de um povo é geralmente reconhecida por seus elementos unificadores, como território, língua e religião. Tratar do assunto sob o ponto de vista das políticas públicas de cultura torna-se cada vez mais complexo e espinhoso. Geralmente atrelado ao nacionalismo e utilizado como política de Estados concentradores, o conceito passou a ser visto com certa ressalva por formuladores e pesquisadores contemporâneos.

A construção do sentido de nação significa, para Zygmunt Bauman, a negação de diversificação étnica e cultural. Os processos civilizadores presididos e monitorados pelo poder do Estado apagam os resquícios de traços culturais do passado. A nacionalidade desempenha um papel de legitimação na unificação política do Estado, “e a invocação das raízes comuns e de um caráter comum deveria ser importante instrumento de mobilização ideológica – a produção de lealdade e obediência patrióticas”.

A cultura, cada vez mais homogeneizada, resulta de um certo hibridismo cultural da sociedade global, capaz de agir com a mesma intensidade e força de comando em sociedades tão distintas quanto o Brasil e o Iraque, por exemplo. Nesse ambiente global, a questão da identidade assume outras características.

Para Bauman, o aumento da rede de dependências adquire com rapidez um âmbito mundial, gerando desenvolvimento desigual da economia, da política e da cultura. “O poder, enquanto incorporado na circulação mundial do capital e da informação, torna-se extraterritorial, enquanto as instituições políticas existentes permanecem, como antes, locais. Isso leva inevitavelmente ao enfraquecimento do Estado-nação”. Como consequência disso, “os governos dos Estados têm de abrir mão do controle dos processos econômicos e culturais, e entregá-los às ‘forças do mercado’”.

No plano individual, identidade é condição de cidadania, de conquista de direitos e ciência de deveres. E se a sociedade lhe garante acesso aos conteúdos diversos e liberdade de expressão, isso pode significar a construção da própria subjetividade, por meio do reconhecimento e valorização dos fatores constitutivos da sua herança cultural, assim como a possibilidade de identificação com outras culturas e modos de vida ao seu redor.

Por outro lado, a globalização deveria potencializar o processo de construção e consolidação de uma identidade própria, legitimada por escolhas e vínculos de herança. Isso se for garantido ao cidadão o acesso irrestrito e não mediado por mecanismos de domínio e controle, a conteúdos de todas as culturas. Em diálogo e contraposição
com os seus próprios referenciais, o indivíduo exerce de maneira mais clara e rica a construção e o exercício da sua subjetividade. Mas como conseguir isso nos dias de hoje?

* trecho do livro O Poder da Cultura.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

14Comentários

  • Celia Brandao, 13 de março de 2010 @ 23:56 Reply

    Gostei muito da resenha. Apresentei trabalho Con congresso latinoamericano de psicologia Analítica em setembro no Chile sobre”identidade e poder nas relações a amorosas.” Há um pequeno post sobre o temano blog http://celiabrandao.wordpress.com/

  • Fábio Elionar, 14 de março de 2010 @ 16:40 Reply

    Prezado Brant, minha desinteligência não atingiu o teor de sua sentença. Identidade seria então uma palavra só admitida no âmbito do indivíduo? A coletividade não tem o direito de sentir-se harmônica? Nem mesmo no Maracanã, atrás do trio elétrico ou nas filas dos pegue-pague? Ou o problema só se dá quando adentramoss o terreno político?
    Quanto a tal Pós-Modernidade, esta já foi antes de ter sido.

  • Fábio Stênio Rios, 15 de março de 2010 @ 0:36 Reply

    Muito oportuna a sua discussão sobre identidade cultural, porém permita-me debater uma pouco mais sobre o assunto.

    A identidade de uma nação não se aplica ao conceito de Brasil, pois de forma diferente da maioria de países pelo mundo e, principalmente, de países europeus, somos formados de várias nações, dessa forma, a diversidade é uma das mais fortes características que nos une culturalmente, o que simplesmente invalida os conceitos “líquidos” aplicados por Zygmunt Bauman, que aponta para a uniformização cultural e étnica quando se trata de nacionalismo ou identidade nacional.

    A presença do Estado na cultura pode ser compreendida de várias maneiras, mas indelevelmente, fica impossível compreender um estado sem a presença da cultura. Ou seja, o estado representa seu povo e a vontade da maioria, mesmo quando se trata de ditaduras, é um conceito básico de antropologia. Para comprovar isto, basta lembrar-mos que a “Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade.” aconteceu para incentivar o golpe, e o que o derrubou foi, não diferente, o desgosto popular com as políticas econômicas após o milagre-econômico e não seus abusos em nome de antigas “oligarquias paulistanas”.

    Portanto, o estado como representante da comunidade e da maioria, tem legitimidade ao se apresentar como fator moderador e implementador de políticas culturais, mas não como terceirizador de suas políticas, conceito muito aplicado no estado mínimo, onde a comunidade quase não é representada e sua representatividade é transferida para setores econômicos ou produtivos privados de natureza individual.

    A globalização atual produziu apenas uma única religião, o consumismo fundamentalista, tornando arte em produto e cultura em algo vendável povoada por promotores de venda, porém neste mesmo molde, olhar para o mundo sem uma visão libertária, ou seja, com um olhar crítico, mesmo que os meios não sejam controlados, é uma besteira.

    O processo de concentração tanto dos meios de comunicação quanto dos meios de processamento de dados da Internet reflete os rumos que a globalização sempre tomou. Veja os dados, dos 500 supercomputadores mais velozes do mundo, em 1993 45% deles estavam nos EUA, em 1999 53,6% e em 2009 55,4%, segundo o site top500.org: Quanto se trata de salários comparados com o resto do mundo, em 1990 um norte americano ganhava em média 38 vezes mais que um tanzano, que hoje ganha cerca de 61 vezes mais, segundo a pesquisa de Milton Santos mostrada no documentário “Por Uma Outra Globalização”.

    Globalização não é sinônimo de identidade cultural, e mesmo como ela é, nunca será consolidadora de nada que não seja dominação econômica e desconstrução cultural para substituição por produtos culturais. Mas ainda penso como Jean Paul Sartre, no prefácio de “Os Condenados da Terra”, de Franz Fanon:

    “É preciso explicar por que o mundo de hoje, que é horrível, é apenas um momento do longo desenvolvimento histórico e que a esperança sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das insurreições. E eu ainda sinto a esperança como minha concepção de futuro.”

  • luciano, 15 de março de 2010 @ 6:53 Reply

    o leonardo ja falava. o artista tem q ser solitario. ficar no seu canto fazendo arte. dai ir pro mundo. mas nao pode ter “rabo preso” ou querer “agradar” os outros ou nao ofender ninguem. o papel dele na “colmeia” é justamente este. ele é sensivel. ele tem q falar o q sente. é melhor para a propria sociedade. nao pode ser politico, nem diplomata. ele é o astronauta. o cara q da sua propria vida para descobrir outro planeta. o pt tinha um papel bem importante q era o de criticar tudo. oposição. dai virou situação e ja rolou grana na cueca, meia, panetone, pizza. os caras ja nao sao mais nada. o poder corrompe. se o musico vira dono de bar, ele vira dono de bar. começa a pensar como um. so vai colocar cover dos beatles, porque da mais dinheiro. se o pintor vira dono de galeria, vai querer ganhar 90% em cima do “irmão-pintor”. estamos todos no mesmo barco. o mais importante é o respeito e a consciência de q todos temos nossos valores individuais. q todos somos importantes. ate mesmo o produtor cultural.

  • carla gavilan, 15 de março de 2010 @ 8:47 Reply

    Pensar identidade na contemporaneidade não faz mais sentido. Somos todos “mulatos”, misturados”, “mestiços”, como nos lembra Serres. Só mesmo o Bauman, com todo seu pessismo e catastrofismo moderno, agarrado em uma sociedade Sólida (que para ele era melhor que a contemporânea – ou seja – líquida) para ainda querer falar em identidade.
    Só não muda quem já está morreu!

  • gil lopes, 15 de março de 2010 @ 12:05 Reply

    Eu lembro como fez bem a todos nós que odiávamos a ditadura ouvir da boca de Caetano: minha pátria é minha língua, repetindo Fernando Pessoa. Aquilo ampliava tudo, reduzia o ame-o ou deixe-o a poeira. Dava um sentido novo ao nosso nacionalismo sem patriotada. Criava uma definição para nós que procurávamos nos entender diante daquele mundo repressivo e hostil. Éramos uma gente que possuía uma língua e portanto nos uníamos. Tínhamos uma diferença que nos unia e constituía.
    E como foi bom visitar os Estados Unidos. A primeira vez então, inesquecível. Que gente! Que povo! O Império desse mundo. Nova Iorque tinha gente de toda parte, inclusive os brasileiros. E que sensação descobrir um patrício sem que nada indicasse. Podemos nos reconhecer simplesmente, feito os japoneses. Afinal que espécie de asiáticos somos nós que nos reconhecemos? Pelo olho? Antes da língua? Que sensibilidade nos aproxima?
    Em Miami então…mas afinal, alguém aqui fala inglês?
    Com a globalização sonhamos o mundo sem fronteiras, alfândegas, todo mundo junto no mesmo barco. Sonhar é o nosso grande barato.

  • Elisa Gueiras, 15 de março de 2010 @ 21:25 Reply

    Gil Lopes,

    seu texto só não está completo porque faltou dizer que neste mundo lindo, azul e maravilhoso estarão todas as pessoas (brancos, negros, índios, mulatos, orientais,ricos e pobres) de mãos dadas numa só corrente para o bem e cantando “IMAGINE”, de John Lenon.
    Mesmo que John Lenon tenha dito em sua letra que deveríamos imaginar um mundo sem posses, ams isso a gente releva.

  • Maria Luiza P. Diniz, 16 de março de 2010 @ 11:31 Reply

    Identidade é coisa séria. Cada um é seu ponto de partida e seu ponto de chegada, não há outro caminho. Há a identidade indivío, a indetidade familiar, a identidade racial e a religiosa, a indentidade sexual, a indentidade cultural… e por mais que se globalise, essas são facetas que constroem as nossas referências, que estruturam a a noss individualidade pscologicamente, afetivamente, moralmente.
    Vejo tudo como um grande organismo onde cada ser humano, animal, mineral, vegetal, microorganismos ( virus, bactérias,células, átomos, etc) tem seu papel e função proponderante calcada nessa individualidade implícita na sua identidade. Mas cada indivíduo ( micro ou macro) pode ampliar essa identidade a medida que se inerliga a semelhantes, ampliando seu poder de atuação e obtenção de resultados para suas próprias funções. A cada aspécto de sua identidade individual, corresponde ums identidade grupal e coletiva. posso ser heterosexual e ser católico, protestante, etc. posse ser homosexual e ser professor, assasino ou monje etc.Nenhuma dessas indivialidades implica que sejamos individualistas. Pelo contrário, sua aceitação e reconhecimento nos dá a dimensão de seu valor no contexto geral a que devemos servir, justamente para que se cumpra esse destino único e inealienável de cada ser. Minha maior utopia é que cada ser consiga realizar no espaço/tempo de sua exixtência, a sua individualidade ( “dons” x “aptidões” x “!missão”= satisfação de suas necessidades= realização pessoal=ser produtivo, util – “Ser” feliz) Maria Luiza P. Diniz

  • Maria Luiza P. Diniz, 16 de março de 2010 @ 11:33 Reply

    Identidade é coisa séria. Cada um é seu ponto de partida e seu ponto de chegada, não há outro caminho. Há a identidade indivío, a indetidade familiar, a identidade racial e a religiosa, a indentidade sexual, a indentidade cultural… e por mais que se globalise, essas são facetas que constroem as nossas referências, que estruturam a a noss individualidade pscologicamente, afetivamente, moralmente.
    Vejo tudo como um grande organismo onde cada ser humano, animal, mineral, vegetal, microorganismos ( virus, bactérias,células, átomos, etc) tem seu papel e função proponderante calcada nessa individualidade implícita na sua identidade. Mas cada indivíduo ( micro ou macro) pode ampliar essa identidade a medida que se interliga a semelhantes, ampliando seu poder de atuação e obtenção de resultados para suas próprias funções. A cada aspécto de sua identidade individual, corresponde ums identidade grupal e coletiva. posso ser heterosexual e ser católico, protestante, etc. posse ser homosexual e ser professor, assasino ou monje etc.Nenhuma dessas indivialidades implica que sejamos individualistas. Pelo contrário, sua aceitação e reconhecimento nos dá a dimensão de seu valor no contexto geral a que devemos servir, justamente para que se cumpra esse destino único e inealienável de cada ser. Minha maior utopia é que cada ser consiga realizar no espaço/tempo de sua exixtência, a sua individualidade ( “dons” x “aptidões” x “!missão”= satisfação de suas necessidades= realização pessoal=ser produtivo, util – “Ser” feliz) Maria Luiza P. Diniz

  • gil lopes, 16 de março de 2010 @ 11:44 Reply

    salve Elisa ( gostei da foto)…pois eu adoro Imagine, poderia ser a trilha do Mundo Maravilhoso da Globalização, filmado pelo cineasta Avatar…ehehe
    Eu lembro como a gente ficou indignado com a música dos Titãns que dizia “…nenhuma pátria me pariu..”e mais”..não, sou, brasileiro…não, sou, estrangeiro…”e por aí vai. A cabeça genial de Arnaldo Antunes nos provocou diretamente numa hora de afirmação nacional, tempos de Constituinte e eleição pra presidente, tempos de busca de afirmação nacional, que de resto, esperamos que recrudesçam em breve, do jeito que está é insuportável…mas foi uma provocação e tanto. Alguns chamavam os Titans de filhos da puta, outros refletiam sob a música titânica. O fato é que as questões da identidade esbarram conosco em cada esquina. Que país é esse eu tenho citado, Estrangeiro dos Titãns e muitas outras dão sentido e mostram ao que vieram os meninos do rock brasil. Tem gente que não percebeu.

  • Vander, 16 de março de 2010 @ 12:11 Reply

    Um artigo singular e preciso.
    Sem mais delongas……Verificar os artigos da semana na Epoca sobre Eike…E Exame, Steinbruck…..

  • Elisa Gueiras, 16 de março de 2010 @ 22:52 Reply

    Pô, Gil,

    Titãs?! Aí não…Muito filósófico pra vc.

  • Germano Gonçalves, 17 de março de 2010 @ 14:38 Reply

    A minha identidade é identificada com o socialismo verdadeiro que esta na periferia, não adianta um doutor ser candidato a político que quanto mais poder ele tiver vai querer muito mais, esta é a minha, a sua, a nossa identidade de um país que só vai se levantar quando a periferia estiver lá. Lá não sei a onde, mas só com a periferia.

  • Cultura e Mercado | para quem vive de cultura. » Política cultural em busca de Identidade, 11 de setembro de 2010 @ 11:50 Reply

    […] Leia também: Qual a sua Identidade? […]

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