Imagem: L.Brant
O jornal Folha de S. Paulo traz uma excelente matéria de Ana Paula Sousa, com entrevista da presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), Tereza Cruvinel. Foi a primeira vez que a grande mídia colocou o dedo na ferida, aberta e exposta desde a crise com a equipe que dirigia a TV, sob os auspícios do Ministério da Cultura.

O fato é que a nossa tão sonhada e batalhada TV pública está totalmente ocupada por quadros estratégicos da TV Globo. A saída de profissionais ligados ao MinC desvincula o compromisso da TV com o Fórum de TVs Públicas, conduzido de maneira aberta e democrática. Cruvinel “rasgou” todo o processo e, pelo que tudo indica, pretende fazer uma TV Pública a serviço dos interesses da Rede Globo.

Na entrevista Cruvinel afirmou ter recebido uma estrutura “tecnologicamente sucateada e, do ponto de vista humano, desestimulada.”, mas que apesar disso realizou uma reforma organizacional que a tornou mais adequada e ágil. Falou também sobre a pouca atenção dada à produção independente, afirmando que a participação do setor na grade já supera os 5% previstos em lei e que, a depender da resposta do setor, pode chegar a 40%.

Sobre a questão do afastamento da “turma do MinC”, Cruvinel declarou que “a diretoria-executiva da EBC não deve ser um colegiado político, mas administrativo”, afirmando ainda que parceria continua, seja por meio de programas, seja pela presença do ministro Juca Ferreira no conselho da EBC.

Defendendo o papel de uma emissora pública, Tereza também defende-se das críticas de que, no alto escalão, a TV Brasil está ocupada por ex-funcionários da Globo. “Acho uma bobagem. As Organizações Globo são uma grande escola de televisão e de jornalismo. A TV Brasil só tem a ganhar com a experiência ali adquirida por qualquer profissional ou diretor”, declarou na mesma matéria.

Embora Tereza Cruvinel defenda que a TV Brasil esteja mais adequada e ágil, a empresa ainda sofre criticas pela falta de consistência da programação e má gestão. Criada para ser a principal rede pública do país, a emissora ainda não tem sinal aberto em vários Estados e por isso não pode ser vista por toda a população

Passando por várias mudanças em sua administração, a emissora parece que sofrerá novas baixas em seu quadro. Também em declaração ao jornal Folha de S. Paulo, o presidente do conselho curador da TV, Luiz Gonzaga Belluzzo, disse que entregará o cargo. Nos últimos meses, seis dos 15 conselheiros deixaram suas vagas.

Contando com um orçamento de R$ 350 milhões, a EBC é formada pela TV Brasil e mais duas emissoras de TV, além de nove rádios, e foi criada com o objetivo de tornar-se uma rede pública nacional, mas que demonstra ainda não ter atingido a sua meta. “Tanto a sociedade quanto o governo têm baixa expectativa em relação à TV. É um espaço público pelo qual o público não se mobiliza”, diz Mário Borgneth, um dos diretores afastados.

Borgneth representava, ao lado de Orlando Senna e Leopoldo Nunes, o projeto acalentando pelo MinC. Com a saída dos três, o MinC foi, na prática, afastado da EBC, controlada pela Secom (Secretaria de Comunicação), do ministro Franklin Martins. “A TV é vinculada à secretaria que maneja a informação do governo. O ideal seria que não tivesse esse perfil estatal, que fosse, por exemplo, uma fundação. Em outros países, se ligadas ao governo, as TVs públicas tendem a estar ligadas aos ministérios da Cultura ou da Educação”, diz Senna.

TV pública é comum na Europa

A TV pública é, conceitualmente, aquela que não está amarrada nem ao governo nem ao mercado. Comum em países europeus, o modelo, no Brasil, desenvolveu-se à margem das TVs comerciais. Enquanto em países como Reino Unido, Alemanha, Itália e França o orçamento dos sistemas públicos fica entre 0,2% e 0,3% do PIB (Produto Interno Bruto), no Brasil esse índice fica em 0,0025%.

“No Brasil, a TV privada se afirmou como a TV do espetáculo. A TV pública deveria contribuir para a formação crítica do espectador, mas, como chegou atrasada, tem dificuldade de conquistar a audiência”, diz Jorge da Cunha Lima.

Ele cita, como exemplos de TVs públicas, as inglesas BBC e Chanel 4, a norte-americana PBS, “trucidada por Bush” e o canal franco-alemão Arte.

No Brasil, a estrutura das chamadas TVs educativas é um balaio de gatos jurídico. Há de tudo nesse universo: fundações, autarquias, órgãos ligados a universidades e organizações sociais. É nessa ambiente confuso que a EBC se move.  “A TV pública brasileira é um sistema de capitanias hereditárias ancoradas no poder político de cada Estado”, diz Mário Borgneth.

Parte dessa herança pode ser vista, na TV Brasil, nos programas religiosos que, a despeito de proibidos numa rede pública, seguem no ar. “Essa é uma das principais queixas dos espectadores”, diz o ouvidor Laurindo Leal Filho. “Uma TV pública deveria ser laica.”

* Com informações do jornal Folha de S. Paulo e colaboração de Carina Teixeira.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

2Comentários

  • Rafael Gonçalves, 31 de julho de 2009 @ 19:27 Reply

    Leo, eu acho que no Brasil, sempre estamos presos à fase de transição, sem a disposição, determinação ou instrumentos realmente democráticos que as sustentem do início, para o meio e até o fim. Política pública ainda pode ser traduzida quase como um sofisma tupy. É um cenário de atropelamentos e discórdia, enquanto se queima verba pública. Por estas e outras, a falta de coesão e concisão por parte do administrador público, leia-se executivos do governo, me parece continuar sendo a principal mostra de incapacidade de dialogarmos com o “estado” pra fiscalizar, pressionar, apoiar ou propor ações por uma política cultural brasileira.

    O que acontecerá se o governo mudar de mão na próxima eleição presidencial?

    Corremos o risco de sermos transformados, pela autocracia governamental, e de modo legal, meros espectadores que sequer teem a possibilidade de mudar de canal, reprovar a programação ou simplesmente interagir de fato com a política cultural, quiçá de comunicação.

    É uma longa caminhada… mas, e se despertarmos; do que somos capazes?

    Abs

  • Maria Regina Pinto Pereira, 10 de agosto de 2009 @ 15:24 Reply

    todas as TVs abertas são de baixíssima qualidade!
    Não precisamos de uma TV Globo pública se ela ficar igual à TV Cultura que só serve aos interesses de um grupo de tucanos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *