Em sua 9ª edição, que se inicia nesta quarta-feira (6/7) e vai até domingo, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) receberá atividades e debates sobre como internacionalizar a literatura brasileira, uma preocupação de décadas que sempre enfrentou a barreira do idioma e a falta de políticas públicas.

O presidente da Biblioteca Nacional (BN), Galeno Amorim, deve anunciar hoje (6/7), em Paraty, verba de R$ 12 milhões para bancar traduções e reedições de obras brasileiras até 2020.

A BN promete dobrar em 2011 os R$ 500 mil destinados às 68 bolsas de tradução de 2010. De 2001 a 2010, foram concedidas 160 bolsas, no total de R$ 1,3 milhão. Os valores anuais devem subir até atingir R$ 1,4 milhão em 2020. A meta é chegar a 2013 com cerca de 250 obras publicadas, a um custo de R$ 3,2 milhões.

O apoio à tradução garante a publicação de literatura de qualidade escrita em línguas periféricas, como o turco, o holandês ou o húngaro. Idiomas que vêm perdendo projeção, como o italiano, o francês e o alemão, também contam com incentivos para conter o predomínio do inglês.

Boa parte dos livros de autores não anglófonos da Flip 2011 contou com apoio de seus países, caso do húngaro Péter Esterházy, do português valter hugo mãe e da colombiana Laura Restrepo.

BEST-SELLERS
Até agora, os brasileiros que emplacaram livros no exterior são best-sellers ou tiveram o empurrão de editores, professores e tradutores. Milton Hatoum e Marcelo Ferroni, da Companhia das Letras, e Edney Silvestre e Alberto Mussa, da Record, conseguiram, com a força de suas editoras, emplacar seus livros mais recentes lá fora. O best-seller “Estação Carandiru” (Cia. das Letras), de Drauzio Varella, acaba de ser vendido para os EUA.

O mesmo não ocorre com traduções mais caras, como os catataus “O Paraíso É Bem Bacana” (Cia. das Letras), de André Sant’Anna, e “Pornopopéia” (Objetiva), de Reinaldo Moraes.

Segundo a pesquisa Conexões, que o Itaú Cultural acaba de divulgar, as bolsas de tradução são o melhor meio para a divulgação da literatura nacional fora do país, mais do que a criação de cátedras ou a implantação de programas de intercâmbio cultural. Na pesquisa, professores, editores e tradutores apontam a língua como um entrave para a projeção literária brasileira. Poucos editores leem português e podem contar com um bom tradutor.

BRAZILIAN PUBLISHERS
Criado há dois anos como parte de uma estratégia de promoção do mercado nacional, o programa Brazilian Publishers realiza nesta semana o Projeto Imagem, que traz jornalistas e editores estrangeiros para encontros e debates com autores, agentes e editores nacionais. A lista inclui os editores americanos Errol McDonald, da Pantheon Books (subsidiária da Random House, uma das maiores casas dos EUA), e Edwin Frank, do “New York Review of Books”, além de repórteres especializados da Europa e América Latina.

No Brasil desde segunda-feira, os convidados participaram de reuniões em São Paulo e farão dois painéis na Casa de Cultura de Paraty: o primeiro sobre a presença das literaturas de língua portuguesa no exterior e o segundo sobre as oportunidades e barreiras para a tradução literária no mundo.

Desde sua criação, o Brazilian Publishers tem patrocinado iniciativas para promover as editoras nacionais no exterior, como serviços de consultoria e organização de estandes brasileiros nas maiores feiras literárias do mundo. Segundo a gerente do programa, Dolores Manzano, foi realizado um mapeamento do mercado internacional que identificou áreas estratégicas para a literatura brasileira: oito países que ela define como “mercados principais” (EUA, México, Chile, Argentina, França, Alemanha, Coreia do Sul e Japão) e dois “secundários” (Angola e Moçambique).

“Para promover a literatura brasileira nesses mercados, o Brasil precisa investir em programas de tradução consistentes, como existem em vários países do mundo. A presença como país convidado na Feira de Frankfurt de 2013 vai colocar o Brasil em evidência no mercado editorial internacional, e precisamos nos organizar para aproveitar essa grande oportunidade”, diz Dolores.

DISTRIBUIÇÃO
Segundo a agente literária Lucia Riff, que também participará do debate na Flip, os projetos públicos de tradução muitas vezes são decisivos para uma publicação no exterior.

“Uma das primeiras perguntas nas reuniões com os editores sempre é se o país tem programa de tradução. A ideia não é que o governo subsidie a publicação de livros no exterior, mas temos que levar em conta que a boa tradução é cara e que há menos especialistas em português do que em outras línguas. Nessa preparação para a Feira de Frankfurt, devemos nos preocupar mais com qualidade do que com quantidade. Que não seja só oba-oba, e sim o ponto de partida para uma nova fase da divulgação da literatura brasileira no exterior”, afirma.

Além de Frankfurt, o Brasil será tema da Europalia, o maior festival multicultural da Europa, na Bélgica. O evento começa em 4 de outubro e tem reservado R$ 1 milhão para projetos de literatura e conferências. As ações incluem o lançamento de duas edições bilíngues de poemas brasileiros; conferências de autores mais conhecidos lá fora como Milton Hatoum, João Ubaldo Ribeiro (que está na Flip) e Bernardo Carvalho, e de outros ainda com um território a conquistar, como Nuno Ramos, Carlito Azevedo e Marília Garcia; e exposições das obras de nomes como Clarice Lispector, Augusto de Campos e Lourenço Mutarelli.

“Pensamos alguns eixos da literatura brasileira para a Europalia”, afirma Flora Sussekind, curadora do evento no campo literário. “O problema é com quem você lida para montar as conferências. O grau de conhecimento sobre autores brasileiros é muito baixo. Eu apresentava os autores com quem gostaríamos de trabalhar e precisava explicar a importância de cada um. Em geral, as reações deles era de que não interessaria ou não haveria público.”

Para Flora, o problema ocorre não apenas pela falta de versões para outras línguas, mas também pela ausência de uma política para distribuição dos livros no exterior. “Não adianta a tradução ser custeada e ela sair por alguma editora à margem que ninguém vai ler. Além disso, seria importante que o governo financiasse cadeiras de cultura brasileira em universidades estrangeiras, como Portugal já fez. Tudo isso ajudaria a se pensar o Brasil pelo mundo com menos estereótipos.”

*Com informações da Folha de S. Paulo e de O Glob0 Online


Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *