“Gente estúpida, gente hipócrita”, canta Gilberto Gil em uma de suas músicas, referindo-se aos homens públicos. Mas até que ponto ele, em sendo governo durante duas legislaturas, não corre o risco de se transformar e já fazer parte dessa mesma gente?
A pergunta procede pelo desejo que temos de preservar nossos ícones, no caso, o Gil artista, e não apenas por ser o atual ministro da cultura um raro exemplo de mobilidade social, em que de menino do chão baiano e depois cidadão de ermo periférico, se transforma em um criador vicinal para o país; e que agora vê a imagem de sua presença holística ser ruída e retro-alimentada pela atuação política e os desgaste dela decorrentes.
A pergunta vale, também, para enfatizar o cansaço de material, uma lei física muitas vezes ignorada, que pode se fazer presente em estruturas fundamentais de aço, concreto e outras materiais, e que, por vezes, também se faz presente em uma correlação com o material humano; pois encarar duas legislaturas consecutivas requer não apenas apego ao poder, mas também um conteúdo substancioso que seja capaz de desenvolver e exemplificar unicidades e pluralidades, entretendo dessa maneira a sempre muito exigente platéia, durante um tempo que já vai durar quase uma década.
Por fim, essa mesma pergunta que ficou acima, vale para questionar o fato de que, se ele é ainda ministro, por que então já não se sabe mais ao certo e verdadeiro quem ali no Ministério é gato, quem é lebre? Sendo que é ele mesmo, o Ministro Gil, que leva a fama por tudo que se faz e não se faz naquela casa da cultura, mesmo quando é representado em momentos cruciais por subordinados do andar de baixo?
Sou daqueles que saudou incondicionalmente a vinda de GG para o Ministério da Cultura, por entender que com ele a cultura teria representatividade política e seria trabalhada de forma diversa e a mais democrática possível. E foi.
Com GG ministro, veio a certeza de que um agricultor no interior do país, um motorista de caminhão no sul ou um micro empresário no norte, gente que nunca ouvira falar de política cultural, teriam uma forte referência simbólica de ocupação de um cargo ministerial para a cultura nacional, o que, per si, já seria um ganho institucional para a pobre representação política que a cultura tem.
E agora, mesmo não sabendo exatamente onde está GG sobre o planeta, tampouco sabendo se foi ou se ainda está ministro –e talvez por isso mesmo; o fato é que acaba de me chegar a notícia de que, “pela primeira vez na história deste país”, o investimento governamental no esporte supera o da cultura.
Sei que não devemos contabilizar para este resultado apenas a ineficiência do MINC em administrar, por exemplo, os procedimentos mais banais da lei Rouanet, se perdendo em um processo interno que se emperra cada vez mais, com a CNIC provando ser um apenso sem nenhum critério e sem nenhuma vitalidade.
Vale ressaltar que a comparação engloba apenas os recursos orçamentários, sem considerar as verbas das leis de incentivo, das loterias e patrocínios das empresas estatais, tanto para o esporte quanto para a cultura.
No ano de criação do ministério do Esporte, em termos orçamentários, o Ministério da Cultura gastou e investiu mais.
Naquele ano, foram desembolsados R$ 353 milhões pela pasta contra R$ 200 milhões aplicados pelo Ministério do Esporte. Desde então, os recursos globais autorizados em orçamento para o Ministério do Esporte não cessaram de crescer acentuadamente.
Na época em que foi comandado pelo ministro Agnelo Queiroz, o montante ainda foi um pouco inferior ao autorizado para a Cultura (R$ 611,7 milhões). Já para 2008, a verba autorizada é o dobro da registrada naquele ano, R$ 1,3 bilhão. Sendo que no ano passado, por conta do Pan-Americano, o orçamento disponibilizado para o esporte também foi maior que o da cultura, cerca de R$ 1,8 bilhão para ser gasto e investido no setor.
Está patente e tudo indica que é irreversível. Os gastos da pasta do Esporte, criada no começo do governo Lula -portanto muito mais recente, ultrapassaram as despesas globais da pasta da cultura.
Sei que esta notícia, positiva do ponto de vista do esporte, que assim vai se afirmando em termos políticos e orçamentários, tem muito a dever ao espírito empreendedor e celeridade do atual Ministro do Esporte, Orlando Silva, que este sim, dá provas de que está na lida diária, incentivando o seu segmento de maneira inteligente e ágil. Porque, afinal, nada cai do céu, nada se resolve por parabólicas ou simplesmente por delegação a um representante, muito menos a tarefa que é da alçada de um Ministro. Ruim ou pior. A fadiga sempre pede mudança.