Lula confirma o secretário-executivo no comando da pasta. Principais desafios do novo ministro são aprimorar gestão, institucionalizar programas bem-sucedidos, como o Cultura Viva, ampliar orçamento, resolver impasse da Lei Rouanet e estabelecer diálogo com artistas e agentes do mercado.

Em sua primeira entrevista depois de confirmado no cargo, concedida ao Correio da Bahia, Juca diz ser tímido e demonstra mudança no estilo do comando do Ministério.

Acompanhe os trechos mais importantes da entrevista concedida à jornalista Lenilde Pacheco:

Correio da BahiaDepois de seis anos como secretário executivo do Ministério da Cultura, o senhor conhece os pontos fracos e fortes da máquina que passa a dirigir agora. O que é difícil de fazer em dois anos? O ministério já foi questionado sobre a forma de conduzir as mudança da Lei Rouanet, por exemplo.

Juca Ferreira – Nada é impossível, embora toda transformação seja difícil. Para mudar é preciso eliminar privilégios, pôr fim a comportamentos automatizados e ao conservadorismo. Nós já conseguimos fazer isso nos últimos anos e vamos prosseguir, ampliando o diálogo para resolver questões como a mudança da Lei Rouanet

CBQual será a sua tática de atuação?

JF – Não acredito em política pública de gabinete. Sempre privilegiamos as ações conduzidas sob a luz do sol, em ambiente aberto, onde a troca de idéias flui. Daremos continuidade a essa forma de atuação, criando novos movimentos.

CBQuais são os segmentos prioritários na sua opinião e nos quais investirá suas energias com maior vigor?

JF – Acho que podemos investir mais nas artes. Podemos criar mecanismos que contribuam para fortalecer a música erudita, a literatura e a língua portuguesa. Para isso, vai ser preciso manter o mesmo ritmo de trabalho que o ministério tinha com Gil. Muito trabalho e muito esforço porque não existem condições reais para o Brasil enfrentar os desafios do século XXI sem uma política cultural sólida.

CB Como o senhor pretende investir mais nas artes?

JF – A Funarte tem um orçamento muito pequeno. O caminho, neste caso, é fortalecê-la por meio da Lei Rouanet, de incentivo à cultura. Com a escassez de recursos atual, a Funarte tem atuação restrita.

CBQuando será a posse como ministro?

JF – Devo permanecer como interino até o retorno do presidente que fará viagem à China. Eu já vinha atuando interinamente durante a gestão de Gil, que deu luz a este ministério. Ele mostrou que cultura é uma necessidade básica como comida. O presidente Lula quer a continuidade deste trabalho porque acredita nas políticas públicas conduzidas pelo Ministério da Cultura.

CBAlguma mudança previsível desde já?

JF – Não. Gil continua como referência importante para este grupo de trabalho e vou consultá-lo sempre que houver necessidade. A única mudança prática é que eu sou tímido. Em determinadas situações, as pessoas já estavam acostumadas a tirar o ministro Gilberto Gil para dançar e ele não vê problema nisso. Agora, os participantes de reuniões que terminam com música, não poderão dançar com o ministro.

CBIsso é um aviso?

JF – Eu sou tímido. Peço que não me tirem para dançar.

CB Como soube da definição pelo seu nome?

JF – Estou retornando de viagem à Bolívia, onde estive na condição de ministro interino, para participar do Encontro de Intelectuais e Artistas do Mundo pela Unidade e Soberania daquele país. Há poucos minutos, quando desembarquei em Brasília, liguei para o ministério e eles me informaram que o presidente da República aceitou a indicação do meu nome. Como estou conversando com você, espero que a informação seja verdadeira (risos).

CBHá algum tempo este acontecimento era previsto. Apenas não havia certeza de quem seria o sucessor, concorda? E foram muitas articulações.

JF – De fato, houve especulação sobre o assunto. Mas quando telefonei, há pouco, para o ministério, me disseram: você é o substituto do ministro Gilberto Gil. O presidente aceitou.
Perfil

Em 13 de dezembro de 1968, no mesmo dia em que o governo militar baixaria o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que tornou a ditadura mais violenta, o baiano João Luiz Silva Ferreira, ex-aluno do Colégio Militar, era eleito presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Não podia haver coincidência pior. Juca Ferreira ingressou na resistência armada ao regime militar e passou quase dez anos exilado no Chile, na Suécia e na França, onde se formou em sociologia.

Só voltou ao Brasil e à Bahia após a anistia. Trabalhou na Fundação Cultural do estado e, nos anos 90, participou da criação de um dos primeiros projetos de arte-educação do Brasil, o Projeto Axé, voltado para crianças e adolescentes.

Sua militância ambiental o aproximou de Gilberto Gil. Foi vice-presidente da Fundação Onda Azul, ONG criada por Gil, e militante do Partido Verde. Natural da capital baiana, Juca _ hoje com 59 anos _ foi eleito duas vezes vereador em  Salvador, em 1993 e em 2000. Deixou o mandato para ser secretário executivo do Ministério da Cultura, em 2003.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

3Comentários

  • Carlos Henrique Machado, 31 de julho de 2008 @ 12:21 Reply

    Tenho por hábito buscar na sociedade os ecos, as opiniões, a repercussão de fatos sobre as questões nacionais. Confesso-me surpreso com a pouquíssima repercussão da saída do Ministro Gil. A equação que faço é simples, aliás, prefiro fazer equações em termos de cultura do que trabalhar cm o imaginário, com o lendário. Aposto mais no pragmatismo, nos resultados concretos, no pão-pão, queijo-queijo. O melhor termômetro da sociedade, é ela própria, a nós, que fazemos parte dela, cabe a interpretação que se arrasta que nem cobra pelo chão no seu caminhar, se movimentando para todos os lados. E é através desse quadro que podemos flagrar que houve um distaciamento enorme entre a visibilidade do MinC na era Gil e as ações concretas que, naturalmente, deveriam estar nas ruas, nas esquinas, mesmo polêmicas. Apesar de muito noticiada a sua saida na grande mídia, a repercussão foi minúscula, isso pode ser aferido via online pela quantidade de comentáros sobre a saída de Gil. E, inevitavelmente, ficamos na comparação dos propósitos, dos discursos, dos slogans versos prática na objetividade, no alcance, na concretização do equânime, da mediação salutar, na organização do tabuleiro desse xadrez que é a cultura brasileira.

    Gil tem uma citação bastante simbólica na maioria das opiniões de observadores nacionais e internacionais. A visibilidade dada ao MinC é a mas recorrente observação aos que o elogiam. Talvez esteja aí a grande questão. Talvez o caminho adotado pelo MinC da visbilidade pela visibilidade, simplesmente tenha trazido resultados frustrantes. A estruturação do sonho não veio, como eu disse, a sociedade não viu, nãolou aquela coisa e pele, MinC/socedade brasileira. As saudações evocam sempre a figura produtiva do artista que, como tal, povo brasileiro o reconhece como um legítimo representante. Suas músicas sempre encontraram abrigo no clo do povo. Sua narrativa alcança o coração do povo. Seu amor foi instantânio por Gil na era dos festivais. Uma febre, uma longa e bendita febre que elevava a temperatura de toda a sociedade, mas, essa visibilidade não foi suficiente, como não será. A cultura brasileira está aí saindo pelo ladrão, transbordando. Precisamos de uma observação criteriosa, profunda, pragmática, com a mesma independência que as próprias curvas criadas pela sociedade tem, um jeito particularmente especial de organizarmos todo esse manancial sobre as nossas próprias lógicas, para aí sim, conseguirmos estabelecer uma planilha de substâncias robustas que potencializem mercadologicamente todo esse universo. E o caminho é o já conhecido pelos grandes pensadores da Semana de Arte Moderna e dos grandes poetas da era dos festivais, assim como Gil, na observação cotidana do homem brasileiro, colocando na pauta central de todas as questões de um plano nacional de cultura. Aí sim, o movimento como um bloco coeso e consistente, alçará o tão almejado vôo de apresentar a cultura como de fato ela é, estratégica para o desenvolvimento de um país através do homem que o constrói dia-a-dia.

  • Cida Medeiros, 31 de julho de 2008 @ 23:10 Reply

    Carlos
    não sei se você teve chance de colocar sua opinião no blog do Luis Nassif. Suas observações podem agregar valor lá também.

  • Carla Pereira, 4 de agosto de 2008 @ 14:11 Reply

    Pois é, Carlos, e eu que comemorei a posse de Gil no MinC, o que dizer de seu mandato?

    Lembro-me da estranheza que senti ao vê-lo alinhado na foto ministerial. Aos meus olhos ele e a ministra Marina destoavam do grupo. O tempo passou e agora ambos deixam o poder destoando entre si, inclusive na repercussão que causaram com a saída, ou com a falta de repercussão, como você bem pôde pontuar.

    Em minhas reflexões sobre esses 5 anos e meio em que acreditei estar a contra-cultura no poder, aproveitando os calorosos debates que você vem promovendo aqui nessa praça virtual, me pergunto sobre o que esperar de um ministério diante da cultura que vem se revelando continuista no poder, ou, quando as mudanças no tom da pele não se fazem perceber no tom da fala. Ou ainda, quando diversidade cultural se confunde com variedade de estampas embalando a mesma mentalidade que atracou mofada 508 anos atrás (Nas cartas de Américo Vespúcio, ele afirma que se lançou às grandes conquistas por estar cansado de presenciar a roda da fortuna…) e cujo primeiro banho de loja chegou com a família real portuguesa e vem sendo celebrado em seu 200º aniversário pelo governo Lula com a mesma desfaçatez com que FHC comemorou nosso Descobrimento.

    É a cultura do à favor.

    O fato é que nossa elite pensante, seja artística, política, jornalística, acadêmica ou de entretenimento, ainda que colorida, não consegue olhar o Brasil para além das $ advindas de seu solo.

    Há de se ter imaginação para criar o novo que tanto esperávamos encontrar já no meio do segundo mandato da única proposta que se apresentou contra a correnteza (ou a calmaria) que atracou em nossas praias e que, desde então vem se dedicando a catequizar a nós, nativos.

    Mas para que se tenha imaginação, há que se ter autonomia cultural, entendendo cultura como sendo todas as expressões de comunicação entre indivíduos que se relacionam em sociedade, construindo continuamente uma identidade comum no tempo e no espaço.

    Analisando o mandato de Gilberto Gil diante da maior instituição pública dedicada a cultura no Brasil, lembro da fala de Lula no Canecão, aqui no Rio de Janeiro, quando afirmou que passados os sustos das traições que encontrou no primeiro mandato, contava com a cultura para alimentar o governo com idéias criativas… enquanto no relatório enfadonho que o então ministro nos constrangeu a assistir, falando sobre as maravilhas realizadas durante sua gestão, quando deixou claro, ao menos para quem estava comigo no fundo do teatro, que sem o mínimo de 1% do orçamento público não via porque continuar no cargo… e eu pensando na quantidade de artistas que vem realizando seus trabalhos nas ruas, sem nenhum tostão furado, na informalidade, aos trancos e barrancos, mas com a liberdade e a autonomia que só tem quem não tem nada a perder e que passam ao largo dos olhos da nossa pseudo opinião pública… de que criatividade será que o presidente falava enquanto submete toda a ação positiva a favor da cultura à captação de recursos no mercado capitalista que, ainda que o mundo vire de cabeça para baixo, continuará submetido a critérios monopolizadores, concentradores, padronizadores e segregadores que lhe são característicos e determinantes desde os primórdios?

    Devo dizer “a Cezar o que é de Cezar”, em homenagem a cultura dominante, ou “Cada macaco no seu galho” em homenagem ao nosso ex-ministro?

    O que Gilberto Gil fez a frente do Ministério da Cultura foi seguir as recomendações da ONU para o setor, inclusive na hora de determinar o mínimo de investimento que se deve fazer na cultura.

    Senão todos, a imensa maioria dos editais publicados diretamente pelo ministério durante a gestão Lula se remete a textos publicados direta ou indiretamente pela ONU. Projetos como patrimônio imaterial ou valorização da memória cultural, por exemplo, sendo orientados por quem nos diz o que é cultura, o que é memória, o que tem ou não tem valor cultural em nossa terra, nossa gente… não coincidentemente os mesmos que financiam esses mesmos projetos…

    Nas mãos do terceiro setor, por um lado, e das leis de mecenato de outro, ambas desembocando no mesmo departamento de marketing sócio-cultural das grandes empresas comerciais multinacionais instaladas em território nacional, nossa produção cultural está submetida ao bom gosto do freguês em todas as suas etapas: criação, planejamento, formação, produção (tecnologia) e distribuição.

    Nessa engrenagem, o público é consumidor e não tem poder de escolha, assim, não só a ida ao Municipal, mas também à Lapa se reduzem a evento social, assim como o controle remoto nos serve a saltitar a programação que nos é imposta, seja qual for o evento escolhido, no fim da noite, o discurso é o mesmo.

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