Sempre que um novo meio de comunicação surge é inevitável que também surjam aqueles prontos para matar os sistemas ditos obsoletos. Foi assim com o rádio, com o cinema, com a televisão, com o jornal e, no fim, todos eles têm conseguido coexistir de alguma forma. Entretanto, um meio mais desafiador é o digital, pois muda radicalmente a forma de distribuição de todos esses meios em conjunto; todos eles poderão ser agregados e desagregados em poucos aparelhos eletrônicos no futuro.
A grande discussão em tempos de Flip (Festa Literária Internacional de Parati) se refere ao futuro do livro e para isso duas mesas interessantes no festival discutiram o assunto. A mais interessante nesse aspecto foi o painel entre Robert Darnton, diretor da Biblioteca de Harvard, e John Makinson, diretor da Penguim. E o curioso é que o maior medo não está na substituição do livro impresso. Há certo consenso que diversas mídias existirão em conjunto, como existem hoje, e haverá nichos para livros eletrônicos e livros impressos. Como bem lembrou o historiador Peter Burke, dificilmente alguém se animará de ler as mil páginas de Guerra e Paz, de Tolstoi, em meio eletrônico. O grande problema, assim, se dará em manter o hábito de leitura. Burke em sua palestra também citou de forma divertida que, assim como cozinhar de forma lenta pode resultar em algo agradável no final e ao longo da feitura do alimento, o processo lento de leitura permite esse saborear também. Mas com tantos dispositivos e interesses ao mesmo tempo, a leitura que demanda tempo corre mais risco do que o meio em que ele será divulgado. Já se percebe uma tendência na própria mídia jornalística impressa de textos mais curtos e objetivos, que rapidamente captam o interesse do leitor.
Pode ser uma tentativa derradeira dos jornais impressos de sobreviver em tempos online. Mas não deixa de ser uma situação ambígua. Para atrair leitores sem disponibilidade de tempo, encurta-se o texto, mas também se sabe que o diferencial do texto impresso em relação ao online seria sua capacidade de refletir o que o material digital apenas informou. Essa dificuldade de achar um formato ideal ainda não foi resolvida, nem soluções foram iniciadas nesta Flip.
De qualquer forma, é reconfortante encontrar editores que se animam com o futuro do livro e as múltiplas possibilidades de sua interconexão com meios digitais, como os vooks, que são livros com vídeos. Além disso, como lembrou Makinson, diferentemente da indústria fonográfica, o livro se vende por inteiro e não por capítulos. O que matou a indústria do CD foi justamente ser um meio fixo que tem um conjunto de músicas que não necessariamente interessa ao comprador. Por isso, ainda haverá interesse pelo meio impresso por muito tempo. Darnton citou os manuscritos, forma que desapareceu completamente apenas no século XIX, quase trezentos anos depois da criação do livro impresso.
Enfim, a indústria da escrita está borbulhando de possibilidades, apesar de alguns meios, como os jornais, não terem encontrado uma saída.
* Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.