No próximo dia 13 de junho, a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, recebe o 1° Seminário Internacional Sonhar TV. Estarão presentes realizadores, convidados internacionais e personalidades do universo audiovisual brasileiro para provocar e estimular o público a expandir um movimento de reflexão sobre a televisão, no Brasil e no mundo.

O evento tem entrada gratuita e as vagas são limitadas. As inscrições podem ser feitas pelo site www.sonhar.tv.

Mas o que é Sonhar TV? É um movimento criado visando a discussão coletiva sobre o que seria uma televisão dos sonhos para a sociedade. O projeto pretende, a longo prazo, estimular uma nova maneira de compreender o meio e estimular o desenvolvimento de formatos televisivos inovadores.

A primeira ação foi o lançamento de uma plataforma na internet, que traz textos relacionados aos temas das discussões e registros audiovisuais de entrevistas com personalidades dos diversos elos da cadeia produtiva televisiva – dos acadêmicos aos produtores, dos artistas aos críticos, dos executivos de TV ao público consumidor.

A meta é que o portal se torne uma fonte permanente de informação e referência, para que executivos e criativos busquem alternativas inovadoras para o aprimoramento da televisão. Para isso, conta com conteúdos gerados a partir do envolvimento de grandes teóricos do Brasil, como Arlindo Machado, Renato Janine Ribeiro, Esther Hamburger e Eugênio Bucci; produtores e executivos como Zico Goes e Nelson Hoineff; dramaturgos, como Marcílio Moraes e Newton Cannito; diretores e criativos como Tadeu Jungle, Nilton Travesso e Del Rangel; além de personagens do meio, como Danilo Gentili.

Em entrevista ao Cultura e Mercado, Newton Cannito fala mais sobre a iniciativa.

Cultura e Mercado – Quando e como surgiu a ideia do Sonhar TV?
Newton Cannito – A ideia surgiu no ano passado, na Secretaria do Audiovisual. O que percebemos é que as pessoas gostam de criticar a tv, mas não costumam sonhar com as alternativas. Nós fizemos esse projeto porque amamos televisão e queremos melhorá-la ainda mais em conjunto com realizadores, pensadores, poder público, empresas privadas e toda a sociedade brasileira. A TV merece isso!

CeM – Quem está envolvido na execução do projeto?
NC – O SONHAR TV é uma parceria entre a Secretaria de Audiovisual do Ministério da Cultura com a Sociedade Amigos da Cinemateca – sob gestão e produção da Academia de Cultura (uma empresa do Grupo INK). Estão envolvidos no projeto uma equipe de curadoria, pesquisadores, produtores e profissionais de comunicação responsáveis pela propagação das informações nas redes sociais, faculdades etc.

CeM – No Brasil, a TV funciona muitas vezes como educadora, tanto de crianças que são deixadas em casa enquanto os pais trabalham, como até mesmo de jovens e adultos que não têm acesso a outros canais culturais. Quais são os perigos dessa relação? O Sonhar TV pretende ajudar a mudar essa realidade?
NC – A TV pode ser educativa, mas a educação não pode ser paradigma para criar televisão. Existem problemas na educação no Brasil, mas não dá pra colocar na conta da TV, até porque a TV é uma expressão artística, e muitas vezes a arte se contrapõe e questiona valores tradicionais, até da educação. A arte pode e deve expressar a língua do povo, cheia de “erros gramaticais” que assustariam qualquer professor de gramática. Se a TV fosse apenas educativa, ela perderia todo seu potencial, seria um desperdício.

A boa noticia, no entanto, é que chegamos à era da convergência de mídias. Cada vez mais pessoas têm acesso à internet e isso vai crescer. A internet tem mais potencial para trabalhar conteúdos educativos e trabalhar junto com outras mídias, como acontece nos projetos de transmidia. A TV pode, assim, catalisar o uso de jogos educativos que acontecem na internet, por exemplo. O jogo pode ser para descobrir um mistério da novela (e para isso a pessoa terá que pesquisar, por exemplo, a história do Brasil) ou pode ser para perceber os erros gramaticais da fala do personagem citado acima. Assim teríamos simultaneamente a expressão popular e a possibilidade de se aprofundar na gramática correta. Isso é SONHAR TV, usar o digital para romper antigas dicotomias, como a dicotomia entre educação e entretenimento.

CeM – Como a TV pode competir com a personalização e a interatividade permitida pela internet?
NC – Essa ideia de que a TV vai acabar e virar internet é um papo meio antigo. Pensar que o digital vai acabar com a televisão é um raciocínio analógico. O analógico que é excludente. O digital aceita tudo. A pessoa pode acessar TV na internet, mas aquilo ainda é TV! O que é legal é entender a especificidade dessa mídia. A TV tem uma interatividade que não é um a um. Não tem como cada um interferir no programa de TV, isso obrigaria cada um a ver uma história diferente.

A TV sempre foi interativa na participação de pessoas através, por exemplo, de cartas, votação. Isso tudo vai ser potencializado, é o especifico televisivo. O digital potencializa o especifico de cada mídia. O cinema virou mais cinema, com o som dolby digital, que efetiva o sonho do cinema de construir uma experiência tridimensional. A TV está virando cada vez mais TV, com a interatividade potencializada pelo uso do celular, que atua como uma segunda tela e canal de retorno e efetiva mais rápido a interatividade que a televisão sempre sonhou.

CeM – Em países como a França e a Inglaterra, a TV pública tem grande força. O mesmo parece não acontecer no Brasil. Por quê? Aproximar o público da TV pública é uma saída? Como fazer isso?
NC – É impossível obrigar uma pessoa a assistir um canal, é necessário conquistar a audiência. O pensamento sobre TV é que precisa mudar.

Até hoje existe diretor na TV que faz propaganda de seu fracasso de IBOPE como se isso fosse a prova de sua qualidade artística, como se houvesse a dicotomia entre qualidade e audiência. Isso é elitismo. A BBC produz televisão de qualidade e conquista audiência.

Para conquistar o público a TV pública tem que ter a coragem de fazer televisão, em sua especificidade. Deve abandonar o paradigma de ser educativa e aceitar que é um meio de comunicação com linguagem própria. Enquanto a televisão pública continuar se confundindo com televisão educativa, jamais prestará um bom serviço público de televisão. Por outro lado, como dissemos, ela pode e deve ter conteúdos educativos complementares aos programas.

A única ressalva é que a televisão pública não deve ceder aos interesses comerciais. A principal diferença tem que ser que a televisão pública pensa no público, não nos anunciantes. A televisão comercial é sustentada pelos anunciantes e isso pode gerar censura privada. A televisão pública deve ter independência em relação aos anunciantes para mostrar lados que a tv privada nem sempre pode mostrar. A TV pública deve ter independência em relação aos anunciantes, mas deve buscar audiência, pois ela quer servir ao PÚBLICO, aos espectadores.

CeM – Em depoimento para o site, o humorista Danilo Gentilli fala sobre a competição desregrada das emissoras de TV, que dificulta a circulação de artistas e conteúdos e empobrece a programação. É possível reverter essa situação?
NC – Sim, claro! Tudo é passível de reversão, não acreditar nisso é se entregar, desistir. Na verdade, penso mesmo que falta riscos, falta arriscar mais, inovar nos conteúdos. Por mais estranho que pareça os maiores canais de TV são os que mais se arriscam, as pequenas precisam ter a coragem de experimentar. O problema é seguir os modelos vigentes, querer “importar” um conteúdo da Globo é cair no erro, a emissora acredita que vai fazer melhor do que a Globo? Não vai! Não é assim que ganha audiência! Precisa criar novos formatos, pensar novos públicos, segmentar, procurar outros caminhos.

CeM – Para você, como seria a TV ideal?
NC – A TV ideal pra mim é lúdica. A TV serve para liberar nossos sonhos, para brincar. Tem gente que ataca entretenimento. Como se entretenimento fosse alienação. Isso é bobagem. Se eu fosse um oráculo eu diria: diga-me como brincas que te direis quem és. Ao entreter as pessoas estamos dialogando com seus sonhos mais ocultos. Essa seria minha TV ideal. Ela também é uma TV transmidiática. Ou seja, ela é lúdica na sua própria tela, mas ela aciona outros conteúdos, muitos deles informativos e educativos que complementam sua programação.

*Com a colaboração de Raul Perez


Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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