Teatros de rua e espaços culturais voltados para artes cênicas da cidade de São Paulo agora podem solicitar isenção do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Em abril, foi sancionada a Lei 16.173/2015, que atende a uma demanda histórica do setor.
“Aprovamos primeiro uma lei isentando de ISS as cooperativas de cultura. Agora estamos dando mais um passo. Com isso a gente dá uma sobrevida importante para o teatro de rua, que vai ser consumada com a regulamentação de um aspecto do Plano Diretor, que são as zonas de proteção cultural. Isso consolida o novo marco regulatório da cidade em proveito da cultura”, disse o prefeito Fernando Haddad durante cerimônia de apresentação da nova lei.
O projeto de lei foi proposto pelos vereadores José Américo, Floriano Pesaro, Andrea Matarazzo, Ricardo Nunes e Nabil Bonduki (atual secretário municipal de Cultura). Poderão requerer o benefício teatros e espaços culturais, cuja finalidade seja a realização de espetáculos de artes cênicas, com acesso direto pelas ruas ou galerias da cidade e capacidade para até 400 espectadores sentados. No caso de espaços culturais ou teatros que atendam a essas condições, mas compartilhem espaço com outras atividades no mesmo imóvel, a isenção será proporcional à área utilizada para os fins culturais e artísticos.
Os espaços com essas características terão de estar em atividade há pelo menos dois anos para requerer a isenção, que deverá ser renovada anualmente. Um decreto municipal deverá ser publicado em breve com o intuito de regulamentar a nova lei e criar procedimentos no âmbito da administração pública para sua aplicação. De acordo com levantamento realizado pelo Movimento de Teatros Independentes e a Cooperativa de Teatro, inicialmente, 60 salas serão beneficiadas pela nova lei.
Para o dramaturgo e produtor de teatro e cinema Paulo Pélico, a isenção de IPTU para os teatros ajuda de fato na manutenção desses espaços e das companhias de artes cênicas. “Nas últimas décadas, a receita de bilheteria vem perdendo progressivamente importância como fonte de financiamento dos espetáculos de um modo geral, e do espetáculo teatral em particular. Qualquer redução nos custos fixos auxilia na viabilização de projetos e na manutenção de espaços”, afirma.
Kleber Montanheiro, diretor artístico da Cia da Revista, concorda. Ele conta que o IPTU tem um custo muito alto para as companhias, uma vez que elas necessitam de um espaço físico com grande metragem quadrada para desenvolverem seu trabalho artístico e para acervo de materiais (cenários e figurinos). No caso da companhia que ele dirige, com 14 integrantes, o espaço tem 400m2 e o custo anual de IPTU passa dos R$ 5 mil.
Segundo ele, alguns grupos da região central da capital paulista têm recebido apoio de incorporadoras para custear gastos como aluguel, água, luz e telefone. A Tecnisa fechou um contrato de três anos com a Cia da Revista, que vencerá em maio do ano que vem. “Ainda assim, faz-se necessária uma política cultural que olhe para esses espaços como polos de cultura e conhecimento. Não estamos preocupados com a troca comercial estabelecida em bilheterias de espetáculos de aceitação do grande público, mas com o resultado artístico que podemos oferecer para a cidade e para os cidadãos”, afirma.
Ele lembra que, geralmente, esses espaços abrigam grupos de pesquisa de linguagem, que desenvolvem espetáculos voltados para a disseminação de pensamento, diálogo com o seu tempo e principalmente com a formação e a cidadania. Nesse sentido, Pélico aponta outras ações necessárias para a manutenção dos espaços desses grupos. Algumas de média complexidade, como construção e descentralização das salas de espetáculos, outras de alta complexidade, como o gargalo na educação.
“Sem resolver o grave problema da educação brasileira não mudaremos o quadro atual de baixa frequência nos nossos teatros. Os nossos alunos de ensino médio têm dificuldade de compreensão de texto. Se um jovem estudante não é capaz de entender direito uma matéria de jornal, onde arrumará repertório para apreciar Nelson Rodrigues ou Ibsen?”
Os grandes – Enquanto isso, empresas investem cada vez mais em teatros para grandes espetáculos na capital paulista. Em 2014 foram inaugurados os teatros NET (2.300m2 e 800 lugares) e J. Safra (633 lugares); na última semana foi aberto o Teatro Porto Seguro (4.200m2 e 504 lugares). Previsto para este semestre, o Teatro Santander (8.000 m2 e capacidade para 1,8 mil espectadores) terá recursos arquitetônicos e tecnológicos que vão permitir desde a montagem de grandes espetáculos da Broadway até a realização de exposições, apresentações de música, dança e desfiles de moda.
O Teatro J. Safra é um projeto do Instituto Safra. De acordo com Maurício Machado e Eduardo Figueiredo, diretores e curadores do espaço, em menos de um ano de atividades foram 31 espetáculos e um público aproximado de quase 100 mil pessoas.
E quais as dificuldades para os grandes? “São as mesmas do mercado cultural de maneira geral. Gerir um projeto que tem como principal objetivo uma programação cultural diversa, com foco em espetáculos inéditos e com conteúdo de qualidade, demanda recursos para sua realização, muito além do investimento oferecido pelo Banco Safra”, afirma Machado.
Agora eles estão em fase de captação para investir na programação e nos projetos sociais oferecidos para a comunidade. O objetivo é atingir cerca de oito mil pessoas diretamente com oficinas, espetáculos e projetos educativos. E como muitos dos participantes são da área de educação, a ideia é que o conteúdo atinja diretamente mais gente. “Em qualquer país teríamos empresas querendo investir e participar, mas no Brasil a mentalidade é outra, nós é que temos de correr atrás e muitas vezes colocar dinheiro do próprio bolso para sua manutenção, como estamos nesse momento. Mas vemos como um investimento”, diz Figueiredo.
A crise econômica, segundo eles, não é uma novidade. “A cultura sempre conviveu com crise econômica, é quase pleonasmo!”, afirmam. Por isso não deve haver mudanças no planejamento inicial para o teatro. Pelo contrário. “Com o sucesso da programação e a presença do público, nossa previsão é ampliar as atividades nesse ano.”
Responsável pelos teatros Amil, em Campinas (SP), e Folha, na capital paulista, a Conteúdo Teatral negocia no momento a administração de um novo espaço, no Shopping Cidade São Paulo, inaugurado na última semana na Avenida Paulista. Para Isser Korik, diretor artístico da produtora, são muitas as vantagens para as empresas que decidem investir em grandes teatros. “A principal delas é a constância de exposição que a empresa ganha, uma vez que o teatro estará sempre presente na mídia. O processo de afinação da identidade do público do teatro com a marca que o patrocina se torna mais sólida e perene, e os custos de avaliação e reavaliação de cada projeto são evitados. Dessa forma, o patrocinador tem no parceiro que opera o teatro alguém que se preocupa por ele com a qualidade e a visibilidade dos projetos”, avalia.
A lei municipal 11.119/91 exige que centros comerciais com mais de 30.000m² tenham pelo menos uma sala de teatro, com capacidade mínima de 250 pessoas. Segundo a Secretaria Municipal de Licenciamento, o Alvará de Execução de obras para shoppings só é liberado caso a planta apresentada pelo proprietário esteja atendendo a essa exigência. No entanto, a lei não define prazo para a inauguração desses espaços culturais. “A fiscalização é realizada pelas subprefeituras e a penalização para eventual alteração da destinação do uso do teatro é a impossibilidade de concessão de Licença de Funcionamento para outra atividade naquele local, além de aplicação de multa”, informa a Secretaria.*
Para Korik, a decisão sobre um investimento desse porte é pensada por um período de até 20 anos, por isso, a circunstância crítica não tem caráter racional, e sim emocional. “As empresas mais preparadas para planejamento de longo prazo não perdem oportunidades vantajosas por questões emocionais. A crise econômica eventualmente pode causar adiamento de decisões, esperando uma maior claridade no andamento da economia, mas uma decisão dessa envergadura envolve planejamento de longo prazo, e não ao sabor dos pequenos momentos econômicos, tão cíclicos. Uma vez tomada a decisão, tudo fica mais fácil para o patrocinador.”
Paulo Pélico acredita que esses grandes empreendimentos não concorrem com os pequenos, por serem produtos culturais diferentes e oferecerem experiências dramatúrgicas distintas. Para ele, é um erro explicar o eventual fracasso de um em razão do sucesso do outro. “Um espectador desejoso de assistir a um espetáculo denso e intimista não irá trocá-lo por um grande musical e vice-versa. Quantas pessoas aguentariam assistir a um musical grandioso toda semana?”
Por isso, ele defende que haveria espaço para os dois se houvesse volume e interesse pelos dois. “Os musicais estão sendo competentes na criação do mercado deles, que cresce. Não vamos culpá-los se outras plateias estão quase vazias. Devemos trabalhar para aumentar o público em outras plateias”, defende.
Pélico denuncia a omissão e o abandono histórico da área cultural pelo poder público – “nunca tivemos uma política cultural consequente focada no teatro e suas múltiplas necessidades”-, mas também uma falha dos profissionais do setor. “Falhamos ao não conseguir reverter o deserto criativo que nos desafia há algumas décadas. De quando em quando acompanhamos alguma explosão de talento aqui e ali, mas sem alterar o panorama da nossa produção teatral que, em geral, está muito fraca e há bastante tempo. Isso, obviamente, não ajuda a ampliar o diminuto publico que ainda frequenta os pequenos e médios espetáculos.”
*Cultura e Mercado solicitou à Secretaria de Licenciamento dados sobre o número total de shopping centers que deveriam ter teatros e os que efetivamente já inauguraram. A informação foi de que até a próxima semana será possível fazer esse levantamento. Publicaremos aqui.