O Vale Cultura lançado por Lula pode injetar R$ 700 milhões por mês no setor, o equivalente a oito Leis Rouanet. E potencial para gerar um impacto impressionante nos mercados ligados às artes e ao entretenimento.
O título deste artigo é uma reprise. Ele já esteve publicado neste mesmo espaço em dezembro de 2006, seguido de um texto assinado pelo editor-executivo da Dinheiro, Joaquim Castanheira. Naquela época, lançava uma ideia. Hoje, comemora uma conquista. Na próxima quinta-feira 23, as cortinas do Teatro Raul Cortez, em São Paulo, se abrem para que o presidente Lula apresente o ato final de uma longa discussão em torno das políticas oficiais de incentivo à cultura.
Ele fará o lançamento oficial do Vale Cultura, um instrumento de democratização do acesso a livros, teatros, cinemas, espetáculos musicais, museus, exposições, etc. Tem o mesmo espírito dos vales- refeição ou transporte, dividindo a conta entre o Estado, as empresas e o próprio trabalhador.
E potencial para gerar um impacto impressionante nos mercados ligados às artes e ao entretenimento. Nas coxias, o Vale Cultura foi o enredo de infindáveis e acalorados debates por abalar de forma incontestável o atual modelo de incentivo, estrelado pela Lei Rouanet. Amparada pelos benefícios fiscais, a legislação vigente prestou um grande serviço à cultura nacional, ajudou a financiar obras de qualidade e até mesmo de grande apelo popular.
Mas seu roteiro permitia vilanias e a complexidade dos processos para obter acesso a suas verbas acabou tornando a boa intenção um grande negócio para despachantes especializados e artistas renomados, capazes de montar estruturas voltadas exclusivamente para arrecadar patrocínios junto a empresas privadas em troca de isenção de impostos. A festa, que gerava em média R$ 1 bilhão por ano para o setor, ficava, assim, quase que totalmente restrita às grandes produções voltadas para os grandes centros, que geravam maior retorno por real investido pelas empresas.
O grande poder do Vale Cultura é subverter essa ordem com um investimento aparentemente irrisório. Cada trabalhador receberá um bônus mensal de apenas R$ 50 para aplicar no consumo de bens culturais. Gasta no que desejar, seja o musical milionário, seja o show de sua banda favorita de forró num salão da periferia. É o que Milton Friedman, guru do liberalismo, aplaudiria. Seu livro mais famoso se chama justamente “Free to Choose” (ou seja, livre para escolher). Pelos cálculos do Ministério da Cultura, nada menos que 14 milhões de trabalhadores poderiam ser incluídos no programa.
Isso significa colocar nas bilheterias, sem intermediários, R$ 700 milhões por mês. Isso mesmo: em um ano, o Vale Cultura teria o impacto de oito Leis Rouanet. Com outra vantagem: o benefício gerado em nome de um trabalhador de um rincão do Nordeste ficaria lá mesmo e não em uma sala de espetáculo do Sudeste, subsidiando a diversão da classe A. “Em tese, o objetivo de políticas públicas é democratizar o acesso à cultura.
Esse princípio se torna mais legítimo em um país em que a maioria das famílias vive pressionada pela necessidade de sobrevivência.
Pouco dinheiro lhe sobra para atividades desse tipo”, escreveu Castanheira há mais de dois anos. O mesmo raciocínio justificou o apoio do economista João Sayad, secretário da Cultura de São Paulo, ao Vale Cultura. “A política cultural do País apoia artistas e criadores por meio de gastos orçamentários e renúncias fiscais.
Entretanto, não há nenhum apoio financeiro para o público”, disse, em entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo. A tese, agora, pode ser aplicada na prática, destinando um dinheiro para que os mais pobres possam consumir cultura. É revolucionário, é democrático e é um bom negócio para as empresas. Dos R$ 50 de cada vale, elas entrarão com R$ 25 (o governo entra com R$ 15 e o trabalhador com R$ 10).
Em troca, terão acesso à renúncia fiscal de até 1% do Imposto de Renda devido.
Certamente, terão também funcionários mais satisfeitos e motivados. E certamente descobrirão que investir em patrocínios continuará sendo uma importante ferramenta de marketing. Com mais espectadores a comprar cultura, associar sua marca a ela terá ainda maiores retorno.
* Texto originalmente publicado na revista IstoÉ Dinheiro por Luiz Fernando Sá.
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