Foto: Cokada
Atualmente o anteprojeto Procultura, apresentado pelo Ministério da Cultura brasileiro tem despertado diversas discussões acerca do novo, nem tanto assim, projeto de financiamento da produção cultural brasileira. Nesse sentido alguns autores classificam o projeto como uma “generosa intenção de atender todas as regiões brasileiras”.

Primeiramente é mais que necessário corrigir: não se trata de uma generosa, mas necessária intenção em atender a todas as regiões brasileiras. Em segundo lugar, assim como outros problemas dos mecanismos de fomento a cultura no Brasil, se trata de uma questão histórica a busca pelo alcance do financiamento dos instrumentos culturais nas diversas regiões brasileiras.

Desde seu surgimento oficial na década de 1980, é possível observar que os problemas e os diagnósticos das políticas culturais nacionais são os mesmos: a concentração da verba, revertida por esses instrumentos, nas mãos de poucos (ou mesmos); concentração dos investimentos na região Sudeste, principalmente no eixo São Paulo e Rio de Janeiro. É interessante perceber a preocupação do governo também em estruturar o setor de negócios e serviços culturais nacionais, pois também se caracteriza como um forte criador e gerador de postos de serviços, tanto formais como informais.

Também podemos observar que desde o inicio do fomento cultural no Brasil, com a criação da lei Sarney, aqueles cujo serviram como principio norteador para sua criação viram cada vez mais o resultado do seu trabalho sendo guiado pelos departamentos de marketing das empresas e, portanto, tendo seu trabalho precarizado pela padronização imposta pelo poder econômico que, o agora, setor cultural passou a representar. Ou seja, a produção artística passou a sofrer uma pressão do mercado, levado pela lógica de que o valor do trabalho artístico deve ser medido pelo índice do seu consumo.

Esse fator nos faz entender então que os novos críticos de arte, aqueles que postulam o que deve ser entendido e consumido como cultura, são os departamentos de marketing das empresas.  Aqui nos deparamos com um dilema quando Sergio Martins afirma, em artigo apresentado à revista Veja em dezembro, que “não cabe ao Estado dizer o que é ou não experimental, o que tem ou não qualidade”, principalmente quando pensamos na questão de que cabe a quem então o pressuposto, de identificar quais produtos artísticos devem ou não ser contemplados com a generosa política de isenção fiscal, a qual em alguns momentos suplanta 100% de retorno dos investimentos.

O autor ainda traz uma preocupação quando afirma que “os tais critérios de que Juca Ferreira tanto se orgulha, são uma porta aberta para que o governo possa pautar e controlar a produção cultural, ao custo de alguns milhões.” Contudo, acredito que os marqueteiros culturais não terão problemas em terem suas expectativas atendidas, pois mesmo com as mudanças trazidas com o Procultura, a produção artística ainda estará submetida ao poder e ao controle do mercado, pois esse ainda continua sendo a principal fonte de investimentos e concomitantemente também o principal beneficiário. Com todas as mudanças anunciadas, o principal agente (ou pelo menos deveria ser) desse processo, o trabalho artístico, acaba por manter sua posição de subordinado aos interesses econômicos; o que ocorrerá é somente a mudança da forma com que isso será reestruturado e adaptado pelos departamentos de marketing para a promoção ou investimento em algum produto artístico.

Da mesma forma com que as críticas à concentração dos investimentos na região Sudeste formaram as bases das críticas a essa política na década de 1990, hoje também volta à tona essa problemática. Dada essa lógica mercantil, podemos observar que as leis de incentivo à cultura entre 1996 e 2001 beneficiaram a região Sudeste em 85,7% do total de investimentos culturais, sendo que São Paulo recebeu cerca de 42,7% e o Rio de Janeiro, 36,7%. Esses números, segundo dados apresentados pelo Ministério da Cultura, aumentaram nos anos seguintes. Alguns objetivam o Procultura como uma espécie de luz no fim do túnel. Dificilmente esse projeto surtirá mudanças, responsáveis por constantes debates entre produtores, gestores, investidores e classe artística, como ocorreram no processo de confecção do novo projeto.

Por maiores que sejam os problemas e as reivindicações enfrentados por essa última, o histórico das leis de fomento à cultura no Brasil demonstra que o mercado sempre foi (e continuará sendo), direta ou indiretamente, o principal fomentador e beneficiário. Elemento suficientemente forte para afirmarmos a existência de uma política para o setor de bens, serviços e produtos culturais nacionais, contudo, descaracterizada do seu caráter público, pois o histórico do fomento cultural no Brasil demonstra que o caminho traçado pelas políticas para o setor realizadas até hoje sempre estiveram envoltas por um processo ainda maior, a saber, econômico e desenvolvimentista.

Com isso, se estamos falando em desenvolvimento econômico nacional, como podemos ignorar o fato das regiões brasileiras, que não são atrativos para os investimentos em cultura oriundos das empresas que desejam investir em cultural, ainda continuarem à margem desse processo? A justificativa, apresentada pelo artigo de Sergio Martins, questiona as criticas acerca do tema, afirmando que as regiões às quais são destinadas cerca de 90% dos investimentos em cultura no Brasil recebem esse investimento devido ao maior fluxo de negócios nelas existentes.

Ora, através de uma leitura histórica, podemos afirmar a inexistência no processo político brasileiro de uma política realmente pública para o setor cultural. O que podemos encontrar são fragmentos de interesses políticos alinhados a interesses econômicos privados, os quais estão sempre se reestruturando, de acordo com novos interesses que surgem com novos governos.


Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista. Desenvolve pesquisas referente aos temas de Política, Cultura e Economia.

1Comentário

  • Arte e Cultura Ltda.-ME, 15 de maio de 2010 @ 10:46 Reply

    Resolvi enviar este informativo de minha autoria, pois estou preocupado com a ansiedade que vejo surgir em mim e em meus colegas elaboradores e proponentes de projetos culturais. Sinto-me na obrigação de, após 23 anos de labuta em gestão cultural, expressar a minha opinião.

    Somente quem nunca buscou patrocínio pode defender contrapartida em projetos culturais. Ora, todos sabem que a negociação para que se consiga patrocínio acontece entre partes econômicas totalmente desiguais. De um lado o agente cultural necessitando de recursos para viabilizar o projeto e do outro o empresário que no caso da Lei Rouanet é poderoso-somente 4% de incentivo fiscal do IR- o que exclui as empresas de porte médio e pequenas. Este tipo de negociação costuma segundo soube, à oferta de notas frias, prática ilegal.

    Vejo também um total desconhecimento da palavra Mecenas ou Mecenato.

    Transcrevo abaixo e-mail que enviei ao Presidente da Funarte e ao Gabinete do Ministro da Cultura;
    Sr. Sérgio Mamberti,
    Saudações.
    Estranhei quando V.S. afirmou que não se faz mecenato com dinheiro público, no caso, incentivo fiscal e, portanto, legal..
    Acredito, entretanto que não foi esta a intenção do uso da palavra mecenato quando de sua utilização para o incentivo fiscal à cultura. Para tanto tomo a liberdade de transcrever o significado de Mecenas, Mecenato e Patrocinar em dois dicionários:
    Caldas Aulete
    Mecenas
    Protetor de artistas e de homens de letras.
    Mecenato
    1 Condição ou título de mecenas
    2 Amparo, proteção ou financiamento dado por mecenas a artistas, escritores, cientistas, etc
    Aurélio
    Mecenas
    S. m. 2 n. Fig.
    1. Patrocinador generoso, protetor das letras, ciências e artes, ou dos artistas e sábios.
    Mecenato
    S. m.
    1. Condição, título ou papel de mecenas
    PATROCINAR
    Aurélio
    V. t. d.
    1. Dar patrocínio a; proteger; beneficiar; favorecer, defender; patronear
    Caldas Aulete
    1 Dar patrocínio financeiro ou apoio
    2 Fig. Fazer surgir ou acontecer; ORIGINAR; PROMOVER
    3 Proteger, defender
    Como V.S. pode ver, nem sempre envolve auxílio financeiro.

    Os patrocinadores quando optam por proteger, beneficiar ou defender determinado projeto estão exercendo a função de Mecenas.

    Atenciosamente,Clorindo Campos Valladares Filho

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