Repetir mil vezes uma mentira para que ela se tornar verdade. Atribuída a Joseph Goebbels, o mentor da propaganda nazista, essa máxima deixou o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em situação delicada diante da difícil negociação da Rodada Doha. Amorim fazia, até pouco tempo atrás, a trinca de resistência do Governo Lula, junto com Gilberto Gil e Marina Silva. Hoje só resta o chefe do Itamaraty, embora os sucessores de Marina e Gil declarem-se fiéis continuadores da obra.

Pegamos emprestado o veneno que afetou o nosso chanceler para apontar o gravíssimo erro deste Ministério, ao manipular e esconder os dados do Pronac, que são públicos e devem continuar disponíveis a toda a população. Consideramos falso e insuficiente o diagnóstico que o Ministério da Cultura fez sobre a Lei Rouanet, valendo-se do monopólio da informação para apresentar a solução que mais lhe convém. O MinC tirou do ar todas as informações sobre o uso da Lei Rouanet, publicados desde os tempos de Weffort. Sua análise não pode ser confrontada por nenhuma instância da sociedade civil. A verdade absoluta de Juca Ferreira não passa de mais uma farsa para ganhar tempo no poder.

O mais absurdo é que este dignóstico tem encontrado abrigo nos meios de comunicação, dos jornalões aos semanários de todos os tipos. A promessa de campanha de Lula era de abrir a caixa-preta do FNC, num documento recentemente lembrado por Antonio Grassi, em matéria de O Globo aqui reproduzida, intitulado “A imaginação a serviço do Brasil”. O que vemos hoje é a caixa-preta mais lacrada do que nunca e um ministro fazendo turnês para propagar suas verdades pelo Brasil afora, numa ação considerada pelo próprio Grassi, que coordenou o documento, como inútil e sem sentido. Propaganda política.

A solução apresentada por Juca Ferreira é realmente convincente. Parece resolver os problemas do financiamento à cultura. Mas é falsa, pois o diagnóstico é incompleto e não parte do diálogo com a sociedade, sobretudo daqueles que utilizarão a nova lei proposta por ele. Saiu da sua cabeça e não encontrará nenhuma adesão no mercado, que vai simplesmente continuar fazendo o que é bom para o mercado, mesmo que isso contrarie as vontades do ministro, ainda que elas sejam razoáveis.

O Ministro parte do princípio que as empresas financiarão o seu projeto só porque ele quer. Acha que deixarão de pensar nos lucros e nas vantagens fiscais para olhar para a diversidade cultural. Mas não temos qualquer indício de que isso irá acontecer. Ele tampouco.

Como sabemos que a intenção por trás disso tudo é ganhar tempo para centralizar as decisões para o seu gabinete, como vem fazendo desde o ano passado, o governo atrai desconfiança do mercado, o que dificulta ainda mais a efetividade do sistema. Sabemos também que o ministro joga para a torcida, pois ainda está em período probatório, num partido que faz oposição a Lula nas principais eleições municipais do país. E precisa de apoio popular para manter seu projeto de poder.

Não devemos aceitar a proposta do Ministério da Cultura, simplesmente porque não é honesta. Não se vale de informações de domínio público. E não é democrática, pois não foi construída em diálogo com quem usa e se vale do mecanismo, pois para ele basta utilizar a Lei Rouanet para ser considerado bandido e usurpador do Erário. Tampouco pelas parcelas da sociedade que precisam da Lei para inserir-se no mercado cultural. Ao contrário, vale-se da insatisfação de todos com o mecanismo para criar uma equação fantasiosa, que só atende aos seus interesses de manutenção no poder.

Vem aí a consulta pública prometida há 3 anos. Com ela aparecerão todas as verdades por trás desse processo. Veremos um novo fiasco, a exemplo da consulta pública da Ancinav, que virou palavra proibida nos corredores da Esplanada? Ou será uma espécie de reedição da Plano Nacional de Cultura, algo para empurrar com a barriga até as eleições de 2010? Ou seremos nós céticos e golpistas ao revelar um cenário  tão sombrio para as políticas de cultura?


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

3Comentários

  • Lorena Campos, 21 de outubro de 2008 @ 22:48 Reply

    Acertaram na mosca. Parabéns pelo editorial.
    Para um ministro medíocre e inexpressivo como Juca só resta uma saída para se manter no cargo: fazer espuma, muita espuma, para esconder suas debilidades. Que vinagre esse ministro. Não está à altura da pasta.
    A última agora foi “a do Ministro que ninguém sabe quem é” ter pedido ao Sirkis em reunião no Capanema que o PV do Rio de Gabeira não escancarasse tanto as estratégias dos verdes, que estarão de mãos dadas com o tucanato para as eleições de 2010. Os verdes de SP, que controlam o partido junto com o pessoal do Rio, já avisaram que o PV vai para a oposição.
    Juca tenta se equilibrar numa corda que estreita e balança cada vez mais. Ele cai na próxima reforma ministerial, que pode ficar para depois das eleições da Câmara e do Senado. Mas tudo indica que será mesmo antes do Natal, pois o presidente também não gostou nada da desfeita com o Paulo Coelho que lhe prestou grande apoio no passado. Imagina se o Ministro da Cultura do Brasil falta a um dos maiores eventos culturais do planeta e deixa de sair na foto ao lado dos dois principais expoentes internacionais da cultura brasileira na área da música (Gil) e literatura (Coelho). Lula não gostou nada disso, embora saiba que Juca guarda mágoas do escritor. Cresce a probabilidade da Ministra ser a Marta Suplicy. O presidente comentou agora em São Paulo com seus assessores que a Cultura seria um bom lugar para colocá-la após a derrota nas urnas. Marta até já demonstrou interesse dizendo que gostaria de trabalhar no Ano da França no Brasil, onde teria afinidades inclusive pessoais. Mas Marcos Vilaça ou algum outro quadro do PT ainda estão sendo cogitados.

  • Leonardo Brant, 22 de outubro de 2008 @ 11:46 Reply

    Quero compartilhar com vocês o e-mail enviado a mim pela Ana Carla Fonseca Reis, ao observar o material dos Monólogos Culturais:

    “Achei super bacana você ter compartilhado este material e queria pelo menos dividir com você alguns pontos que me chamaram a atenção na ppt:

    – Embora o MinC seja useiro e vezeiro em não mencionar as fontes dos dados, tendo a achar que a pesquisa que revela o gasto domiciliar com a cultura é a do IPEA. Dizer que as famílias gastam 4,4% de seus rendimentos com cultura é um pouco inflacionado, já que esse número é superdimensionado pela compra de equipamentos: TV, rádio, aparelho de DVD e, sobretudo, de informática… Embora eu não discorde que os equipamentos sejam indústrias correlatas e devem ser contemplados, soa tendencioso dizer que constituem gastos com cultura.

    – Não lhe parece sintomático que todos os slides que responderiam à pergunta “Qual o cenário atual das políticas culturais no país” versem sobre investimento, dotação orçamentária e leis de incentivo? Isso é meio, não fim. Justificar a aplicação dos recursos dizendo como foram empregados é focar em produção, não em fruição ou consumo; eu gostaria de saber os impactos que geraram. Houve um programa de leitura? Quais seus resultados nas crianças em idade escolar? Em tantas exposições? E o que isso gerou? Tantos filmes foram produzidos? E quem os viu? Após seis anos de gestão a base de dados já deveria permitir acompanhar os resultados, mais do que as aplicações. Essa é minha indagação maior…

    – Não cabe dizer que o Sudeste capta 80% dos recursos de incentivo, apenas pelo fato de as empresas terem sede fiscal no Sudeste. Quanto desse recurso de fato fica no Sudeste e quanto é aplicado em projetos que não se desenvolvem aqui?

    – O fato de a captação ter aumentado não significa muito, dado que a demanda de projetos cresceu mais do que proporcionalmente à captação de recursos. Nenhum gráfico com formato de boca de jacaré mostra uma situação sustentável.

    – Acho ótimo fazer um escalonamento da renúncia (já não era sem tempo), mas onde estão os comos e os quandos? Congresso 2009 é um tequinho vago…”

  • Laercio, 29 de outubro de 2008 @ 16:12 Reply

    A impressão que eu tenho é que eles estão perdidos, percebi isso na minha ida ao Seminário de Direitos Auitorais, 5 profissionais da área da música , incluso o Gil, batendo um papinho a respeito desse tema, não se propôs nada substancial, falo isso porque um ano atrás fui ao mesmo encontro aqui no Rio, e o discurso foi o mesmo.
    Fico impressionado como eles gostam de repetir as mesmas coisas, e com isso o Minc gasta mais uma vez o seu precioso tempo e dinheiro.

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