Eu era funcionário do Banco do Brasil na época em que Fernando Collor de Mello seqüestrou a poupança de todos os brasileiros. Com o pequeno empurrãozinho do Roberto Marinho, faríamos derrotar uma inflação que chegou à casa dos 80% ao mês, no último mês da gestão de José Sarney. A confiança depositada naquela figura de discurso envolvente era inédita, mas o breve sonho tornou-se o maior pesadelo da história política recente. Seus déjà-vus são frequentes.

O desespero e o suicídio de clientes e conhecidos é algo que jamais fugirá da minha memória. Pedi as contas num Programa de Demissão Voluntária e fui tentar a sorte como músico, jornalista, publicitário, videomaker. Qualquer coisa que me tirasse daquela realidade.

Vínhamos de um período de greves comandadas por Gushiken e Berzoini, em SP, e Olívio Dutra no RS, entre outras figuras conhecidas da política nacional de hoje. Os movimentos populares e participativos perderam terreno para um tipo recorrente naquele Brasil recém-democratizado. O caçador de marajás.

Luiza Erundina, e com ela Marilena Chauí, davam-nos esperanças de dias melhores, sobretudo no campo da cultura. As bases de uma política cultural participativa, avançada e democrática vêm dessa época, junto com as primeiras experiências de gestão democrática no Rio Grande do Sul e Minas Gerais – as que acompanhei mais de perto.

Uma coisa que me impressiona é a profundidade da agenda política proposta por Collor de Mello. Ele tinha na cabeça um modelo de desenvolvimento para o Brasil, que vigora até hoje. O neoliberalismo collorido vive hoje dias de glória, depois de longo período de incubação na Era FHC.

Os marajás continuam, sobretudo os caciques do Congresso com suas concessões de TV e rádio; os bancos brasileiros são os mais sólidos do mundo e nossa economia neoliberal está totalmente consolidada, com seus spreads pesados e com a adesão total ao modelo do FMI, que a partir dessa semana terá o Brasil como novo sócio-credor. Quem diria?

Os descamisados e pés-descalços estão finalmente sendo assistidos por um programa que já tirou 10% da população da linha da miséria. Pouco para quem lutou um dia por reforma agrária, distribuição de renda e justiça social, muito para as milhares famílias que adquiriram alguma dignidade.

Sarneys, Renans, Collors, Febrabans e Fiesps, continuam onde sempre estiveram. Um clube que sempre aceita novos sócios, sem preconceito de cor, raça, credo ou origem social. Um verdadeiro sincretismo político-ideológico a serviço da democracia, do pluralismo e da diversidade.

E como fica a cultura nessa agenda de Estado mínimo e predomínio do mercado? Somos apenas Don Quixotes? Nossos moinhos são as fundações e institutos empresariais? Nosso Sancho Pança é a Lei Rouanet, que tenta nos trazer de volta à realidade, enquanto submergimos cada vez mais ao delírio e à falsa sensação de poder? Onde estão nossas Ancinavs e TVs públicas? Perderam-se entre SNCs, PNCs, CNPCs e demais estruturas forjadas a partir de rompantes ilusórios?

Collor também teve seu IpoJuca, o Pontes, encarregado de dizimar sumariamente todos os departamentos e instituições culturais do país em nome dos descamisados, em busca de marajás. Por que um Lula em fim de governo não teria o seu Juca, não menos hipo que o outro, contudo de La Mancha, com sua lança e sua coragem, capazes de alterar definitivamente os rumos da cultura brasileira?


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

1Comentário

  • Adriano Alves Pinto, 14 de abril de 2009 @ 15:51 Reply

    Caro Brant,

    A comparação do governo Collor com o de Lula é uma forçada de barra, hein?

    Quer dizer que a política neoliberal de Collor ficou “incubada” nos anos FHC, para “florir” nos dias de hoje? Tenha dó!
    Não são os próprios tucanos que dizem que o governo Lula é uma continuação de FHC?
    Quem “aderiu” cegamente ao FMI foi FHC que seguiu a receita do fundo de cortar gastos públicos, incluindo aí os gastos das estatais, forçando à privatização. Que foi feita no “limite da responsabilidade”, como o próprio Mendonça de Barros confessou. Os limites da ética, porém, foram há muito atropelados.
    Lembro também que nosso conterrâneo Pimenta da Veiga Ministro das Comunicações de FHC, distribuiu um sem número de concessões de Rádio e TV bem ao estilo ACM.

    Portanto, já que os argumentos para politizar o debate da Lei Rouanet são fracos, vamos nos ater às soluções técnicas que, ao meu ver, se encontram nas seguintes premissas:

    1- A verba do MinC está muito concentrada;
    2- As empresas têm critérios pouco transparentes para o apoio a projetos;
    3- O acesso a bens culturais é restrito aos grandes centros;
    4- A Lei Rouanet falhou em criar uma cultura de mecenato no país.

    Ah, e parabéns por este espaço. São raros os lugares onde opiniões tão distintas coexistam. O debate cultural sai na frente neste quesito.

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