Foto: Stelosa
Em entrevista publicada pelo jornal O Globo, o ex-ministro e criador da Lei do Audiovisual, Luiz Roberto N. Silva, diz que reforma proposta pelo MinC é redundante. “Dependente do investimento das empresas estatais, a cultura brasileira está estatizada há muito tempo”, declarou ele.

Ministro da Cultura no governo Itamar Franco, secretário de Cultura de Minas Gerais — onde desenvolveu o Fundo Estadual de Cultura de Minas — e criador da Lei do Audiovisual, que rege atualmente o cinema nacional, Luiz Roberto N. Silva, afirmou ainda que “a Lei Rouanet de forma geral, vêm sendo desconstruídos pelo MinC desde 2003”. Questionado sobre a questão do dirigismo estatal, o tributarista opina “é inócuo, porque o setor já está estatizado”.

Veja abaixo a matéria na íntegra:

´O setor (cultural) já está estatizado´
Alessandra Duarte

O Globo: O que o senhor pensa sobre a proposta de reforma da Rouanet?

Luiz Roberto Nascimento Silva: Esse projeto é uma redundância. É quase desnecessário, porque o setor cultural brasileiro já está estatizado há muito tempo. O incentivo cultural por meio da renúncia fiscal, e a Lei Rouanet de forma geral, vêm sendo desconstruídos pelo MinC desde 2003. Essa etapa de agora, de reforma da lei, é a crônica de uma morte anunciada. Talvez tenha até demorado demais para chegar.

A cultura já estaria estatizada por causa da presença das empresas estatais, como Petrobras e Eletrobras?

Nascimento Silva: Em boa parte, sim. Basta consultar as estatísticas do próprio ministério que se vê que os investimentos e patrocínios em cultura, por meio da renúncia, têm sido feitos quase que apenas pelas estatais, pelos governos.

Discutir se essa reforma trará ou não dirigismo de Estado é inócuo, porque, na prática, já está estatizado, é um fato. A cultura vive muito pelos editais das estatais. Nos últimos anos, o movimento econômico mais importante no setor tem sido esse.

Mas, além dessa maior participação das estatais, teria havido, por outro lado, um recuo da participação das empresas privadas?

Nascimento Silva: Sim. Ao lado desse investimento maior pelas estatais, o MinC está avisando há uns seis anos que vai mudar as regras, e o setor privado não investe sem segurança de regras. Na minha gestão no ministério, e mesmo na época do Francisco Weffort, que me sucedeu, a participação do setor privado era mais expressiva; hoje, não é mais. Não é só na Rouanet: também pela Lei do Audiovisual é assim hoje. O governo Lula separou políticas sociais como o Bolsa-Família para atuar melhor nelas, mas nas outras áreas, como construção civil, agronegócio, ele deixou o setor privado trabalhar mais livremente. Na cultura, o governo está atuando como nas políticas sociais.

O senhor participou da criação do Fundo Estadual de Cultura de Minas. Como avalia essa ênfase que o MinC quer dar ao Fundo Nacional de Cultura?

Nascimento Silva: Criei o Fundo Estadual de Minas para ter recursos orçamentários investindo em cultura. Se deixasse só com a área privada, seria injusto. Era perverso como estava, com vários projetos menores, ou vindos de comunidades muito simples, sem tanto apelo comercial; o fundo estadual ficou para eles, com investimento a fundo perdido mesmo. Mas continuamos usando a renúncia fiscal da Lei do ICMS também. Hoje, o fundo funciona bem; um terço dos recursos do investimento em cultura em Minas é feito por ele, os outros dois terços são pelo ICMS. Aliás, quando eu era secretário estadual em Minas, em 2003, o governo federal quis acabar com as leis estaduais de incentivo fiscal à cultura; eu e a Helena Severo (então secretária estadual de Cultura do Rio) fomos a Brasília para combater isso.

Ainda bem que eles não acabaram com a renúncia estadual.

Mesmo com toda a injustiça que ocorre no setor privado, há alguma meritocracia no processo. O melhor modelo é o que não privilegia nem um lado nem outro, é o que consegue equilibrar renúncia e aplicação orçamentária. Não podemos ter a ingenuidade de acreditar que só um lado vai decidir melhor. Sem falar que, numa situação de restrição, como numa crise, os fundos orçamentários podem ser contingenciados (congelados) pelo governo; no caso desses fundos setoriais (propostos pelo MinC), eles poderiam ser contingenciados ou não? É algo para se discutir.

Como anda a Lei do Teatro (nos moldes da Lei do Audiovisual, só que para investimento nas artes cênicas), concebida também pelo senhor, no ano passado?

Nascimento Silva: Tivemos duas audiências públicas no Congresso, e o projeto já passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Só que agora, com essas mudanças na Rouanet, é claro que essa proposta vai entrar num outro ritmo, mais lento.


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Jornalista e sócia da empresa CT Comunicações.

1Comentário

  • Karla Guerra, 4 de maio de 2009 @ 11:30 Reply

    Prezados Editores,

    Acompanho as publicações e atividades da Cultura e Mercado e do Instituto Pensarte, desde o início. Atualmente assino o RSS do BLOG, pois como pesquiso o tema políticas culturais, utilizo essa ferramenta para acompanhar e organizar as informações disponibilizadas por vários sites e blogs do setor cultural. Parte da minha leitura diária e que me mantém informada como profissional.

    No dia 24 de abril de 2008, deparei-me com a matéria “O Setor (Cultural) já está Estatizado” publicada aqui no Cultura e Mercado, , reproduzida do jornal “O Globo, citado como fonte, contendo uma entrevista com o ex-ministro e também ex-Secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais, Sr. José Roberto N. e Silva. Tanto na apresentação da matéria, quanto ao longo da entrevista, é afirmado que o Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais foi criado pelo entrevistado.

    Fiz parte da equipe da gestão da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, no período entre 2005 e 2007, e acompanhei todo o processo de articulação, discussão e construção do FEC – Fundo Estadual de Cultura/Minas Gerais, sobre o qual, foram publicados vários posts no Blog Cultura e Mercado. A discussão comandada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em audiências públicas coordenadas pela Comissão de Educação e Cultura da ALMG, foi amplamente divulgada na imprensa. Esses momentos, nas quais Deputados Estaduais, a classe cultural e a SEC/MG tiveram oportunidade de debater o Projeto de Lei 2.880/05, também foram tema dessa cobertura, como podemos ler no link: sss://culturaemercado.com.br/post/minas-gerais-debate-regionalizacao-de-recursos-e-fundo-estadual/

    A Lei no 15.975 que cria o Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais, foi sancionada em 12 de janeiro de 2006. O decreto (de nº44.341)que a regulamenta, foi publicado no dia 28 de junho de 2006, conforme se pode consultar no site da própria SEC/MG no link: sss://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=9&cat=60&con=1242

    Como imagino que a intenção desse Blog (ou dessa publicação) é contribuir para o debate e disponibilizar informações sobre o setor cultural, senti-me obrigada a enviar esse comentário, elucidando prováveis incorreções acerca da criação do FEC – Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais. Certamente por reconhecer (e ser espectadora) do enorme esforço e articulação necessários a um empreendimento desse porte, que como muitos de nós, militantes da área cultural há vários anos, tendo experiência na área pública ou não, sabemos que não deve ser desprezado. É uma grande conquista. É um esforço que exige uma mudança de entendimento e até mesmo uma mudança de paradigma: de situar a cultura não como setor menor, acessório, mas como área estratégica, quando tratamos de desenvolvimento humano e econômico, e dotá-la de orçamento próprio, de ações de fomento e das condições para que ações e programas sejam, de fato, implementados e desenvolvidos. Assim, não é nenhum exagero dizer que a criação de um Fundo Estadual de Cultura é uma conquista histórica para o estado. E já nasceu com recursos da ordem de 10 milhões. Se situarmos esse fato no contexto da distribuição/aplicação de recursos públicos na área cultural, cujas diferenças regionais são alarmantes e estão no centro da atual discussão sobre as mudanças propostas na Lei Rouanet, a criação do FEC/MG ganha ainda maior vulto.

    Nesse sentido, acho primordial darmos os devidos créditos ao trabalho e ao esforço empreendidos na criação do FEC – Fundo Estadual de Cultura em Minas Gerais. E esses créditos se estendem tanto aos meus companheiros de trabalho, incluindo-se aí a própria ex-Secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais, Eleonora Santa Rosa, que comandou com maestria esse processo; quanto à Comissão de Educação e Cultura da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, que sempre esteve presente em momentos cruciais desse longo caminho – e no muito que ainda temos a trilhar: como o Fórum Técnico da Cultura, promovido pela Assembléia (2004) e a I Conferência Estadual de Cultura de Minas Gerais (2005) – em parceria com a SEC/MG.

    Cordialmente,
    Karla Guerra

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