Foi com essa frase que Lange iniciou sua palestra. Para o diretor do Museu de jogos de Computador (Alemanha) acervos de videogames são certamente os mais complexos de preservar, pois envolvem ao mesmo tempo, áudio, vídeo, imagens e texto.
3° dia – Preservação (patrimônio cultural) e Direitos de Autor e Diversidade Cultural
Mesa 3 – Preservação (patrimônio cultural) com Andreas Lange (Computer Game Museum/ Alemanha), Anne Vroegop (DISH/ Holanda) e Frans Hoving (The Netherlands Institute for Heritage/ Holanda).
Há de se preservar também a interação e velocidade original; para isso muitas vezes usam o recurso de emuladores para recriação de sistemas obsoletos de software, por exemplo, o Commodore C64; levando em conta que hoje existem mais de 250 plataformas de computadores obsoletas. Para Lange, a Alemanha acredita que os jogos de computador carregam imagens sociais e contém nossos aspectos culturais, por isso têm interesse em manter um Museu como esse que em 1997 realizou sua primeira exibição e hoje já conta com mais de 16.000 títulos. Além dos jogos preservam também vídeos, manuscritos e entrevistas. Em dezembro desse ano será inaugurada uma exibição permanente em Berlim. s://www.computerspielemuseum.de/
Anne Vroegop coordenadora do projeto DISH – Digital Strategies for Heritage (estratégias digitais para o patrimônio), continuou a mesa afirmando que “Digitalizar o acervo é vital para as instituições de preservação de patrimônio. Se você não faz isso com suas coleções, você não existe na sociedade do século XXI”. A DISH engloba projetos de digitalização como a Europeana (Biblioteca online com mais de 6 milhões de itens de museus, arquivos e bibliotecas européias) s://europeana.eu/portal/. Porém para Vroegop, resta uma pergunta: Será que a Europeana realmente funciona na Europa? O Projeto já existe há cinco anos e apesar de ser um enorme portal com parceiros trabalhando juntos ainda enfrenta muita burocracia para resolução de problemas técnicos e financeiros, assim como a disparidade de apoio financeiro de país para país. Respondendo a uma pergunta da platéia, se era necessário também se preservar as páginas da internet, Frans Hoving disse que existem projetos assim como o Internet Archive.org e que a Biblioteca Nacional da Holanda guarda os sites governamentais. O problema sempre é o espaço que isso ocupa. Isso não quer dizer que temos que preservar tudo, sempre, pois informação que não é importante será perdida rapidamente. Lange complementou que a própria sociedade é capaz de preservar sua memória. Para ele se não fossem os apaixonados por jogos de computador metade do Museu de jogos não existiria. s://www.dish2009.nl/
Mesa 4 – Direitos de Autor e Diversidade Cultural com Jeremy Malcolm (Consumers International/ Austrália), Marcos Wachowicz (UFSC/ Brasil) e Marcos Souza (GDA- Ministério da Cultura/ Brasil).
Para Wachowicz, o conceito “sociedade informacional” citada pelo teórico espanhol Manuel Castells, nos leva a repensar uma estrutura social em rede onde a informação é comunicação do conhecimento e a transmissão da informação se converte nas fontes fundamentais da produtividade e do poder. “O que está em causa é a acessibilidade e a distribuição, tanto quanto a produção. Por mais que as obras estejam em domínio público, o brasileiro não tem acesso, ou porque está fechada na biblioteca ou porque está esgotada ou porque as editoras não têm interesse na publicação ou por mil outros motivos”. Afirma, ressaltando a importância de um projeto como a Brasiliana Digital. No entanto, “A lei brasileira de direitos autorais está inadequada à sociedade informacional, e deve ser revista principalmente sob a ótica do Direito Cultural.” O professor ainda nos lembrou das palavras do idealizador do projeto Brasiliana István Jancsó que dizia que “o século XXI é atemporal, pois podemos ter acesso a obras de qualquer século”.
Marcos Souza foi bem direto em sua fala: “Se uma biblioteca guardar o único exemplar de algum livro raro e como medida de proteção e preservação tirar uma cópia dessa obra ela estará infringindo a lei n° 9610/98, que rege sobre direitos autorias no Brasil. Também são infratores todos aqueles que guardam e transformam em arquivos de MP3 músicas de um CD comprado legalmente, mesmo para consumo próprio”. Marcos Souza encabeça a comissão que pede a reforma da lei de direitos autorais. Segundo ele “a legislação brasileira é uma das mais restritivas do mundo e há muitos desequilíbrios entre a proteção ao direito do autor e a garantia constitucional do acesso do cidadão à cultura” [1]. Nesse sentido a tarefa será muito difícil, praticamente uma guerra. Segundo ele, porém, é preciso entender que a reforma não é revolução, é evolução. Que não se trata de uma estatização do direito autoral, tudo será ponderado, mas alguns pontos precisam ser revistos, principalmente em relação às novas tecnologias. Ressaltou também que vários outros projetos estão caminhando com esse, pois estão interligados, como o Marco Civil da Internet e o Plano Nacional de Banda Larga.
A mesa se finalizou com Jeremy Malcolm que nos mostrou uma pesquisa feita pela Consumers International em 34 países em 2010, que pesquisou leis de direitos autorais e as práticas de execução para determinar como essas são amigáveis para os consumidores. Levaram em conta 60 critérios como: duração dos direitos autorias, liberdade de acesso, uso compartilhado, administração e interesse dos consumidores, modelos de negócios inovadores – como o uso de Creative Commons, sustentabilidade do artista, fair use, direito de cópias. O resultado foi o seguinte: Os melhores (em ordem): Índia, Líbano, Israel, EUA, Indonésia, África do Sul, Bangladesh, Marrocos, Suécia e Paquistão. Os piores (em ordem): Chile (antes da reforma, pois recentemente o Chile passou por uma reforma de direitos autorais que o tirou dessa posição), Jordânia, Reino Unido, Quênia, Tailândia, Argentina, Brasil, Zâmbia, Egito e Japão. Para Malcolm “Embora exista um movimento ativo e bem documentado em torno do acesso à cultura e ao conhecimento na América Latina, e particularmente no Brasil, isso não é refletido nas atuais leis de direitos autorais em vigor nesses países. Rever essas leis insuficientes e desequilibradas deve ser uma prioridade”. E nesse sentido, o resultado de uma lei tão restritiva, como a brasileira de 1998, é a pirataria. s://www.consumersinternational.org/
4°dia – Sustentabilidade para Ações de Digitalização e Políticas Públicas – Por um Plano Nacional e Encerramento.
Mesa 5 – Sustentabilidade para Ações de Digitalização com Paul Keller (Creative Commons/ Holanda), Ivo Corrêa (Google/ Brasil), Eliane Costa (Petrobrás/ Brasil) e Sérgio Burgi (Instituto Moreira Salles/ Brasil).
Embora a mesa abarcasse a exposição de grandes projetos como o Images for the Future (projeto de digitalização audiovisual/Holanda), o Instituto Moreira Salles e diversos projetos patrocinados pela Petrobrás, focarei aqui na fala de Ivo Corrêa, que foi a mais debatida, quando apresentou o projeto que gera controvérsias: o Google Books.
Ivo focou sua fala em dois trabalhos de digitalização feitos pelo Google: Google Books e YouTube. O objetivo do Google é bem ambicioso: organizar toda a informação que circula para tornar útil e acessível. Ivo destacou que o importante não é só a digitalização, mas principalmente a indexação (que é feita por palavra-chave ou expressão), pois se não for possível fazer busca de uma maneira simples, isso torna a digitalização limitada. Dessa maneira, o Google Books pode ser acessado de duas formas: domínio público (usuário consegue acessar obra na íntegra) e protegido por copyright ou obras órfãs (80% dos casos – usuário só encontra disponibilizado uma parte). Para Ivo o projeto é tão controverso porque há um descompasso entre regime jurídico e a vida econômica das obras. Se pensarmos a seguinte equação: um milhão de livros são publicados por ano, mas a vida econômica dos mesmos não passa de um ano e três meses e o direito autoral daquela obra garante 70 anos após a morte do autor antes de cair em domínio público. Qual a circulação real que esse livro vai ter? E aí que o Google Books entra.
Perguntado sobre a recusa da Biblioteca Nacional Brasileira em realizar uma parceria com o Google Books, Ivo respondeu que a grande questão para a Biblioteca era colocar em risco seu acervo. Ivo ressaltou porém, que o Google já fez parcerias com importantes bibliotecas ao redor do mundo, como em Oxford e que há sempre uma equipe para fazer isso com todo o cuidado necessário. Outros comentários na platéia criticaram a questão comercial, que se trata de uma corporação e, portanto de um modelo não compartilhado de metodologias; não sabemos como está sendo construído e quais são os critérios de busca ou de ranking das páginas por exemplo.
Ivo continuou expondo sobre o YouTube, que é o 2° maior buscador (perde para o próprio Google) e que a cada 1 minuto são postadas 30 horas de vídeo. Ressaltou que tiveram muitos problemas jurídicos e retiram do ar vídeos que não tem autorização. Porém começaram a negociar com os detentores dos direitos, como é o caso de produtoras de vídeo, como Sony e Universal, que agora têm seus próprios canais dentro do YouTube. A solução proposta pelo Google foi: identificação de conteúdo ilegal pelo próprio autor, uma varredura, quem está usando meus vídeos? E três soluções: 1ª: O Google retira do ar conteúdo ilegal; 2ª: Mantém vídeos e cada acesso contabiliza para a página da produtora e não para quem disponibilizou; 3ª: mantém vídeos e Google recompensa monetizando a página, ou seja, associa publicidade a esses vídeos e a receita vai para produtora e para Google; 90% dos casos escolheram essa opção. A última pergunta da platéia foi em relação ao armazenamento desses vídeos. O Google vai armazenar esses vídeos? E por quanto tempo? Ivo respondeu que a capacidade de armazenamento é muito grande, mas não sabe responder quanto tempo e qual será a evolução desse formato. s://books.google.com.br/
Mesa 6 – Políticas Públicas – Por um Plano Nacional com Nelson Pretto (UFBA e Conselho Estadual de Cultura da Bahia/ Brasil), José Castilho (Secretário Executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura/ Brasil), Carlos Ditadi (Arquivo Nacional/ Brasil) e José Murilo Jr. (Gerência de Cultura Digital do MinC/ Brasil).
A última mesa do simpósio serviu para afirmar algumas idéias que despontaram ao longo dos quatros dias de simpósio. A primeira delas e que permeou as quatro falas da mesa foi: “O mercado sozinho não resolve questões, é preciso resgatar o poder publico”. Para Nelson Pretto: “O poder público deve regular a relação entre os detentores de direitos autorais e o acesso à cultura, orientar as ações de digitalização quanto ao uso de formatos e padrões, pensar em parcerias com a iniciativa privada”. Para o professor isso sempre envolve um medo, principalmente pela forma como se constituem os governos e como as políticas são sempre centradas em interesses. Mas isso não quer dizer que algumas exceções não deram certo, como por exemplo, o Plano Nacional do Livro e Leitura, coordenado pela MEC e MinC e muito menos significa, como escutamos em uma das frases recorrentes de quem se opõe à reforma é que “vai acontecer uma estatização da cultura”.
“A cobrança por parte dos cidadãos para que o governo resolva problemas complexos é uma atitude cívica necessária e já um tanto esquecida”, diz. Para ele, cabe ao governo fazer a liga entre formas de financiamento e sustentabilidade de ações culturais: “Não tem cabimento obras culturais serem produzidas com o dinheiro público e não estarem acessíveis para a população brasileira. E, sustentabilidade não deve ser entendida como ‘financio para começar e depois se vire, ou seja, morra”.
José Castilho complementou a fala frisando a importância do Plano Nacional do Livro e Leitura, que já completa três anos e que se foi possível devido a uma co-gestão entre estado e sociedade, envolvendo autores, editores, bibliotecas, professores e que hoje conta com mais de 1000 ações cadastradas, além de incluir os cidadãos inclusive no processo de construção da política pública. Pretto terminou sua exposição dizendo que o MinC não pode afrouxar agora, tem que conseguir aprovar a mudança da lei de direito autoral e para isso é preciso que os outros ministérios se envolvam também, como o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência e Tecnologia. É imprescindível.
José Murilo ressaltou que toda essa pressão em relação à reforma da lei de direito autoral é porque é incabível pensar este Simpósio e pensar Políticas Públicas para Acervos digitais sem isso. Porém relembrou outras ações necessárias em relação às políticas para Acervos digitais como: Isenção fiscal de equipamentos e produção de equipamentos nacionais, investimento na produção de software livres, investimento na produção de tecnologia como o e- book nacional, construção de parques de digitalização ou partes móveis de digitalização, formação de equipes que possam migrar de instituição para instituição, ou seja, pensar também uma política industrial para a digitalização.
Encerramento
O encerramento do Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais contou com a participação do Ministro da Cultura Juca Ferreira. O ministro, após ouvir a leitura de uma carta assinada por diversas organizações da sociedade civil pedindo urgência na apresentação do texto de revisão da lei de direitos autorais; (Leia a carta na integra em: s://culturadigital.br/simposioacervosdigitais/2010/04/30/carta-enderecada-ao-ministro/) respondeu: “Não se inquietem. O ministério não recuará. Não há vacilo. A essa altura do campeonato não dá para amarelar.” Juca Ferreira prometeu abertura da consulta pública para o próximo mês e nesse sentido foi muito enfático: “O prazo de término da consulta pública precisa ultrapassar o dia da eleição, pra evitar a contaminação dos conflitos, porque gera oportunismo. Perder um mês é importantíssimo para desassociar a nova lei do processo eleitoral”. Para o Ministro: “A idéia de uma reforma é absolutamente simpática à maioria dos artistas, intelectuais e criadores. Claro que alguns empresários da área cultural não vão se convencer e infelizmente a mistificação é a grande estratégia de evitar as transformações no Brasil. Não há mistificação. A nova lei harmoniza os três direitos básicos: direito autoral, direito patrimonial e direito de acesso”. Ressaltou também que já são oito anos trabalhando nessa reforma. Chegou a hora. “A lei caduca permite pensarmos de forma otimista que vamos ganhar essa batalha, além do mais, nós mobilizamos o governo para dizer que essa é uma situação incontornável. Se queremos de fato enfrentar os desafios do século XXI e queremos desenvolver uma economia da cultura forte; que é um potencial muito grande do Brasil; temos que enfrentar a questão do direito autoral”.
Portanto, nas palavras do coordenador do Simpósio Roberto Taddei: “O término desse Simpósio marca um processo se iniciando, onde podemos destacar como palavra chave desses quatro dias: generosidade”. Taddei se refere à generosidade ao pensarmos a possibilidade de juntar parceiros nesses dias (250 pessoas presentes e 10.000 pessoas acompanhando pela rede); de ativar uma conversa entre instituições nacionais e internacionais que estão pensando a questão de acervos digitais, com seus acertos e seus erros; e principalmente a possibilidade de compartilhar recursos, inteligência e informação. Pois informação só gera conhecimento quando ela é difundida, colocada em circulação. E hoje a economia da informação em rede muda a produção de bens. Como estamos lidando com esses bens? Como vamos lidar com esses bens daqui pra frente? Diversos países estão passando por uma reformulação nas leis de direitos autorais, pois ou “Somos todos piratas?” ou de que lado o País que estar nesse novo ambiente?
[1] Alguns depoimentos foram retirados de entrevistas no site do Simpósio: s://culturadigital.br/simposioacervosdigitais/category/entrevistas/
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