Termina hoje o prazo de consulta pública ao anteprojeto que modifica a Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98). O Ministério da Cultura contabiliza mais de seis mil contribuições encaminhadas pela internet, provenientes de artistas, produtores, juristas, organizações, e usuários em geral. A partir de agora, o texto do anteprojeto será redigido levando em consideração as contribuições e posteriormente enviado ao Congresso Nacional.
Segundo o especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, José Vaz de Souza Filho, os debates em todo o Brasil chegaram num momento oportuno. Desde 2007, a LDA vem sendo tema de discussões com a sociedade brasileira. A partir de então, ampliou-se o surgimento de novas ideias, novos questionamentos, e essa riqueza de opiniões e de conhecimento foram ao encontro da necessidade urgente de revisão da Lei.
“É o caso, por exemplo, da proposta relativa à cessão de direitos nos contratos de edição, firmados entre as editoras musicais e os compositores”, ressalta José Vaz, que é o coordenador-geral de Gestão Coletiva e de Mediação em Direitos Autorais, da Diretoria de Direitos Intelectuais do MinC.
O contrato de edição é utilizado no trabalho de exploração comercial das obras. É um contrato de exclusividade para publicar e explorar a criação intelectual, dentro de um prazo e condições estipuladas com o autor.
“Na teoria, o autor preserva a titularidade do direito sobre a sua produção, mas, na prática, o que existe é um contrato de edição com cláusulas que estabelecem a cessão dos direitos, que se caracteriza pela transferência da titularidade da obra para um terceiro, em geral de forma total e definitiva”, explica o gestor do Ministério da Cultura. E aí começam os problemas.
Os contratos de edição são um dos maiores motivos das reclamações dos compositores brasileiros. Mas, segundo Vaz, é preciso deixar claro que não existe uma generalização. Há empresas que executam o seu trabalho de forma correta, divulgando muito bem as músicas dos compositores que a ela estão vinculados.
De acordo com o gestor do MinC, “os contratos de edição se tornam um grande problema porque, uma vez assinados, dificilmente é possível revisá-los”. A proposta do MinC de modernização da Lei busca a mudança dessa relação a partir de contratos mais justos, mais equilibrados e satisfatórios para qualquer uma das partes envolvidas. “A finalidade é dar mais poder aos autores, para negociar contratos e melhor controlar o aproveitamento econômico de suas criações”, sintetiza Vaz.
Com a modernização proposta pelo MinC, os autores passarão a ter um maior controle sobre as suas obras. Não será proibida a cessão, em respeito ao princípio contratual da livre vontade das partes, mas os contratos de cessão e de edição deverão ser separados e haverá a possibilidade de revisão ou de finalização dos acordos prejudiciais ou sem equilíbrio.
Os compositores Zé Ramalho, Dudu Falcão, Vitor Martins, Milton Nascimento, Djavan, Chico Buarque, Tom Jobim, Gilberto Gil e muitos ouros tiveram histórias problemáticas com contratos de edição.
Roberto Carlos e Erasmo Carlos conseguiram, em março de 2009, romper o contrato com a gravadora EMI, numa batalha que teve início em 2004. Os artistas também ganharam direitos autorais totais sobre as suas composições gravadas pela EMI, que havia recolhido do mercado, naquele ano, o CD/DVD Pra Sempre ao Vivo no Pacaembu, por conter músicas sobre as quais alegou ter direitos. Esse entendimento levou à proibição da comercialização do trabalho lançado pela Sony/BMG, gravadora que tem contrato com Roberto Carlos. A briga judicial durou cinco anos.
“Todos os grandes compositores brasileiros que tiveram a oportunidade de contratar bons advogados tentaram retomar seu catálogo de obras, e a maioria teve sucesso”, afirma o advogado especialista em Direitos Autorais, Daniel Campello Queiroz. Segundo ele, os compositores não queriam ter cedido os seus direitos, e sim apenas licenciado para a exploração econômica.
A revisão da LDA, também pelo fato de permitir inserções de mecanismos que permitam aos autores a revisão dos contratos – em casos, por exemplo, de onerosidade excessiva -, traz, segundo Daniel Campello, “ferramentas importantes para o reequilíbrio da relação entre autores e editoras musicais, mas demandará uma judicialização grande dessa relação.”
O advogado é favorável à licença de direitos, ao invés da cessão. Para ele, se o autor for ceder, tem que saber que é definitivo e total, e por isso é melhor que cobre um bom dinheiro do editor, porque ele estará entregando sua obra por todo o prazo de proteção legal.
O Nedac, grupo do qual Campello faz parte, vai propor ao MinC que insira no anteprojeto que a cessão passe a ser total e definitiva, como acontece nos demais ramos da Propriedade Intelectual. Assim, os compositores irão saber “que quando cederem seus direitos, farão algo muito gravoso, e só reversível em casos especiais definidos na Lei”, reforça o advogado.
Daniel Campello pensa que a revisão da Lei 9.610/98 poderia ter sido feita antes, mas, por outro lado, considera esse momento bem oportuno. Ele lembra que no mundo todo vêm ocorrendo reformas nas legislações autorais, simultaneamente ao Brasil, fato que potencializa a força necessária para a mudança.
Leia aqui a entrevista com Daniel Campello na íntegra.
*Com informações da Assessoria de Imprensa do Ministério da Cultura.