Debate realizado na II Semana de Arte Educação da Escola de Comunicações e Artes da USP discute a conjutura do debate da questão étnica na Educação e o ensino de matrizes africanas da cultura

Ainda nos primeiros dias de outubro deste ano, em 10/10, durante a II Semana de arte educação da ECA USP, coberta pelo Cultura e Mercado (s://www.semanadearteeducacao .blogspot.com), deu-se o debate “A influência afro-brasileira na arte-educação do Brasil”, destinado a discutir “As presenças e ausências da cultura afro-brasileira na construção do ensino da arte”. A discussão se deu com a apresentação de três convidadas, as professoras Dilma de Melo Silva, da ECA USP e presidente da Sociedade Científica de Estudos da Arte, Lisy Salum, do MAE USP, e Renata Felinto, arte-educadora do Museu Afro Brasil, também de São Paulo.

Iniciando o seminário, Dilma chamou atenção para o longo período de ausência de cadeiras, na Universidade de São Paulo que discutissem o papel africano na formação de nossa Cultura e de nossa arte, mas que resultaram em algumas matérias e em um grupo de pesquisas sobre o tema, que conta com a participação dela, responsável ainda por duas disciplinas que discutem a temática, contextualizada junto às outras Culturas que formaram a Cultura brasileira. O resultado se deu com a pressão dos alunos, via Pró-reitoria de graduação, e significa um dos primeiros passos para a efetivação, na Universidade, da Lei 10639/03, que prevê a introdução à História e Cultura Afro-Brasileira no ensino básico.

Silva criticou ainda a forma como a 10639/03 se constituiu – através de uma alteração à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu artigo 26 A – mas a colocou como positiva, por permitir uma abordagem mínima do tema, de forma transversal, e não somente através da questão do tráfico negreiro, da guerra e da fome, nas aulas de Geografia e História. Uma das propostas dessa abordagem, na Universidade, vêm a partir da questão da(s) linguagem(ns), a partir de uma proposta da própria ECA/CCA. Nesse contexto, a intelectual considera fundamental a participação da matriz africana na Cultura Brasileira não ser entendida como simples participação, mas como contribuição central, formadora mesmo.

Em sua explanação, considera ainda importante a atuação hoje do MEC, que após quatro anos da Lei começa a se debruçar sobre o vácuo deixado para sua regulamentação, e para a necessidade de considerar neste ensejo outras etnias ainda.

A professora Salum, responsável por uma disciplina sobre o tema no MAE USP, chamou atenção em sua participação para a questão da invisibilidade da arte africana em contraste com sua importância na história da Arte como um todo, e deu diversos exemplos de como se deu sua exploração, ligada sempre à etnografia e desconsiderando preceitos religiosos e existenciais, centrais para sua compreensão, assim como ignorando sua riqueza técnica, em alguns casos claramente superior à Arte européia ou asiática.

Neste contexto, chamou atenção ainda para a necessidade de mudar os modelos de passagem e compreensão do conhecimento, europeus, para permitir padrões outros, considerando no ensino nossa forte precedência ontológica negra e indígena, que nos levam a entender e intuir diversas instituições e modos de ser africanos, em relação aos quais os europeus têm preconceitos. A Lei têm importante papel neste sentido. Colocou ainda que há, hoje, poucas coleções de arte africana no país, em especial a coleção do museu Goethe (Belém, PA) e do Museu Federal (Rio de Janeiro, RJ), com valor documental e íntegras. Comentou ainda, em relação ao processo civilizatório/exploratório imposto ao continente pela Europa, que “O fato colonial foi extorsivo e provocou uma série de mudanças na África, e a adulteração de um conjunto original que se pretendia desenvolver”.

Abordando o tema sob a ótica da arte-educação, Felinto apropriou-se do espaço, dando uma aula muito positiva sobre a questão da Educação a partir da Arte e Cultura africanas, tomando como base o próprio Museu Afro Brasil. Concentrou sua apresentação a partir da questão das ausências e presenças artísticas negras no espaço educacional brasileiro hoje. Citou a necessidade de incluirmos diversos artistas nestas discussões, citando-os e debatendo-os resumidamente (o que não faremos neste espaço, por não ser o melhor meio para tal). Discutiu, porém e principalmente, a questão do ser uma arte afro-brasileira ou não. A terminologia, hoje, aborda questões muito díspares, e por isso se mostra por demais abrangente, compreendendo artistas muito diferentes entre si, ao que afirmou ser “um termo que temos de pensar sobre, e envolve também a questão das ações afirmativas e da discussão de uma metodologia do ensino das questões africanas”.

A partir desta discussão, Felinto colocou como primordial entender: O que é a arte afro-brasileira; O que ensinaremos aos nossos alunos como produção afro-brasileira; Como conceituar esta arte, e classificar estes artistas – se a partir do critério da descendência, ou considerando também a questão temática/cultura de sua produção. A partir disso, colocou a educadora, podemos pensar a questão da Educação e a apresentação, neste espaço, da história e da arte africana e afro-brasileira. Salum comentou ainda, quanto a este ponto, que o que interessa não é a cor da pele, mas a cultura, o modo dever e entender o mundo, questão controvertida porque você simplesmente separa-a do restante. Neste sentido, citou ainda o trabalho de Manoel Carneiro da Cunha, como o melhor já feito sobre o tema, o qual se centra na conceituação da arteafro-brasileira, na questão religiosa. A questão principal, concluiu Salum, é a multidimensão da arte, relacionada à multiplicidade de cores e fatores, e do uso de cores determinadas e principalmente do modo de ser e estar da África, ao que disse ser “uma coisa de saber o que está dentro da gente”.

Ampliando o debate, com a participação da platéia, comentou-se ainda que a falta de material didático para professores de arte é real e factual, e Silva colocou que sua produção cabe aos professores e doutores da Universidade. Salum reforçou a questão, dizendo ser indispensável a produção de materiais e o entendimento das dificuldades dos educadores na rede, papel já iniciado na internet, em sites como o do MAE.

Praticamente encerrando o debate, Silva colocou a questão levantada pelo artista Rojé Nastide. O mesmo declarou, categoricamente, que africanus sum. Apesar disso, era loiro de olhos azuis, e aceitou portanto a identidade por adoção.

Elisangela Oliveira, para o 100 Canais


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