Será que o produtor cultural brasileiro já entende as demandas dessa nova classe média?

“Trabalho há 10 anos por aqui e nunca vi isso assim”, dizia o segurança do centro cultural ao lado, sobre a fila que dava a volta no quarteirão do CCBB. Era o penúltimo dia da exposição de Escher. Duas semanas antes, quando pude vê-la, constatei que estava intransitável, tamanha a quantidade de gente que se amontoava diante das gravuras do artista holandês. Nas duas ocasiões, as conversas aos corredores demonstravam que ali havia gente de todas as partes da cidade e de diversas classes sociais.

Um pouco longe dali, o CineCarioca Nova Brasília, sala de cinema inaugurada em novembro de 2010 no Complexo do Alemão, preparava-se para mais um dia de sessões cheias. Em pouco mais de dois meses de funcionamento, o cinema com ingresso à R$ 4,00 teve média de 85% de ocupação, enquanto a brasileira é de 40%. Entre os filmes já exibidos estão os considerados blockbusters “Enrolados”, “De pernas pro ar”, “Desenrola” e “VIPs”. O cinema também já exibiu “Tron – O legado” (blockbuster sim, porém, menos fácil) e irá exibir “Rio”.

Naquela mesma semana, os organizadores da Bienal do Livro do Rio já anunciavam seus planos para a edição 2011: ampliar isso, ampliar aquilo. Tanto a Bienal do Rio quanto a de São Paulo bateram recordes de público nos últimos anos. Em 2009, foram 640 mil no Rio e em 2010, mais de 700 mil em São Paulo. As pesquisas de opinião demonstraram que o que mais satisfaz o público é a variedade de títulos oferecidos.

Os principais responsáveis pela produção e crescimento destes números são os integrantes da classe C. Os exemplos acima são apenas alguns dos que demonstram a crescente demanda desta que é denominada nova classe média por produtos culturais. Após a investida em computadores, TVs de plasma, cursos de idiomas, produtos de beleza, chegou a hora de consumir cultura. O governo, as grandes empresas, os economistas, quase todo mundo já percebeu o poder e o potencial de consumo da classe C, composta por pessoas cuja renda média é de R$ 1.338 e que correspondem a mais de 50% da população brasileira, segundo a mais recente pesquisa sobre o tema, divulgada em março. O crescimento da classe C, ocorrido nos últimos 10 anos, é tão evidente que transformou em um losango a famosa pirâmide das classes sociais que estudávamos no colégio!

Mas afinal, o que querem consumir as 101 milhões de pessoas que compõem atualmente a classe C no Brasil? A ascensão a esta classe não se deve somente ao maior crédito ou ao controle da inflação. Ela se deve também ao aumento da escolaridade que, por sua vez, gera maior demanda por produtos culturais diversificados. Além disso, a história demonstra que o acesso ao produto cultural mais, por assim dizer, refinado, legitima, aos olhos de muitos, a mobilidade social. Achar que a classe C só consome o que é popular e tosco é ingenuidade. Este consumidor quer qualidade e opta pela marca conhecida a um preço que considera justo. “Os produtos vagabundos e baratinhos perdem espaço com esses consumidores”, diz o publicitário Renato Meirelles, diretor do Data Popular. Esta mesma lógica não valeria para o consumo cultural?

Não é de se estranhar, portanto, uma sessão de “Tron – O legado” à R$ 4,00 cheia, o Theatro Municipal a R$ 10,00 lotado, uma bienal do livro intransitável ou a fila gigante para uma mostra gratuita de artes plásticas. Por outro lado, a questão parece não ser determinada, simplesmente, pelo valor acessível do ingresso. Nos próximos dez anos, segundo pesquisa da Fecomércio-SP, o consumo dessa nova classe média será cada vez mais sofisticado. Diante disto, refaz-se a pergunta: Será que os produtores brasileiros já entendem e já sabem responder às demandas da classe C?

Dentre todas as áreas da cultura, a do audiovisual é a que aparentemente mais tem se beneficiado desta mudança conjuntural, ainda que as possibilidades não tenham sido todas preenchidas. A classe C vai ao cinema. Os recentes recordes de público do cinema brasileiro são importantes sintomas. A famosa barreira psicológica dos 10 milhões de espectadores foi quebrada por “Tropa de Elite 2” e outros filmes nacionais têm tido boas bilheterias.

Variedade, qualidade, “marca conhecida” e “preço justo” parecem ser, portanto, as principais características que a classe C busca não só no cinema brasileiro, como também nos demais setores da cultura. Alguns diriam que são características de produtos com apelo comercial. Mas se a tendência, como diz a Fecomércio, é “sofisticar”, só o tempo ajudará a compreendermos o que quer a classe C.

* Texto publicado originalmente no blog da produtora Inffinito, em 05/04/11.


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Relações públicas, atua em produção cultural e comunicação institucional.

7Comentários

  • Rafael Vega, 20 de abril de 2011 @ 10:41 Reply

    A classe C é a bola da vez, e não só para o setor da cultura. Até as futuras eleições, segundo Lula e FHC, serão decididas por essa nova classe média. Mas não devemos esquecer dos anseios e desejos das classes D e E, emergente, e das A e B.

  • Marina Soares, 21 de abril de 2011 @ 11:14 Reply

    Mas e o tal projeto “Cinema popular” lançado pelo Roberto Talma ano passado? A ideia era fazer 6 longas em 3 anos, “com apelo comercial, tendo como alvo a classe C. Cadê?

  • Joana Ladvocat, 26 de abril de 2011 @ 18:16 Reply

    Arrasou Cris!
    Parabéns pelo excelente texto!!!

  • Tatiana, 28 de abril de 2011 @ 10:39 Reply

    Bacana o Texto Cristiana!

  • Bobby, 2 de maio de 2011 @ 11:43 Reply

    Interessante a associação indireta com o aumento da escolaridade. Essa apresentação de slides tbm é esclarecedora sobre o tema: sss://www.slideshare.net/trend/pesquisa-mulheres-da-classe-c

  • Fernando Cyrino, 12 de maio de 2011 @ 15:12 Reply

    Ei Cristiana,
    é verdade. A classe C chegou e que bom que há mais esse contingente imenso consumindo arte.
    abraços,
    Fernnado.

  • gil lopes, 13 de maio de 2011 @ 13:32 Reply

    Todo mundo quer é ROCK IN RIO, é U2, é PAUL MCCARTNEY, é DISNEY NO GELO…fica um ufanismo de quinta categoria querendo inventar sociologia quando na verdade estamos diante de um fracasso, que em parte é devido ao incentivo via isenção fiscal para o conteúdo importado. O fenômeno é ROCK IN RIO, o recorde é a maior bilheteria do mundo num show conseguida em São Paulo pelo U2, temos que olhar pra isso e começar a pensar no que estamos fazendo. Festa na Lage de um lado e Rock in Rio de outro, o que a moçada prefere? E fazendo crediário pra consumir “cultura” importada. É lindo tudo isso, de certo modo, mas temos que equilibrar melhor isso, não tem cabimento o Ministério da Cultura ser colocado chancelando Disney, francamente…tem boi na linha, só pode ser campanha contra…temos que pensar melhor no que está acontecendo.

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