Nesse 20/11 último, mais uma vez a pergunta: somos uma democracia racial?
Nesse 20/11 último, mais uma vez a pergunta: somos uma democracia racial? Existem democracias raciais? Parte inclusive do Movimento Negro começaria por descaracterizar esta pergunta, alegando que não temos raças no gênero humano, e que é preconceito afirmá-lo. Pularemos esta discussão, tomando aqui por consideração uma questão: se não há raças biológicas, há realidades culturais, há questões únicas nas culturas de matrizes africanas, e existe o preconceito, as vezes velado, as vezes travestido de exclusão, e as vezes explícito e violento, fisicamente inclusive.
Nossa Cultura é multi-étnica, a despeito de o ser por força também da escravidão, da colonização e da ideologia que diz que o branco é melhor que o negro ou o ameríndio, um dos motores ideológicos das migrações do começo do século XX. Tais motores, por sua vez, são responsáveis pelo papel relegado a estas Culturas, colocadas em segundo plano frente às culturas européias e cristãs.
Quem é o negro hoje? Fato é que, nos censos, é possível que parte considerável da população negra ou afrodescendente não declare sua “condição racial”. Esses dados sãoamplamente utilizados pelos contrários às políticas de cotas raciais, como números que “comprovam” que no Brasil não é necessário desenvolver tais políticas. Talvez seja a questão de pensarmos então na questão da identidade nacional. Se nosso amalgama racial é nossa consagração, em parte a negritude é sempre negada. Essa seria a maior contribuição para a nossa afirmação, enquanto brasileiros. Em parte, a presença africana é ocultada na aceitação para a construção da cultura nacional, europocêntrica.
É deveras positiva, por isso, a aplicação da Lei 10639/03. A escola é hoje, mesmo em comparação com atelevisão, o espaço que mais se ocupa da formação. Se a ausência do debate e da figura do negro na Mídia é sentida, e não somente pelo Movimento Negro, na Educação o quadro têm hoje as bases para a mudança. Em paralelo, a valorização de políticas para os quilombolas, via Seppir, MEC e MinC, e para a produção de espaços públicos culturais, pedagogias alternativas e metodologias de trabalho dentro da pedagogia europocêntrica adotada nas escolas para trazer a história e cultura africanas à massa em processo educacional são políticas que têm grande significado, e se reforçam mutualmente.
De forma semelhante, a influência das políticas de cotas tende a “colorir” mais os bancos e as cadeiras das Academias, e dos locais de trabalho. Hoje muito se reconhece das performances artísticas e culturais dos negros, mas pouco pela produção intelectual, com excessões dignas de nota, como o mestre Milton Santos. Conseqüência deste quadro é que poucos negros participam das grandes decisões do país. Questão a ser ponderada, por sua vez, é como uma universidade baseada no modelo francês de ensino e pesquisa pode se relacionar com a cultura africana ou afro-brasileira, se boa parte dessa cultura é baseada na oralidade?
Neste sentido, como fica a diversidade cultural? É contraditório pensar em diversidade e se fomentar a identidade, ou são questões estas complementares, e por isso discussões como o Estatuto da Igualdade Racial, do “tratar diferentes como diferentes para garantir a igualdade” são fundamentais, seja para negros, índios, mulatos, cafusos e outras Culturas Populares – que também contam com projetos para sua inclusão no ensino formal.
Somos, afinal, ou podemos ser, ao menos, multiétnicos ou culturalmente diversos? Hoje é negro quem se declara como tal, e apesar de todos os pesares talvez seja esta a forma mais democrática possível. Diversidade cultural é permitir que o mais zulu dos negros tenha o direito e as condições garantidas para se identificar como quiser, negro, branco, amarelo, ou cor de laranja. A questão talvez não seja fomentar a identificação pura e simplesmente, mas atentar para as condições destas populações, para a pretensa igualdade e democracia racial que somos.
Os editores – Cultura e Mercado
2Comentários