É fácil observar que as discussões acadêmicas de arte no Brasil carecem de Brasil, pois são verdadeiras ilhas de edição, um laboratório de fotomontagens, um supra-sumo do nada. Em suas realidades, em seus desequilíbrios e, na própria formação da massa de argumentos, buscam cruzamentos de dados irreais às nossas escolhas e, em carro aberto, um presunçoso narciso, de difusa combinação, poderá, sem limites, desfilar para a tropa eurocultural com uniforme de gala e continência e riste.
De imediato, as análises mostram-se perfiladas com a estrutura do Estado ditatorial mergulhadas em seu tradicional ceticismo em relação ao homem brasileiro e suas formas de se manifestar.
O descrédito e o preconceito que demandam este olhar são fórmulas viciadas na ampliação ideológica absolutamente descompromissada com a construção de um pensamento verdadeiramente produtivo para as realidades brasileiras.
O vício é tanto que hoje não se admite que um aluno, dentro de uma academia de arte, tenha pensamento independente. Então, qualquer observação de que o mesmo busque quebra de paradigmas, é frustrada na fonte, pois deverá estar sempre acompanhada da viciada formula “segundo fulano”… Ou seja, nada de novo no front de uma batalha, sabido de antemão quem será o vitorioso, apontado para garantir a permanência de verdades frias e absolutistas, pior, certificando um Estado carregado de estupidez, fruto do desenho, onde o preconceito são armas cínicas da lógica de segregação amotinadas em abrigos de dogmas e calcadas na rigidez ideológica de um Brasil branco.
O texto oficial no Brasil, tanto do Estado quanto das academias, não consegue ser de fato brasileiro, porque não quer a fusão, a mestiçagem, natural refletida em nossa arte e, portanto, essa arquitetura torna-se, por seus múltiplos aspectos, um projeto caro para o país e, de imediato, nos apresentam qualquer resultado, impondo doutrinas e lógicas alienígenas de um encrudecimento social, um estímulo à manutenção de preconceitos.
São muitas as fotografias de imagens editadas, onde o homem brasileiro é compulsoriamente retirado da cena, mesmo que ele, através de seus representantes, consiga furar esse bloqueio social através de sua arte, seus pensamentos, seus argumentos para chegar à qualidade proposta por seu trabalho, são devidamente barrados, principalmente se suas fontes forem calcadas nas realidades brasileiras.
Medo, ignorância, presunção, falta absoluta de independência e de paixão, ou tudo isso junto? Ou seriam cruzamentos de dados com outras correntes de ideologias de diversos setores da vida brasileira que buscam cada vez mais construir a idéia de “elite pensante” e seu principal derivado, a malfadada “vanguarda” que dentro do Brasil tem sentido contrário.
Não é de se estranhar que o mesmo grupo social de domínio que evoca a absoluta liberdade em múltiplas formas de expressão conceitual, ovacione a rigidez técnica proposta pela escola clássica de música que tem como norma número um, fugir das realidades brasileiras, para não cair, segundo seus rígidos estatutos, nas acentuações populares, leia-se, pobres!, Menores!, Inferiores! Segundo seus preceitos. O custo dessa anomalia é de R$67.000.000 (sessenta e sete milhões) para uma só instituição, como é caso da OSESP. Um escândalo diante da nossa realidade social.
Então, caímos numa análise charlatã, seja do Estado, seja do pensamento constituído, nas academias brasileiras incoerentes, com vistas a erguer muros sociais que lhes permitam estabelecer a segurança plena no avanço dos projetos segregacionistas onde, simplesmente as culturas do homem brasileiro, dentro do Brasil, sejam devidamente decapitadas.
É lamentável ver doutrinas mergulhadas nessa escuridão estúpida, buscando as muitas formas de contorcionismo, pinçadas em conceitos de sociedades de almas secas, de terreno exaurido, híbrido, como solução e estímulo a uma arte cerebral para manter a estrutura de dominação.
Essa subserviência do pensamento clonado que, mesmo analisada pelo campo da displicência, está longe de ser o motivo real de tal anomalia, pois ela se associa a escalas de poder afinadas com as classes dominantes e nos revela um requinte de inteligências saturadas e descrentes da vida brasileira, um dinamismo estático proposto por esse pensamento que, por sua vez, choca-se com a realidade do povo que, por ser saudável em seu espírito criativo, alavanca cotidianamente novas formas de expressão, e acompanha o seu desenho mestiço e seus múltiplos resultados químicos de uma arte magnífica, pois contempla a flagrante realidade contemporânea, viva, carregada de alma, de paixão e de uma emocionante verdade. Já os nossos importadores de brasões europeus não se desgrudam de seus patuás, de suas bengalas necessárias ao pensamento dependente, doente e manco.
Esse é o quadro da arrogância perniciosa que tem campo e espaço fresco no Eldorado de recursos, uma ilha vedada aos sons que vêm da rua para que seus manifestos encapsulados em condomínios de luxos e futilidades sejam úteis somente para que a certificação e diplomas ocos dêem mais e mais alimento às falácias que beiram o perigoso alinhamento dos sistemas totalitários.
Por isso, assistimos cotidianamente o avanço do estado intervencionista em busca de ocupar terrenos já ocupados e sedimentados pela idéia comum, agregadora construída pela sociedade.
A velha carta de pergaminho do Estado, apoiada em seu corpo docente no campo das artes, é a velha edificação, pela disciplina, da cultura completada, vertical em sua origem rumo a uma construção de civilismo amordaçado, dependente, desenvolvido na chocadeira de um plano estéril e linear que busca tragar paixões, moer o sentido humano da cultura, constranger aventuras que proponham vôos verdadeiramente livres do raio viciado a serviço do desejo vigiado, calculado, proposto pela cartilha academista impregnada de demandas oligárquicas.
É preciso que se diga que o abstracionismo que anda pelos corredores das academias de artes brasileiras é um pombo correio com o carimbo da mentira constituída e ressentida com a independência da sociedade.
Jovens pensadores e cheios de vida não podem ser alvos dessa rasteira existencialista, mofa que chega de caravela para manter a côrte de privilégios saqueados de jangadeiros que, sob a brisa brasileira, navegam em busca do alimento da sociedade no campo das artes.
O cruzamento de fórmulas do velho mundo proposto pelo cinismo acadêmico é, na verdade, uma tentativa de emudecer o batuque brabo e magnético dos tambores do nosso chão que estremecem as colunas gélidas de mármore das dodecafônicas academias, antinacionais na essência e antipopulares na prática, um corpo sem espírito que propõe ora a disciplina burra, ora a liberdade laboratorial, filhos pródigos de um projeto de Estado que se enfraqueceu na primeira metade do século XX e voltou na segunda metade do mesmo século, alinhado, desta feita, com o grande mercado das gravadoras multinacionais, um claro projeto de extermínio das matrizes e da soberania brasileira.
Essa visão decadente é luva para mãos de culturas européias estagnadas. Aqui no Brasil não passa de um ataque neoconservador travestido de requinte, de presunção equivalente somente a arrogância da elite econômica.
Jogar dentro deste ambiente brasileiro que corre todo o nosso território um estado terminal de espírito humano contido nessa carta magna das academias de arte, onde é proibido pensar o que ainda não foi pensado por algum grande mestre estrangeiro, alheio às nossas realidades, é um crime que aleija qualquer sentido de desenvolvimento científico.
Insuficientes para destruir as nossas escolhas, atiram cascas de banana do alto de seus castelos conceituais, erguidos nos grandes centros para, unilateralmente, demarcar território e ampliar espaços físicos, já que não conseguem dobrar a liberdade do povo brasileiro.
Ora, será que esses imprudentes discursos pró-Europa não perceberam a autonomia de expressão do povo? Não vêem que trocamos a religião pela religiosidade onde os dogmas foram diluídos em terreno comum de altares de santos católicos, índios, caboclos, orixás, entidades orientais, que convivem em harmonia a partir da maneira brasileira de lidar com as divindades?
Essa imprudência só nos certifica que, seguir a cartilha das leviandades constituídas é, no mínimo, seguir o conselho da criação dos semimortos, refúgio do pensamento medíocre que se faz de bicho-papão para assustar a liberdade infantil que artistas e pensadores precisam alar suas criações, com certeza, lincadas com sua memória afetiva.
Na prática, a conseqüência desses desmandos arbitrais será refletida nos resultados das políticas públicas como mostra o IBGE, recebendo uma silenciosa negação de uma sociedade de braços cruzados produzindo uma espécie de greve de fome de um alimento que nada tem a ver com o fortalecimento da sua auto-estima, ao contrário, jogam-lhe nas costas textos, sistemas e conceitos de meias verdades, não cabendo qualquer forma mecânica para que seja adaptada a níveis de um contexto a fim de permitir uma visão de conjunto e o exercício de análises.
Se, diante desse quadro de leniência generalizada, o Estado, com seu gigantismo estrutural e corporativo, não vê o governo, através do Ministério da Cultura, sequer incomodá-lo com suas ações pontuais contra o retrato que sublinha o nosso traço de desigualdade promovido justamente pela idéia de benefícios privilegiados às classes dominantes, como vamos exigir reação dessa mesma sociedade contra os cortes de verbas para a cultura? A sociedade está alheia, se negando a participar da discussão do orçamento da cultura, dando o troco a uma estrutura totalmente alheia às suas escolhas.
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