Lançada em novembro, a publicação Liinc em Revista Vol. 7 No 2 (2011), do Laboratório Interdisciplinar em Informação e Conhecimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Brasileiro de (IBICT) é representativa de como a Academia reage ao momento ímpar de aprofundamento e diversificação do uso das tecnologias de informação em nossa sociedade, ao propor abordagens com múltiplos referenciais, não negando o contraditório e mesclando abordagens teóricas dos temas e observações sobre práticas.

Embora haja uma maioria de artigos favorável às mudanças legais em favor da flexibilização do referencial legal em direito do autor, há mesmo artigos que fazem o caminho inverso, defendendo que mesmo a atual legislação está muito além do aplicado. Colaborou com a publicação o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito, Artes e Políticas Culturais (NEDAC) da UFRJ.

A revista, propôs uma discussão em torno do tema “A quem pertencem Conhecimento e Cultura”, que pode ser acessado em  www.ibict.br/liinc. Desenvolvido de forma multidisciplinar, abarca cinco grandes áreas: Ciências da Informação; Economia; Comunicação; Teoria da Arte; e Direito. Há ainda um artigo isolado na área de Educação Física, focado nas políticas de acesso ao conhecimento.

Além das áreas do conhecimento, os professores Allan Rocha e Souza e Leandro Mendonça, em artigo de apresentação, destacam a diversidade de abordagens e propõe uma divisão dos trabalhos apresentados em cinco partes: “A impossibilidade de lançar todas as pontes ou clivar todos os aspectos norteou a distribuição dos textos, que, nomeadamente foram divididos entre questões de autoria, problemas de acesso, aspectos da economia criativa, ciência da informação e desafios no campo jurídico”.

A primeira parte, intitulada “Considerações sobre a autoria” é composta de quatro textos. Chamou atenção, particularmente, o texto de abertura, de Beatriz Cerbino e Leandro Mendonça, relacionando o conceito de autoria com o “modo-de-fazer” dança, cinema e seu campo híbrido, a videodança. Além de revisar a história da dança, focada nos momentos de inovação estética do começo do século XX envolvendo novas formas de pensar a relação entre o corpo, o movimento, o tempo e o espaço, até chegar à “limpidez com que a vídeodança unifica, em um mesmo objeto, duas obras diferentes”.

O artigo se propõe ainda a conceituar “o autor” a partir de Flusser, Benjamim e Foucault. Outro artigo a considerar como centrais os conceitos de autor em Foucault, “Autoria, propriedade e compartilhamento de bens imateriais no capitalismo cognitivo”, de Beatriz Cintra Martins, considera que os padrões de autoria, distribuição e monetarização das obras tem sido desestabilizados pelas práticas de compartilhamento digital, ao que conclui: “O conhecimento como commons é o conhecimento aberto para a inovação, já a cultura como commons é a cultura aberta à recriação”. Os artigos de Denis Borges Barbosa e de Karin Grau-Kuntz discutem o direito do autor, tomando referenciais no Direito para tal.

Em “Considerações sobre o acesso”, também composta de quatro artigos, é aberta pelo texto “Direitos autorais e acesso à cultura”, no qual Allan Rocha de Souza analisa as bases legais do direito de acesso à cultura e sua relação com os direitos autorais.A segunda parte inicia-se por uma reflexão sobre os direitos autorais e o acesso a cultura. As novidades sobre a função do domínio público e as considerações sobre o acesso ao patrimônio musical brasileiro são outras temáticas abordadas. Por fim a circulação, o financiamento e suas interações para a reprodução de conteúdos protegidos finalizam a questões de acesso tratadas.

O artigo de Sérgio Vieira Branco Júnior, “Fundamentos para o domínio público no direito autoral brasileiro” faz uma retomada dos princípios do direito do autor e sua base legal nacional, de maneira abrangente e simpática aos produtores. Os artigos restantes se centram no direito ao acesso à informação, no campo da musicologia (no artigo de André Guerra Cotta) e no campo do livro técnico científico e de sua reprodução, especialmente em ambientes universitários (Jorge A. S. Machado e Gisele da Silva Craveiro, divulgando dados de pesquisa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para Acesso à Informação – GPOPAI USP).

E operacionalização de um o Observatório das Indústrias Criativas do Nordeste (OICNE) voltado a produção e difusão do conhecimento sobre a economia criativa da região” e à criação de Birôs de Negócios Criativos, “espaços físicos para o fomento de empreendimentos criativos sustentáveis e fortalecimento da cadeia”, consolidando as cadeias regionaisas dificuldades de acesso à cultura enfrentadas pela maioria da população brasileira são pouco relacionadas às falhas da legislação autoral”.

Fechando a terceira parte os dois artigos restantes realizam, a partir de escopos teóricos distintos, interessantes buscas pela relação entre produção intelectual e atividades da indústria criativa. O artigo “Direito autoral e economia criativa: a construção de uma economia preocupada com a criatividade”, de Marcos Wachowicz e Rodrigo Otávio Cruz e Silva partem do referencial de Castells para caracterizar o período atual como momento em que predomina um paradigma cultural, em que a relação entre economia e conhecimento numa sociedade da informação pode ser conceituada como Economia Criativa, que se constitui, na prática, através de arranjos produtivos locais, como a Galeria do Rock (SP) e o Tecnobrega (PA) e em Pólos Criativos, como o vale do silício americano ou o Porto Digital de Recife (PE).

O grande trunfo do artigo, e ponto que o torna de maior interesse para os produtores culturais, reside na análise que os autores fazem da Lei 12441/11, que constitui as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI), de maneira crítica, embora considerando que a nova configuração trará ganhos aos produtores culturais. Em “Informação, conhecimento e capitalismo: uma abordagem dialética”, seus três autores utilizam a dialética materialista como referencial teórico para analisar a Economia atual, assumindo o conhecimento como patrimônio coletivo, expropriado da classe trabalhadora em proveito dos capitalistas.

Na quarta parte, dedicada às Ciências da Informação, cinco artigos discutem questões de Direito do autor em relação às dinâmicas e fluxos de troca de conhecimentos, como no artigo de Maria Cristina Brasil Magnani e Marta Macedo Kerr Pinheiro e no artigo de Dalton Martins, ligados a conceitos e padrões do campo. De maneira semelhante, “Le revélateur Wikileaks”, de Yann Moulier Boutang, mantém a abordagem no campo ao falar sobre a relação entre tecnologia, o Wikileaks e a Verdade, assim como o “efeito Wikileaks” sobre a forma de gerenciar conteúdos e a própria política após suas ações. O destaque fica para o artigo de Ana Carolina Silva Biscalchin e Marco Antônio de Almeida, “Direitos autorais, informação e tecnologia: impasses e potencialidades”, no qual a reflexão sobre o direito autoral na internet é feito não a partir de um referencial teórico, mas analisando a maneira como os periódicos de Ciência da Informação têm tratado o direito de autor frente às novas tecnologias, em geral entendidas “como mercadoria, dádiva e como híbrido dessas duas formas”, afirmam os autores, citando os estudos de Barbrook. Um tanto solto em relação aos demais textos – desta parte como da publicação – “Biblioteca escolar: espaço de silêncio e interdição” vêm, com a reflexão de seus três autores, surpreender pela qualidade da crítica sobre o espaço da biblioteca e seus usos, feita de maneira aberta e com posições claras, quase militantes, a favor de um espaço de apropriação tão livre quanto os suportes o permitirem, e que admita, não proibindo, o diálogo ao invés do silêncio.

A derradeira quinta parte é centrada nas ciências jurídicas, e composta de três artigos. Não tivemos acesso ao artigo “O domínio público e a função social do direito autoral”, de Carlos Affonso Pereira de Souza, que apresentou dificuldades para o download. Em “Exercício e tutela dos direitos”, de José Isaac Pilati, é feita uma análise da república participativa pós-moderna prevista na Constituição de 1988, a partir do modelo romano clássico de processo e democracia direta. “Direito e identidade das comunidades tradicionais”, de Thais Luzia Colaço e Raquel Fabiana Lopes Sparemberger bem poderia estar na segunda parte desta coletânea. A partir do conceito de Identidade em diversos autores para concluir que o respeito à bio e sociodiversidade é a matriz para um novo desenvolvimento, sustentável em todos os seus aspectos. Apontam para uma mudança profunda no processo de acesso ao conhecimento e indicam um afastamento da política científica tradicional estruturada a partir da lógica do mercado”.


Morador do Campo Limpo (Zona Sul de São Paulo), é jornalista e mestre em comunicação, além de pesquisador no núcleo Alterjor, da ECA/USP.

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