Ronaldo Lemos, diretor do Creative Commons no Brasil, explica as mudanças que esse projeto traz para as questões de direito autoral e acesso à informação

O Creative Commons (CC) é um projeto sem fins lucrativos que disponibiliza licenças flexíveis para obras intelectuais. Criado pelo Professor Lawrewnce Lessig, o CC quer funcionar como uma alternativa ao modelo padrão do copyright, que exige a necessidade de permissão do autor ou titular de direitos de uma obra para que se possa utilizá-la. É o chamado “todos os direitos reservados”. O que o CC faz é gerar instrumentos legais  para que esse autor ou titular possa autorizar a utilização e distribuição de sua obra para o público, escolhendo diferentes modalidades de licença jurídica.

No Brasil, o projeto foi lançado em 2004 e é coordenado pelo CST (Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito) da Fundação Getulio Vargas (FGV), que é dirigido pelo advogado Ronaldo Lemos. Ele explica que a Escola de Direito da FGV tem a missão de dar continuidade ao pensamento institucional brasileiro voltado ao desenvolvimento, que é característica da própria Universidade. Um dos focos é a relação entre direito e tecnologia, área na qual Lemos é um dos especialistas no Brasil. Sob esse prisma, em 2003 foi realizado o seminário Internet Law com a Universidade de Harvard, durante o qual se iniciaram as conversações para o lançamento do projeto aqui.

O Brasil está entre os mais de 40 países que se integraram ao CC, tendo sido o terceiro a aderir, após Finlândia e Japão. Ronaldo Lemos, que acredita que o país tem um potencial futuro bastante promissor, aponta que o último levantamento estatístico feito pelo Yahoo mostra que há mais de 53 milhões de páginas/obras usando licença CC. “Para o Brasil isso é muito importante: nossa natureza antropofágica e tropicalista nos dá condições privilegiadas de usar e contribuir para esse imenso patrimônio comum. O resultado desse conjunto de obras é imediato: ele produz impacto sobre o acesso ao conhecimento, sobre a descentralização das mídias e sobre a garantia da neutralidade tecnológica da infraestrutura dos canais de comunicação.”

O país também está entre as dez primeiras posições quanto ao número de obras licenciadas. Ronaldo afirma que existe atualmente uma grande rede social atuando com o projeto: “dentre os exemplos de componentes dessa rede, há inúmeras ONGs, há os pontos de cultura do Ministério da Cultura, a comunidade do software livre, que é organizada e muito expressiva no Brasil, sem contar os inúmeros artistas e criadores intelectuais que se utilizam das licenças.”

Desde o seu lançamento, o CC vem provocando polêmicas e esquentando o debate sobre questões como direito autoral. Lemos expõe sua visão sobre o assunto: ”Esse é um problema sistêmico: a legislação de direito autoral, do jeito que se estrutura globalmente, obriga o autor a alienar a totalidade dos seus direitos, em troca de acesso à indústria cultural. Esse modelo, que operou com razoável sucesso no século XX, não está funcionando mais. Isso porque a figura do intermediário, do ponto de vista econômico, vem se tornando cada vez mais desnecessária. São vários os casos em que artistas criam mecanismos autônomos de viabilização econômica, assumindo um papel empreendedor quanto às suas próprias criações. O custo para isso é cada vez menor e os exemplos são abundantes. O sucesso de websites como o MySpace e o Pitchforkmedia demonstram isso.”

Ainda assim, há um pensamento recorrente de que a liberação dos direitos autorais prejudicaria os artistas e autores, ao qual Ronaldo se contrapõe. “Grandes nomes do direito autoral mundial são unânimes em afirmar que o direito autoral atual não protege o autor, mas sim o intermediário.” Para ele, o Creative Commons apresenta uma alternativa a esse modelo: “o autor autoriza o exercício de alguns direitos sobre a sua obra, enquanto reserva outros. Pode não ser a solução definitiva, mas na prática, tem-se mostrado como um dos caminhos possíveis.” Ele recomenda a visita ao site do projeto “open business”, que apresenta alguns modelos de negócios interessantes nesse aspecto (openbusiness.cc).

Outra questão polêmica que se relaciona com o CC é o combate ao monopólio das comunicações nas mãos das grandes corporações e conglomerados de mídia. Ronaldo afirma que a principal batalha pela descentralização da produção da informação é uma batalha jurídica, que passa pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. “O grande papel do Creative Commons é demonstrar na prática que novos modelos de negócio, muitas vezes mais eficientes, surgem a partir de um equilíbrio mais racional entre os direitos do autor e os direitos da sociedade, equilíbrio esse promovido pela própria sociedade. Outro dado importante é que o CTS foi aceito como observador permanente da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Desse modo, contamos agora com um professor em Genebra, que participa de todas as reuniões não só como ouvinte, mas manifestando nossa posição a respeito dos temas importantes. Quem quiser acompanhar essa participação, pode acessar o site www.culturalivre.org.br”.

Sobre a Convenção da UNESCO sobre Diversidade Cultural, ele se mostra reticente. “A Convenção é muito importante, mas o problema é que, dada a força geopolítica dos EUA, sua atuação principal na área de propriedade intelectual tem-se dado na implementação de acordos bilaterais. Nesse sentido, inúmeros países assinam acordos de comércio com os EUA, nos quais constam cláusulas pelas quais as legislações locais devem atender a modelos de propriedade intelectual que são prejudiciais ao desenvolvimento econômicos. Modelos esses que são muito maiores que as exigências da própria OMC. E nesse sentido, o número de países que assinam esses acordos bilaterais cresce a cada dia.”

O Creative Commons também desempenha um papel importante no processo de democratização da comunicação. O acesso à informação e à tecnologia passam a ser primordiais para o desenvolvimento dos países mais pobres. “Por muito tempo a percepção do desenvolvimento econômico foi de que os países pobres continuavam assim por ausência de capital. Em razão disso foi criado o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Entretanto, sobretudo agora, mas também historicamente, nota-se que o conhecimento sempre foi a força motriz do desenvolvimento. Foi o caso dos Estados Unidos no século XIX, que não reconheciam direitos autorais estrangeiros. Ou o caso da indústria japonesa, por décadas após a segunda guerra mundial. Sem uma economia da informação desenvolvida, não há desenvolvimento no século XXI.”

www.creativecommons.org.br

 

André Fonseca


editor

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