Reivindicando um programa de políticas públicas para o fomento da área, estudantes, representantes e entidades do teatro realizaram, entre ontem, dia 26, e hoje, uma manifestação nas instalações da Fundação Nacional de Arte (Funarte) de São Paulo.

O grupo questionou ainda a falta de lançamento de importantes editais de incentivo à área, promovidos pela instituição, como o Prêmio Klaus Viana, Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo e o Prêmio de Teatro Myriam Muniz.

Por meio de uma carta “manifesto”, escrita ontem, dia 26, o grupo questionou ainda a falta de “avanço na criação e desenvolvimento de políticas públicas, democráticas, transparentes e descentralizadas para as artes no país” e reivindica leis fixas para o fomento do teatro, que não sejam da através de renúncia fiscal. (leia a íntegra abaixo).

Com a Funarte fechada, manifestantes aguardaram um encontro com o presidente da instituição, Sérgio Mamberti, gritando: “Abaixo a baixaria, cultura não é mercadoria”.

O grupo permaneceu em vigília até às 5h, quando ocuparam o espaço interno da Funarte, esperando por autoridades do Ministério da Cultura (MinC) para a leitura de uma nova carta, que foi elaborada hoje, dia 27. (leia a íntegra abaixo). A polícia, que foi acionada para acompanhar a movimentação no local, permaneceu do lado de fora da instituição, impedindo que outras pessoas entrassem e saíssem da fundação.

Por volta das 12h, os manifestantes receberam a visita da Chefe da Representação Regional do MinC do Estado de São Paulo, Cecilia Garçoni; do Representante Substituto da Funarte, Roberto Bicelli; e do secretário Américo Córdula, da Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural.

Após a chegada dos representantes do governo, as cartas foram lidas na presença de todos – participantes, lideranças e autoridades. Depois deste ato, as portas da Funarte foram abertas e a manifestação se encerrou.

Veja abaixo a primeira carta “manifesto”, elaborada no dia 26 de março:

Carta Pública em defesa da cultura

Trabalhadores do Teatro Contra a Crise

Dinheiro público para a cultura já!

Neste 26 de março de 2009, os trabalhadores de teatro se manifestam nas instalações da FUNARTE de São Paulo para protestar contra a ausência de políticas públicas para o teatro.

Nos últimos seis anos do atual governo, constata-se que não houve nenhum avanço na criação e desenvolvimento de políticas públicas, democráticas, transparentes e descentralizadas para as artes no país. O que frusta a categoria, dadas as expectativas neste governo, no Governo Lula do Partido dos Trabalhadores, em no modelo exemplar que ele poderia representar para as políticas públicas estaduais e municipais por todo o país.

Hoje, no ano de 2009, a crise capitalista escancara nossos portões e este governo, com seus recursos acumulados em superávits fiscais, corre para socorrer grandes bancos e empresas privadas. Mais uma vez deixa para a maioria da população, o desemprego, a falta de assistência médica, uma educação deficitária e uma cultura entregue à indústria do entretenimento, que nada mais visa senão o lucro. Essa indústria do entretenimento transforma a cultura e as artes em produtos sem valor além do consumo imediato, sem poesia e sem reflexão sobre o que somos como cidadãos e como sociedade. Ou seja, sem perspectiva de futuro para além das necessidades básicas de sobrevivência – trabalhar para sobreviver e fazer a máquina econômica girar.

Nós, trabalhadores do teatro e da cultura, estamos aqui para exigir que o governo eleito por nós se ocupe do desenvolvimento e da proteção de seus cidadãos. E conclamamos aos demais movimento de trabalhadores e ao povo brasileiro a se unirem a nós para dizer um basta à política de privilégios, à entrega do Estado à iniciativa privada, à perda dos direitos dos trabalhadores.

Pela nossa experiência dos últimos anos entendemos que qualquer lei para a cultura tem necessariamente que contar com uma dotação orçamentária própria (recursos garantidos por lei), pois evita a manipulação política. Entendemos também que estas leis devem ser regidas por editais públicos, transparentes e com a participação paritária em suas comissões de seleção, de representantes escolhidos pelo governo e de representantes escolhidos pelos participantes dos determinados editais.

Por isso reivindicamos:
– o fim da lei de isenção fiscal para a cultura;
– a criação de um Fundo Público para a Cultura, através de Lei. Que ele seja o responsável pela implementação de políticas públicas para todas as áreas da cultura. Que ele opere através de editais públicos em todas as regiões do Brasil com participação paritária. Que este fundo tenha uma dotação orçamentária anual definida pela lei, e que, portanto, esta lei seja encaminhada pelo poder executivo como um projeto de governo;
– a regulamentação e transparência imediata do Fundo Nacional de Cultura;
– a imediata implantação do projeto “Prêmio Teatro Brasileiro” sob a forma de um edital nacional ainda para o ano de 2009.

Abaixo segunda carta “manisfesto”, elaborada no dia 27 de março:

*CARTA ABERTA AO MINISTÉRIO DA CULTURA*

Hoje, no Dia Mundial do Teatro, nós, trabalhadores de grupos teatrais de São Paulo organizados no Movimento 27 de Março, somos obrigados a ocupar as dependências da Funarte na cidade. A atitude extrema é provocada pelo
falso diálogo proposto pelo governo federal, que teima em nos usar num debate de mão única. Cobramos, ao contrário, o diálogo honesto e democrático que nos tem sido negado.

O governo impõe um único programa: a transferência de recursos públicos para o marketing privado, o que não contempla a cultura mas grandes empresas que não fazem cultura. E se recusa, sistematicamente, a discutir qualquer outra alternativa.

Trocando em miúdos.

O Profic – Programa de Fomento e Incentivo à Cultura, que Vv. Ss. apresentam para discussão como substituto ao Pronac, que já existe, sustenta-se sobre a mesma coisa: Fundo Nacional de Cultura – FNC, patrocínios privados com dinheiro público (o tal incentivo/renúncia fiscal que todos conhecem como Lei Rouanet) e Ficart – Fundo deInvestimento Cultural e Artístico.

Ora, o Fundo não é um programa, é um instrumento contábil para a ação dos governos. Já o Ficart (um fundo de aplicação financeira) e o incentivo fiscal destinam-se ao mercado, não à cultura. O escândalo maior está na manutenção da renúncia/incentivo fiscal, a chamada Lei Rouanet, que o governo, empresas e mídia teimam em defender e manter.

O que é a renúncia ou incentivo fiscal? É Imposto de Renda, dinheiro público que o governo entrega aos gerentes de marketing das grandes empresas. Destina-se ao marketing das mesmas e não à cultura. É o discurso que atrela a cultura ao mercado que permite esse desvio absurdo: o dinheiro público vai para o negócio privado que não produz
cultura e o governo transfere suas funções para o gerente da grande corporação. Diminuir a porcentagem dessa transferência ou criar normas pretensamente moralizadoras não muda a natureza do roubo e da omissão do
governante no exercício de suas obrigações constitucionais. Não se trata de maquiar a Lei Rouanet (incentivo fiscal); trata-se de acabar com ela em nome da cultura, do direito e do interesse público, garantindo-se que o mesmo dinheiro seja aplicado diretamente na cultura de forma pública e democrática.

Assim, dentro do Profic, apenas a renúncia fiscal pode se apresentar como programa, um programa de transferência de recursos públicos para o marketing privado, em nome do incentivo ao mercado. Trata-se, portanto, de um programa único que não vê e não permite outra saída, daí ser totalitário, autoritário, anti-democrático na sua essência.

E é o mesmo e velho programa que teima em mercantilizar, em transformar em mercadoria todas as atividades humanas, inclusive a cultura, a saúde e a educação, por exemplo. Não é por acaso que os mesmos gestores do capital ocupam os lugares chaves na máquina estatal da União, dos Estados e Municípios, coisas que conhecemos bem de perto em nosso Estado e capital, seus pretensos opositores.

E esse discurso único não se impõe apenas à política cultural. É ele que confunde uma política para a agrícultura com dinheiro para o agronegócio; que centra a política urbana na construção habitacional a cargo das grandes construtoras; e outra coisa não fazem os gestores do Banco Central que não seja garantir o lucro dos bancos. Não há saída, não há outra alternativa, os senhores continuam dizendo, mesmo com o mercado falido, com a crise do capital obrigando-os a raspar o Tesouro Público no mundo todo para salvar a tal competência mercantil.

Pois bem, senhores, apesar do mercado, nós existimos. Somos nós que fazemos teatro, mas estamos condenados: não queremos e não podemos fabricar lucros. Não é essa a nossa função, não é esse o papel do teatro ou da cultura. Nós produzimos linguagens, alimentamos o imaginário e sonhos do que muitos chamam de povo ou nação; nós trabalhamos com o humano e a construção da humanidade. E isso não cabe em seu estreito mundo mercantil, em sua Lei Rouanet e seu programa único.

Nós somos a prova de que outro conceito de produtividade existe. Os senhores continuarão a tratar o Estado e a coisa pública apenas como assuntos privados e mercantis? Continuarão a negar nosso trabalho e existência? Continuarão a negar a arte ou a cultura que não se resumem a produtos de consumo?

Por isso, além do FNC, exigimos uma política pública para a cultura que contemple vários programas (e não um único discurso mercantil), com recursos orçamentários e regras democráticas, estabelecidos em lei como política de Estado para que todos os governos cumpram seu papel de Poder Executivo.

É esse diálogo que os Senhores se negam, sistematicamente, a fazer enquanto se dizem abertos ao debate. Debate do quê? Do incentivo fiscal. Mas nos recusamos a compartilhar qualquer discussão para maquiar a fraude chamada Lei Rouanet.

Queremos discutir o Fundo. Mas queremos, também, discutir outros programas e oferecemos, novamente, o projeto de criação do Prêmio Teatro Brasileiro como um ponto de partida. Os Senhores estão abertos a este diálogo?

Movimento 27 de Março

São Paulo, Dia Mundial do Teatro e do Circo.


contributor

Jornalista e sócia da empresa CT Comunicações.

1Comentário

  • Fique por dentro Cultura » Blog Archive » :: CULTURA E MERCADO :: Rede de Políticas Culturais » Blog Archive …, 28 de março de 2009 @ 8:42 Reply

    […] uma nova carta, que foi elaborada hoje, dia 27. (leia a íntegra abaixo). … fique por dentro clique aqui. Fonte: […]

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