A sociedade ainda precisa dos artistas, ou podemos considerar que todos os cidadãos têm autonomia, capacidade criativa e interesse em desenvolver obras autorais? Essa é uma pergunta fundamental para definir o modelo político de financiamento à cultura e direito autoral.

Outra questão urgente é sabermos definir critérios para as diferentes nuances da relação entre Estado e produção cultural. O risco de colocar no mesmo balaio arte, pesquisa, mercado e manifestações espontâneas da nossa cultura continua iminente, não só com a Lei Rouanet, mas também com os novos instrumentos de financiamento, como os Pontos de Cultura.

Nessa mistura, a atividade profissional se confunde de forma preocupante com processos de participação, que flutuam entre a política (partidária?) e a criação artística.

Na recente e acalorada disputa por espaço político no Ministério da Cultura, a questão conceitual e estratégica é deixada de lado. Nos discursos e posicionamentos públicos da ministra Ana de Hollanda fica clara a vontade de valorizar o artista, reinserindo-o na discussão e abrindo espaço para os criadores no desenvolvimento das políticas de cultura.

Já falamos aqui sobre um certo receio de deslocamento da clientela do MinC. Gilberto Gil declarou em seu discurso de posse que o povo deveria ser o beneficiário final das políticas culturais. E que isso não deveria negar os artistas, que são pontes necessárias entre o Estado e o povo.

Mas o artista é mais do que isso. Ele é fundamental para o desenvolvimento da imaginação, construção do futuro e do espírito crítico da população. Enfraquecido, ele participa de uma competição injusta com os grandes conglomerados de mídia e entretenimento, empresas de internet e operadoras de telefonia, em torno da construção do imaginário coletivo da nação, cada vez mais entregue. Fortalecido, o criador poderia ocupar esses espaços em vez de competir.

Por isso, precisamos criar instrumentos claros de financiamento que garantam a coloração variada dos diferentes modos de criação e produção, valorizando e garantindo condições para o autor sobreviver diante de tempos cada vez mais incertos.

Reconhecer a autonomia dos autores em relação à sua obra é fundamental. O Estado não pode dispor do trabalho criativo, um direito humano individual garantido pela Carta Magna, em torno de interesses políticos e econômicos de grupos e movimentos, por mais revolucionários e bem intencionados que sejam.

A crise política, fabricada com o objetivo de tirar a legitimidade da atual ministra, camufla algo que se mostra cada vez mais urgente a todos os agentes culturais: a necessidade de abrir os envelopes, equilibrar a discussão, dialogar com os setores até então excluídos e finalizar os projetos de alteração da Lei Rouanet e do Direito Autoral.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

20Comentários

  • Melinda, 19 de março de 2011 @ 0:33 Reply

    Ministério da Cultura x Ministério da arte hehe

    O que é arte? e o que é artista pra voces? Velho isso né? mas deixa pra la…

    Não é que você esteja errado o tempo todo, pelo menos nesse texto, afinal queremos mesmo o diálogo sobre LDA e a Rouanet. Mas não sei do que tanto se queixam os chamados artistas. Foram muito maltratados mesmo?

    Se o MINC mudou a clientela, quem era atendido antes de Juca/Gil? O MINC passou a ser um ministério que cria e implementa políticas públicas culturais junto com quem resiste deixando a Cultura Viva (ótimo nome tambem). Foi um ministério que chegou a lutar pelas por políticas de estado, embora voce nao concorde com as posições deles.

    Não concordamos com relação a esses dois projetos de lei e possivelmente podemos discutí-los. O que ocorre é que não se está apontando para esse diálogo.

    A prioridade do MINC hoje é construir praças. É pior do o velho “levar a cultura para determinada população”. É levar edificações para as cidades, de maneira standardizada, em convenios com prefeituras e sem a participação da sociedade civil. Imagine quantos coretos vazios. E a estátua vai ser de quem?

    A falta de prioridade para o Cultura Viva é patente no orçamento desse ano, principalmente em vista das PACs. E o Sr. ainda fala de mudança de clientela quando no MINC de Gil/Juca gastou-se 1,36% do orçamento do com os Pontos de Cultura em 2010.

    Desculpe, mas toda vez que você fala em mudança de clientela parece bastante pedante, quase um nojo de pobre. Um preto-velho bem bravo baixa toda vez que você fala isso :)

    A Ministra vai discutir direito autoral com os americanos, agora na visita do Obama e quem será que será colonizado por multinacionais? como você insinua no texto…Veremos

  • Rinaldo Guerra, 19 de março de 2011 @ 0:38 Reply

    Há necessidade da arte? Se vamos à História, comprovamos que sim.
    O espírito humano tem na expressão artística,na capacidade de criar objetos de arte, de produzir arte,uma das características que o distinguem dos outros animais.
    Em tese, todo ser humano pode ser um artista. Mas a arte é também fruto de um trabalho,um empenho. E aí chegamos aos fatos incontestes da divisão do trabalho,das capacidades individuais, das necessidades individuais.
    Em todas as culturas nota-se o apreço e a admiração por aqueles que produzem arte.Sabe-se que ao artista é preciso dar condições para que possa se dedicar,se aperfeiçoar e transmitir os seus saberes artísticos. Essas são realidades que não podem ser ignoradas.
    Como também não pode ser ignorado que vivemos num sistema capitalista, sujeito a crises cíclicas e envolto nas idéias de lucro, propriedade privada, individualismo e competição. Querer que o artista “compartilhe” a sua arte,não obtenha ganhos com o seus produtos é simplesmente espoliação.
    Se queremos que tudo seja compartilhado, comecemos por compartilhar a terra rural e urbana, os meios de produção etc construindo um outro sistema social e econômico. Querer socializar a produção artística,no atual sistema, é cometer uma violência ciminosa contra os artistas.

  • Leonardo Brant, 19 de março de 2011 @ 22:19 Reply

    Melinda, meu texto fala sobre a mudança de clientela, uma distorção (não intencional, acredito) da proposta original de Gil. E fala tb da necessidade de retomar essa proposta. Não prega o abandono de uma em detrimento da outra. Fala da retomada da ideia original do Cultura Viva, que está morrendo de fome e está desarticulado como programa. Foi dado o primeiro passo para ele se reorganizar. Faz um ano que não se paga nada aos pontos. E o Minc fez os primeiros pagamentos. Sem acertar esse problema urgente, não é possível retomar e reconstruir o programa.
    Quanto às acusações, sou entusiasta e um colaborador de primeira hora da Política Gil. Tenho minhas críticas sim à condução dada por Juca, mas acho isso menor nesse momento. Há pontos positivos e muita coisa boa a ser retomada. Existe uma herança positiva e uma necessidade de diálogo e não de exclusão.
    Em relação à discussão sobre a arte e o artista, acho que ela é mais atual do que nunca.

  • Joao Parahyba, 20 de março de 2011 @ 20:57 Reply

    Leonardo, nós sabemos que pra um bom entendedor meia palavra basta.
    Meus parabéns pela lucidez diaria.

  • Marcos, 20 de março de 2011 @ 22:22 Reply

    continuo a conversa (sem desconsiderar o viés que Leonardo coloca aqui); ninguém pergunta se a sociedade precisa de médicos… se fala na Saúde. Nem se pergunta se precisa de professores; falamos na Educação. Está implícito que os médicos e os professores precisam de boas condições de trabalho se quisermos uma boa saúde e uma boa educação. Acho que [rigorosamente em termos de políticas públicas] devemos pensar o artista da mesma forma: falarmos da arte, da cultura, da educação e do papel que o artista tem aí. Se debatemos modelos distintos no país que combatam a vergonhosa concentração de renda no campo socio-economico, estamos igualmente discutindo isso quando falamos das possibilidades nas políticas culturais.
    O problema das discussões nesse campo é que suscitam paixões e idiossincracias típicas de nossa cultura, personalistas, apaixonadas, ególatras, ufanistas, etc. e, principalmente, deixam um espaço enorme entre o que se fala e o que de fato se pratica. Saúva muita e concretude pouca, os males do Brasil são…

  • Marcia Oliveira, 21 de março de 2011 @ 9:31 Reply

    Muito além de um ponto de vista, este texto se torna poético ao retratar a realidade do artista, que enquanto povo e ou cidadão, vai resistindo e persistindo em seu trabalho criativo em meio ao desprezo e descomprometimento da política para com o seu fazer artístico.
    É o homem do povo, aquele que se compromete gratuitamente com a criação, que conduz a história da arte.
    E por ser o ato criativo algo que vem do coração e da vontade de dizer parece que é simples, principalmente para o leigo que em sua arrogância às vezes se coloca diante daquela poética para dizer: ” – Isso? Assim eu também faço!”.
    E sabe o que penso ser um caso de estreiteza e omissão? Estarmos ainda em tempos de discutir e acercar as leis que vão beneficiar o artista homem do povo.

  • gil lopes, 21 de março de 2011 @ 11:43 Reply

    Tem sempre muita coisa boa por toda parte, no ambiente da gestão anterior na Cultura é que fica muito difícil encontrar. Entregue ao PV, o resultado é ridiculamente trágico. A ideia foquista de produzir Do-Ins culturais gerou dívida enorme a ser paga e muito pouco avanço. O abandono do centro onde se disputa a presença cultural nas 5 principais cidades brasileiras cuja população chega aos 50 milhões e a renda é maioria no PIB nacional teve como consequência uma presença do conteúdo estrangeiro crescente e avassaladora: na música, nas artes cênicas ( dança e teatro), na literatura e no cinema. A ausência de política para o novo meio digital produziu uma cultura de pirataria e nenhuma reflexão sobre caminhos para monetizar a circulação de arquivos pela Internet, nem o Itunes difundido em vários países passou na porta. A ausência de crítica a Lei Rouanet, único instrumento de incentivo ao patrocínio da cultura no Brasil através de isenção fiscal, igualou o conteúdo estrangeiro e o nacional, criando uma desproporção danosa ao produto nativo. Com o câmbio favorável, os custos zerados na partida e a midia global, o incentivo fiscal para a produção cultural estrangeira acrescenta vantagens incomparáveis na sua inserção no mercado interno.
    Ideias evasivas e escapistas como Criative Commons protagonizaram aqui o espaço de discussão impedindo o avanço social para as questões da produção de riquezas e crescimento de meios.
    É preciso começar do zero infelizmente, se nas relações públicas internacionais o ministro Gilberto Gil foi incomparável, no exercício da pasta da Cultura não aconteceu.
    A visita espetacular do presidente OBAMA entre nós é uma demonstração da importância da Cultura no âmbito das Nações, em seu discurso revelou que o primeiro contato com o Brasil: através de um produto cultural…um bom motivo para refletirmos sobre nossa capacidade atual de repetir eventos como aquele, de verificarmos os incentivos que promovemos para multiplicar os Vinicius e os Jobim entre nós…nossa dramaturgia e nossa música, onde estão?
    É preciso mudar, e rápido.

  • Carlos Henrique Machado, 21 de março de 2011 @ 16:14 Reply

    Essa tipificação “artista” dentro de um contexto de “especialistas” do neominc-neocom é, na verdade, a paróquia dos nacionalistas do verde-oliva Zé Carioca.

    Esse tributo ao salvador de uma nação, “o artista”, é o conto do vigário que veio da tribuna sagrada das cruzadas inquisidoras seguidas de catequese jesuíta. Este pacote, Ana de Hollanda e suas intervenções de ação de graça, tem horas que me faz rir.

    O que Ana está criando e você aplaudindo, Leonardo? A congregação dos diplomados em arte? Quem logrou a eles o distintivo, a moral pontificada? O bispo conde da paróquia dos deuses vivos? Então teremos o sacrifício de quem a tribuna, criada pela nova confederação, não entende como artista subestimando os fatores da estrutura social da nossa cultura? Então, Está proclamada no Brasil a ignorância sistematizada!!.Viva a princesa regente do Ecad!
    Viva a santa-multinacional-do-Pau-Oco!

    Vamos tentar entender o que disse Mário de Andrade sobre a música brasileira que parece ser a única coisa que interessa à Ministra por se tratar do grande interesse do Ecad:

    “A música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora”.

    Precisamos entender melhor a música de um povo. O saculejo manifestado pela temática da ignorância que jorra hoje no MinC, não tarda a cair num absoluto ridículo. Por isso, Leonardo, não inflame tanto o seu espírito num vibrante e repetido apoio à ópera-cômica que a batuta de Ana de Hollanda está regendo para justificar única e exclusivamente interesses das multinacionais.

    Aliás, Leonardo, gostaria de lhe sugerir duas matérias para serem postadas aqui no C&M: a entrevista de Sergio Amadeu no blog do Zé Dirceu e a matéria do Estadão de Tatiana de Mello Dias e Rafael Cabral, reproduzida no blog do Nassif sobre o indisfarçável entreguismo de Ana de Hollanda.

    sss://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=2&Itemid=3

    sss://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-visita-de-obama-e-o-minc

  • Leonardo Brant, 22 de março de 2011 @ 2:20 Reply

    Marcos, a comparação entre médicos e artistas talvez não seja válida. A natureza do trabalho do artista é diferente. Não é um prestador de serviços, sua obra não atende a um propósito da política e não necessariamente tem a missão de cumprir tarefas diante do desafio da construção do imaginário. Acaba cumprindo um papel importante na sociedade, mas não existe para isso. Acho meio perigoso até exigir do artista qualquer função prática, na lógica da prestação de serviços. Mas estou convencido que sem meios de autosubsistência o artista se enfraquece e perde sua capacidade de diálogo com o poder, com a política, com o mercado. E consequentemente sua capacidade de influenciar no complexo sistema definidor do repertório de nosso imaginário coletivo.
    Mas existe uma discussão implícita na sua que me interessa bastante, que é a da profissionalização do artista. O artista profissional e o artista amador gozam do mesmo status e o paradigma de financiamento se tornou o do artista amador. Tem edital público que oferece 10 mil reais para mestres de cultura popular. Como podemos exigir que esse mestre sobreviva da sua arte com 10 mil reais? Não é por mês, nem por ano. São 10 mil para a vida toda!
    Ou viver da arte já não é tão importante assim?

  • Carlos Henrique Machado, 22 de março de 2011 @ 10:07 Reply

    A total falta de bom senso vem pautando a produção cultural brasileira.
    Não podemos pautar as coisas pelo profissionalismo ou não do artista, isso é de um absurdo sem fim!

    Guinga é dentista, Romero Lubambo é engenheiro, Donga era oficial de justiça, Jacob do Bandolim, escrivão, Candeia era policial, Dona Ivone Lara, enfermeira. Ari Barroso era tudo, e aí, como fica?

    Imagina Leonardo, se pautássemos por sua fala, quantos talentos mais desperdiçaríamos!

    Eu disse aqui incansavelmente que a origem da esquizofrenia no campo da cultura vem da falta de grandeza da doutrina do Estado, agarrada até os dias de hoje, ao que o velho mundo lhe impõe. Então, a partir desse Estado burguês, toda a filosofia econômica e social da cultura institucional repete a mesma toada. Esse aboio emprega uma temática oficial anti-nacional e, a partir de então, fica fácil enxergar o coeficiente dessa lambança patriarcal que ainda mantém a cara enjoada para o que é brasileiro.

    É muita soberba desperdiçada que escutamos e lemos por aí. Tem gente que acredita mesmo que tem sentimentos mais sofisticados (dentro de suas lógicas de compreensão), tudo a partir de determinações fisiológicas. Gostamos tanto de falar da nossa pluralidade cultural, única no mundo, da nossa diversidade que não pára de escutar os nossos sentimentos. E aí, o que fazemos? Damos importância ao individualismo diletante? Na verdade, Leonardo, não saimos dos tempos do império. A cultura institucional no Brasil é de um atraso mental típico da acomodação de quem se garante cartorialmente. Nas ruas, em espaços públicos, de forma franca e direta, os movimentos da cultura são bem outros, peça por peça, gênero por gênero, depende ou não de processos naturais de aprovação da sociedade para ter caráter de obra.

    É difícil tanto os moços quanto os velhos que adoram falar em futuro se desgarrarem dessas causas civilizatórias do embranquecimento de suas almas, por isso tentam imprimir a todo custo e modo, um caráter técnico em tudo por uma questão meramente convencional. O resultado será sempre o mesmo, os sofisticados (papel carbono) de um lado e, do outro, a sociedade, a nação brasileira com suas normas sociais capazes de filtrar ou impulsionar aquilo que coincide com a sua alma. Mas vai explicar isso para essas cabeças empacotadas!

    Precisamos é saber mais de nós mesmos.

  • Leonardo Brant, 22 de março de 2011 @ 10:44 Reply

    Precisamos discutir sobre a necessidade ou não de tornar a atividade artística profissional. Não é uma proposta fechada. Pelo contrário. Em minha utopia todos somos artistas e criadores, todos somos filósofos e pensadores, todos somos autores e protagonistas. Meu ideal é a da paideia. E quando todos somos artistas, ninguém é. Nesse sentido, prefiro um mundo sem artistas. Mas a dura realidade nos revela o preocupante oposto, que é uma luta para garantir subsistência dos artistas e pensadores, os únicos remanescentes de uma sociedade largada ao consumo e ao esvaziamento de sentidos.
    Não quero jogar essa responsabilidade nas costas dos governantes, nem restringir essa questão aos corredores do planalto. Isso é algo que afeta o dia-a-dia do cidadão comum e seus hábitos de consumo. Nunca vi ninguém reclamar dos R$ 25 pagos numa sessão 3D do Shopping Center, mas há um movimento, que é moral e ideológico, cobrando dos artistas a cessão dos seus direitos. Ao contrário, devemos garantir ao artista a sua autonomia para dispor ou negociar esses direitos. Confio no bom senso do artista, mais do que na canetada do governo.

  • gil lopes, 22 de março de 2011 @ 11:05 Reply

    Saber mais de nós mesmos e do mundo. De nós mesmos valorizando nossa expressão, do mundo escolhendo as parcerias, não dá para caminhar sozinho. Não dá pra entender a lógica que não admite a parceria com a indústria internacional da música, cuja aliança foi vantajosa para a consolidação da música brasileira interna e externamente no seu período de desenvolvimento, e por outro lado permite subsídio através de isenção fiscal idêntico para produto cultural nacional ou estrangeiro. Os slogans entreguistas, anacrônicos e mal parados, decorrem da análise tosca e atrasada de alguns que se pretendem porta vozes do bom caminho na Cultura.
    Primeiro estabelecer vantagens para a criação de conteúdo nacional, é evidente. Depois, articular parcerias e sociedades que promovam competitivamente o produto nacional, como de resto em qualquer setor.
    No caso da música, antes do novo advento tecnológico que simplesmente nos levou a debacle atual, o incentivo fiscal do governo foi muito bem aproveitado e internamente a hegemonia do produto nacional superou 80% do mercado nativo e se internacionalizou. Más práticas são absolutamente contestadas, mas os conseguimentos precisam ser ressaltados. Onde está o entreguismo?
    Enquanto isso, por conta de um erro na lei de incentivo a patrocinadores, as vantagens do conteúdo estrangeiro em nosso mercado excedem ao câmbio favorável, a midia global, aos custos de origem, ainda gozam da mesma isenção fiscal do produto de conteúdo nacional. Onde está o entreguismo?
    Precisamos saber mais de nós mesmos e dos outros.

  • Carlos Henrique Machado, 22 de março de 2011 @ 11:35 Reply

    Leonardo
    A sociedade brasileira sempre valorizou seus artistas, sempre se articulou para erguê-los, além de ser a grande mecenas da produção cultural brasileira, nunca quis se apropriar de obra alheia. Essa guerra civil desencadeada pelo Ecad que Ana de Hollanda comprou antes mesmo de tomar posse no Ministério da Cultura, é admirada apenas pelas multinacionais representadas por quem a ministra recebeu, no dia 18próximo passado , em seu gabinete.

    O povo brasileiro tem pleno senso de justiça, amor por sua cultura, além de ser entusiasta da liberdade criativa. É isso que Ana precisa entender com sua rígida fidelidade ao método e à documentação impostos pelas major’s via Ecad. A sociedade sabe perfeitamente bem revelar seus artistas.

    O governo Lula teve a sensibilidade de caminhar com a sociedade e compreender os interesses profundos da cultura brasileira. Por isso, a minha grande admiração pelos pontos de cultura, pois eles jogaram luz na cultura que tem função social, mas, sobretudo é a semente do conhecimento criativo que pautou historicamente as nossas melhores produções científicas.

    Como disse Mário de Andrade: “o universo erudito se nutriu dos elementos da sociedade já depurados pela mesma. Jamais esse universo livre e espontâneo se pautou pelos aspectos científicos determinados pela obra ou pelo pensamento dos mesmos”.

    A questão, Leonardo, é conseguirmos desmistificar o oráculo dos sofisticados. É essa escravidão mental que se acha a grande detentora da função social do velho Estado que aplica um fundo de extremo racismo, pois insiste na predominância das teorias da supremacia da raça branca em todo o mundo da cultura. Aí, toda a harmonia e amizade da nossa cultura mestiça bate frontalmente com a cultura de particularidades da velha colônia, pois ainda é afeiçoada pelos que creem que, chicoteando a sociedade, o comportamento coletivo seguirá os líderes do topo da obra-prima.

    Na verdade, podemos afirmar que ainda registramos de forma espantosa em pleno século XXI uma divisão social de classes proposta pela baioneta do velho Estado oligárquico. Seria tudo tão mais simples se permanecêssemos firmes na ampliação dos pontos de cultura para deixar soar livres todos os cantos e contos do povo e permitir que ele tomasse pelo entusiamo da alma todas as frestas e erguesse o espírito, como é o do carnaval, quando todos somos artistas e público e podemos, de forma solidária, aplaudir entre nós o que é mais rico e mais criativo.

    A crise no mercado piorou muito as coisas, porque todos estão correndo para justificar seus privilégios na introdução geral do projeto de catequese, fazendo nesse mundo confuso mais confusão. A sociedade agora, através da internet, passa a determinar com precisão as intencionalidades, quando boas e equilibradas, servidas com ética, serão aplaudidas. O olimpo que determinava o conceito das ondas da pedra na bacia acabou denxando muitos órfãos que agora correm para o Estado, para as leis de incentivo.

    Estou convencido de que a cultura brasileira está precisando mesmo é de uma marreta para dar na cabeça desse universo obtuso que está num estágio letárgico há 511 anos dentro das velhas e novas masmorras culturais. Quem sabe assim o camarada, levando uma pancada na cabeça, se toca que os homens vivem não de uma tradição cartorial, mas de suas sensibilidades.

  • Robson Santana, 22 de março de 2011 @ 20:02 Reply

    Caro Brant, não é um exagero querer uma sociedade sem artistas? A Paideia produz homens (e mulheres) livres e esta liberdade, como você mesmo diz, deve ser uma liberdade inclusive para decidir se quer ou não quer ser artista. Ou seja, mesmo se a sua utopia se tornar realidade, e todos pudermos ter condições de ser artistas, mesmo assim ainda alguns desses homens livres não vão querer se dedicar às artes. Ainda considerando a sua utopia, a arte seria ainda mais valorizada.

  • Luiz Carlos Garrocho, 22 de março de 2011 @ 21:52 Reply

    Brant

    “Arte” e “artistas” são categorias que prevalecem dentro de um sistema de mercado. Pois o homem que se esconde dentro de um bumba-meu-boi não assinada é um anônimo. E não é um artista? Claro, essa discussão não faz mais sentido… No entanto, continuamos a afirmar esse valor. Principalmente quando a ministra Ana de Hollanda fala num retorno à “centralidade do artista”. Voltar à idéia do “gênio artístico”?

    Dizer que a sociedade precisa de “artistas” é afirmar valores de mercado. Até aí não produzimos nada novo. Há todo um sistema que agencia a propriedade intelectual. O arquiteto Patrik Schumacher,
    que lida com os diagramas deleuzianos, trabalha com processos coletivos e colaborativos num escritório renomado. Ele diz que, apesar do trabalho ser todo coletivo, no final da linha o mercado precisa de um “autor”.Enfim, um “autor-proprietário” surge no final da linha. Vale a pena citá-lo:
    “O capitalismo reforça a idéia de que a produção cultural e
    as idéias criativas necessitam ser alocadas em indivíduos dominantes e prevalecentes. Há uma obsessão do capitalismo em pensar desta forma porque sob o capitalismo o esforço criativo, as conquistas coletivas e a inovação no trabalho são sempre apropriados por indivíduos, proprietários.”

    Vincular a categoria “artista” e “propriedade intelectual” me parece somente uma justificativa. É o que faz Ana de Hollanda, afinal. Ela traz ao Minc o agenciamento maquínico ao que se vincula: a trajetória de uma artista individual num segmento de mercado.

    As artes estão mudando e as categorias de “artista” também. As operações em rede não são uma metáfora de grupinhos online,como sugerem alguns. São modos conectivos e diferenciais de produzir e criar. Nicolas Bourriaud, por exemplo, apresenta práticas e pensamentos que não mais se deixam capturar e entender pela ótica da “obra de arte” mas sim de uma “arte relacional”, de uma conviviabilidade e de processos de pós-produção.

    O nosso zeitgeist contemporâneo não se deixa capturar pelas categorias de “arte” ou de “artista”, E nem mesmo pelas categorias de “amador” e “profissional”, como se fossem coisas excludentes.

    Então, falar da sobrevivência de uma artista autor e proprietário, é somente dar crédito a um lado da questão – de como o ser humano, afinal, se reiventa e que forças se apropriam disso.

    Por fim, quero voltar ao tema recorrente: não há orquestração para desestabilizar Ana de Hollanda. Nesta altura do jogo, ela já não é somente uma pessoa, mas todo um agenciamento do qual faz parte. Sãos os vínculos desejantes que a produzem como pensamento artístico que estão operando no cenário. E estes, estão se fazendo no Minc, num campo que foi deflagrado pela abertura rizomática, pela participação, pela apropriação simbólica e diversificada. E no entanto, o discurso de Ana vai na contramão de tudo o que foi feito. Esta é a questão!

    Política pública não é o lugar do universal abstrato e formal. Antes disso, é o lugar da disputa, entre forças que procuram prevalecer. E o “comum” atravessa tudo isso.

  • Carlos Henrique Machado, 23 de março de 2011 @ 8:25 Reply

    Perfeito Luiz Carlos Garrocho!

  • Leonardo Brant, 23 de março de 2011 @ 8:52 Reply

    Exatamente Robson. Você fez a ponderação e o ponto de equilíbrio que o meu comentário anterior não tinha feito.

    Concordo com Garrocho também, quando fala da relação entre arte e mercado. Estou falando disso mesmo, de um mercado que dê dignidade ao artista e criador. Esse mercado não compreende a profundidade e complexidade do fazer artístico. Pelo contrário, reduz e lineariza tudo (não só a arte, a filosofia e a ciência).

    Comecei a ler neste fim de semana o excelente “A Cultura-Mundo” de Gilles Lipovetsky (farei uma resenha em breve). Ele fala de uma culturalização do mercado e de uma mercantilização da cultura, como dois lados da mesma moeda.

    Penso que a aura perdida do artista, denunciada por Walter Benjamin, só poderá ser reconquistada nas entranhas do mercado, ou da cultura-mundo. Ignorar o mercado significa confinar a arte ao estado falimentar que se encontra.

    Pode parecer ode ao mercado, mas não é. O mercado avança de qualquer jeito, com ou sem espaços de criação e reflexão. É uma força motriz sem freios.

    Quanto à questão da ministra, não estou convencido desse retrocesso. Não vejo sinais claros disso. Vejo uma tentativa de indução ao equilíbrio das forças que compõem essa cultura-mundo. E vejo isso com bons olhos.

  • Carlos Henrique Machado, 23 de março de 2011 @ 15:02 Reply

    Desculpe-me o jeito Leonardo, mas tem hora que você insiste em confundir política de Estado com política de quitanda com essa visão varejista de mercado.

    O conceito de economia se aplica ao conjunto da sociedade. O Ministério da Cultura tem que ter a grandeza de um Ministério da Cultura e não se ater à visão de uma confraria da rosa mística, dos anjos e arcanjos da indústria cultural.

    Ana e Grassi estão tentando usar o bordão mercado como amuleto de um objetivo político que num passe de mágica destroçou a infraestrutura do próprio MinC. Sem ter nada para colocar no lugar, tentam criar, num capítulo a cada dia, uma rápida propagação com uma salva de foguetórios de um mercado apresentando-nos um rosário de especulações em torno do que já seria absurdo para a grandeza do Ministério da Cultura, a isso podemos de uma fábrica de crises políticas. Na verdade o que Ana e Grassi que estão mostrando é que são dois sacerdotes sem santo, o santo que deveria fazer a milagrosa passagem de um mercado passivo a um mercado ativo segundo as normas do neo-medalhonismo sagrado.

    Estou esperando o resultado desse mingau conceitual que diz ser a consagração total dos iluminados que se encontram órfãos da indústria multinacional e partem para dentro do Estado para viver de subvenção pública via lei de incentivo ou de um canal político direto com a firma, o MinC.

    Olha Leonardo, você sabe mais do que qualquer um que os defensores da Lei Rouanet ficaram aí durante vinte anos pererecando, saracoteando em defesa desse lixo neoliberal. Não apresentaram um único balanço positivo, é só captação, captação, captação, um duto sem fim extraído da sociedade pirata para quem os dedos de Ana de Hollanda e do Ecad apontam sentenciando como sociedade pirata dentro desse universo particular que é, antes de tudo, como mostrou o seu encontro com o Ministro do Comercio Americano que esses interesses são, em última análise, anti-nacionais.

    Todos os dias temos uma nova e negativa notícia do Ministério da Cultura fabricada pela Ministra e seu fiel escudeiro Antonio Grassi, são os dois roteiristas dessa crise em capítulos. Na verdade, acaba sendo o que eles desejam, o Ministério como modelo de uma novela trash.

  • jair Alves, 24 de março de 2011 @ 4:55 Reply

    Leonardo,

    Vc obviamente domina mais do que ninguém o roteiro de discussão desde o início destes debates sobre cultura e mercado. Qualquer observação minha a título de “questão de ordem” ficará sempre sujeita a essa seqüência que ao entrar eventualmente, de sola, seja qual tema for, será relativa. Peço que releve tudo o que vier a seguir e com esse cuidado é que pretendo ter ao tentar contribuir. Convenhamos, ninguém se mete a colaborar para levar pancada. Certo? Por outra ainda vejo neste site (CM) a possibilidade de contribuir ora para os artistas e produtores, ora para o que profissionais como você originário do meio publicitário entendem por mercado. Assim sendo, vai minha observação;

    Como todo respeito, este cenário que você pinta para discutir a necessidade do artista para a sociedade não é real, é apenas uma fotografia que não trás para o foco central as maiores contradições de nosso tempo, nem as menores. Compreendo as dificuldades que enfrenta para manter acesa uma discussão de nível, afastando tanto quanto possível os predadores, ao mesmo tempo em que estimulam o surgimento de novas pautas que chamem atenção dos seus mais assíduos leitores. Potencialmente você tem muitos leitores, mas sinceramente não sei por quanto tempo a continuar como tem acontecido. Sou propenso apoiar as duas intervenções aqui feitas neste tópico por Gil Lopes e por Rinaldo Guerra. Quanto à determinada atuação nos fóruns de discussão, mais próxima a uivos de cachorro louco, desprezo inteiramente. Acho que é urgente abandonar a pauta ministra, não ministra, gestão anterior gestão atual. Isso só interessa as viúvas de Gilberto e Ferreira. A história da música brasileira, do teatro brasileiro, das artes plásticas brasileiras, dos artistas brasileiros sem dúvida é mais importante do que essa discussão muito próxima do inútil.

  • Bruno Cava, 24 de março de 2011 @ 10:11 Reply

    A contribuição de Luiz Carlos Garrocho repropõe o debate em termos riquíssimos.

    Que é o autor hoje senão uma função do mercado? uma operação de transformar a força viva, a potência da arte em uma mercadoria? que é a fetichização do autor promovida pela indústria senão a repetição ad aeternum de uma marca? uma grife? quantos não são os “autores” fabricados, quantos filhos, sobrinhos, primos e IRMÃS de artistas não auferem sua imagem graças a essas operações?

    Oswald de Andrade não cessou de satirizar e desconstruir a idéia de cultura nacional (integralista), o erro simétrico do entreguismo colonizado (udenista). O do-in antropológico reatualiza a antropofagia, cujo vigor está no remix, na des-autoria, na des-mercantilização, na libertação da arte de suas injunções e contrições mercadológicas: é o parangolé, é Deus e o Diabo, é o tropicalismo.

    Oiticica passou a vida se deixando invadir pela multiplicidade colorida dos morros sem incorrer em populismo. E Gláuber. E Zé Celso. São autores? Sim, mas que fizeram de tudo para libertar a arte da autoria, da mercadoria fechada, da grife. O mercado insiste em anulá-los como objeto de culto e entretenimento e valor de troca, mas a obra deles continua pulsando multitudinária.

    Toda pessoa tem dimensão criativa, política e produtiva, mas nem todos têm condições de exercê-la, pois massacrados por uma impotência induzida, por uma separação das esferas da vida. Contra tudo isso lutou a década de 1960, a tropicália, a arte conceitual, a militância das minorias, a construção e partilha de um novo mundo.

    Só interessa a separação supralunar do Artista, — ficção do pequeno Deus que verte das Musas a Criação, — quem vende produtos com essa marca, quem está no topo da pirâmide social da “classe artística” e disso se beneficia narcisicamente (e não à toa é escalado pela ministra para defender o ECAD e o atual MinC) e quem prefere governar uma massa de consumidores passivos a uma multidão de cidadãos criativos, potentes e politizados.

    Abraço.

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