A produção audiovisual tem hoje diversas fontes de financiamento, com recursos abundantes. O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), principal delas, supre parte das necessidades, com arrecadação crescendo a cada ano. O BNDES Procult tem sido outra importante plataforma, oferecendo condição de crédito associada ao investimento em projetos audiovisuais. Além disso, há os programas de desenvolvimento de empresas como a RioFilme e a Spcine.
Com tudo isso, estaria esse setor melhor preparado, entre todos os da cultura, para superar as atuais dificuldades econômicas do país?
“Não necessariamente”, afirma Rodrigo Guimarães, gerente executivo de desenvolvimento econômico da Spcine e ex-gerente comercial da RioFilme. “Vai depender de como a dificuldade de crescimento do país afetará o consumo geral, o lucro das grandes empresas patrocinadoras e o contingenciamento dos recursos públicos destinados ao financiamento da produção independente”, explica.
A redução do consumo geral – ainda que isso seja apenas uma expectativa -, diz Guimarães, impacta negativamente a disposição de investimento do mercado publicitário e, consequentemente, o financiamento das atividades de TV aberta e TV fechada, por exemplo. É possível que haja algum impacto no faturamento do mercado de salas de cinema também, embora provavelmente em menor grau (vide os dados do primeiro trimestre divulgados na última semana pela Ancine). Por outro lado, talvez seja uma oportunidade para os segmentos de VOD (vídeo on demand) e OTT (conteúdo de vídeo entregue através de meios alternativos), já que têm um custo por espectador abaixo de outras atividades de entretenimento e as pessoas talvez optem por um consumo em casa maior que um consumo externo.
“Pelo lado do financiamento à produção audiovisual, uma redução dos lucros das grandes empresas patrocinadoras, ou novamente uma expectativa na redução de seus lucros, gera uma retração direta e imediata do volume de investimento, tendo em vista que tal investimento está diretamente ligado ao volume de imposto de renda a ser recolhido, e menor lucro, menor o volume de imposto de renda”, afirma.
Neste cenário, segundo Guimarães, o FSA possui uma atuação muito importante, que é a de operar na contramão da retração de investimentos à produção independente, ampliando o volume de recursos de forma a dar suporte ao mercado de produção e, consequentemente, infraestrutura audiovisual e mão de obra. “Este mecanismo pode também não sair ileso de um processo de contingenciamento, o que seria muito ruim para o setor. Por outro lado, as recentes iniciativas regionais de investimento no setor audiovisual ajudarão a segurar uma possível redução no volume de investimento geral, seja lá por que motivo for.”
Para Ricardo Rozzino, sócio da produtora TV Pinguim, o FSA e o BNDES Procult trouxeram novas e importantes ferramentas de financiamento ao mercado. No caso do Procult, levar ao empreendedor o risco do negócio é saudável. Mas no caso do Fundo Setorial, embora venham melhorando, as regras para produção de TV apresentam uma dificuldade significativa de acesso aos recursos e ainda há uma carga burocrática importante em todos os processos.
Ele lembra que os mecanismos de fomento via recursos incentivados, embora positivos e necessários, são sempre incertos e demorados, e não é possível fechar um contrato com uma TV e esperar anos para captar os recursos necessários para a produção. Por isso, é necessário buscar alternativas de retorno financeiro dos produtos. “Embora esse retorno em determinados projetos culturais seja bem difícil, não é impossível. O marketing/patrocínio é o modelo imediato mais viável, especialmente quando não depende de incentivo fiscal. Ou seja, o patrocinador tem interesse no produto. É desejável também ter resultados positivos de bilheteria, ingresso, acesso.”
Debora Ivanov, sócia e diretora da Gullane Entretenimento, entende que os produtores e as TVs estão ainda se adequando ao cumprimento de cotas, testando modelos de negócios, modelos de produção etc. “Os prazos para a produção da televisão são uma dificuldade grande, pois as grades de programação exigem grande agilidade e há um descompasso entre essa necessidade de agilidade e os investimentos necessários para a operação”, afirma. Para ela, é importante buscar fontes de financiamento privado, das TVs e dos anunciantes, na produção de conteúdos. “Isso já está acontecendo, mas é preciso crescer.”
Concorrência – Um grande salto na qualificação dos profissionais e no envolvimento de entidades públicas e privadas ajuda o setor audiovisual a ficar à frente de outros no que tange às necessidades para superar crises econômicas, segundo o consultor da área, Yuri Teixeira. Ele acredita que os profissionais dessa indústria estão cada vez mais familiarizados com práticas diversas, heterodoxas e flexíveis, e a “pensar fora da caixa” para viabilizar projetos.
No entanto, a intensificação da concorrência a partir da lei 12.485 é uma realidade. Então, o que diferencia aqueles que conseguem financiamento dos que ainda “patinam” nesse mercado?
Para Teixeira, é saber explorar o ponto forte que cada projeto tem, o que pode ser a produtora que o realiza, e sua capacidade de entrega com qualidade; ou pode ser a massa crítica de audiência já conquistada por determinado canal; ou a capacidade de o produto audiovisual ter uma estratégia de promoção que o faça chegar ao público certo, dando um resultado qualitativo em detrimento de simples números brutos; ou ainda, mesmo que os itens anteriores não sejam seu forte, um bom projeto pode justamente ser insuperável na questão custo-benefício: trazer um resultado positivo diante de um investimento modesto ou mínimo.
“Em qualquer caso, e seja de que lado da mesa de negociação que o profissional esteja, acredito que o principal segredo para um projeto ir adiante é a flexibilização ao longo do seu desenvolvimento: a capacidade de um lado de se adaptar às necessidades (estruturais, financeiras, editoriais) do outro – sem perder o foco inicial que já se pressupõe que seja um ponto de partida em comum”, explica Teixeira.
Ele acredita que ainda há bons projetos que não foram a público, assim como também há dinheiro que poderia ser aplicado nessa indústria e acaba escoando para outros setores. Um exemplo é o fato de, na maioria das empresas anunciantes, consumidoras de mídia e apoiadoras em potencial, as áreas de Marketing/Comunicação e a de Políticas Culturais/Verbas incentivadas não serem totalmente integradas. “Investe-se hoje em um filme publicitário de 30 segundos o equivalente ao orçamento de um episódio inteiro – quando não mais – de uma série, naquele mesmo canal do espaço publicitário em questão. E em muitos casos o retorno é o mesmo, ou até poderia ser mais efetivo se a verba fosse aplicada na exposição da marca do investidor de forma inteligente, na produção de conteúdo audiovisual. Temos essas áreas de produção audiovisual – a da publicidade e a do conteúdo – trabalhando com parâmetros orçamentários completamente discrepantes. É preciso entender muito ainda do valor desses investimentos e de sua capacidade de retorno, para uma avaliação e estruturação pertinente de custos”, alerta.
Outro ponto, diz o consultor, é que não se vê muito no mercado a prática de diversificar o investimento. Ou seja, a maior parte das empresas prefere usar toda sua verba passível de renúncia fiscal em um único grande projeto, ou apenas nos projetos-chave de visibilidade inquestionável, quando há alternativas de políticas de apoio cultural consistentes, regulares, que fomentem projetos menores, mas também de menor custo e público mais segmentado. “A era digital nos permite fazer um trabalho criterioso de seleção de projetos e acompanhamento de resultados, mas em muitos casos ainda impera uma lei do menor esforço e do retorno fácil. Com isso perde-se muitas oportunidades de se desbravar mercados, incentivando novos produtos e novas linguagens, e assim contribuindo mais com o desenvolvimento econômico da área.”
O processo de financiamento de um projeto audiovisual, ou um portfólio de projetos audiovisuais, é longo e custoso. O segredo, segundo Rodrigo Guimarães, é ter fôlego para chegar ao final desta jornada, e para isso é cada vez mais recorrente a diversificação de atividades das empresas produtoras, de forma que elas tenham condição econômica de concluir o financiamento de seus projetos. “Esse é um dos principais motivos, se não o principal, que produtoras de publicidade e/ou outras prestadoras de serviço vêm incorporando a suas atividades a produção de conteúdo próprio, pois elas já são financiadas por outras atividades originalmente”, conta.
Algumas produtoras têm ido além e buscado financiamento no BNDES e recursos de fundos de investimento, para poder estruturar melhor suas empresas. Além do BNDES Procult, elas começam a abrir capital para a entrada de fundos de investimento, como foi o caso do Investimage 1 Funcine aportando recursos nas empresas Bossa Nova Films, Glaz e Oca Filmes.
Mas isso tudo pode ainda não ser suficiente. Para Teixeira, o que ainda joga contra todos os envolvidos com a indústria audiovisual e cultural como um todo é a falta de informação por parte da opinião pública e de seus formadores – os veículos de comunicação e mídia. “Para quem não está diretamente ligado a essas atividades, ainda há muito desconhecimento sobre as práticas e os critérios para realização e viabilização de obras culturais. Nota-se que não se entende muito sobre como funcionam leis de incentivo, o FSA, os programas de desenvolvimento, e se debate sobre projetos apenas com o intuito de polemizar, muitas vezes afastando potenciais apoiadores.”
Nesse sentido, ele aponta para a necessidade de um trabalho a ser feito por todas as empresas e instituições envolvidas com apoio, fomento, financiamento ou formação de profissionais da cultura em geral e da indústria audiovisual em específico: se aproximar da sociedade. “A cultura hoje emprega mão de obra dos mais variados níveis e especificidades, e está submetida a um controle de planejamento, desenvolvimento e prestação de contas que dificilmente se observa em outros setores. Aliás, se outros setores tivessem o grau de escrutínio, de acompanhamento e de prestação de contas que o setor cultural tem, muita coisa funcionaria melhor, ou no mínimo de forma mais transparente no Brasil”, defende.
*Ricardo Rozzino, Debora Ivanov e Yuri Teixeira estarão no Cemec dias 20 e 21 de junho para o curso Financiamento Audiovisual. Veja aqui a programação.