Entrevista exclusiva ao Cultura e Mercado: Ruy Cezar Silva, diretor do Instituto Casa Via Magia e principal articulador da vinda do evento a São Paulo em 2004Entrevista a Deborah Rocha
07/01/2003

Em 2004, durante dez dias, São Paulo receberá representantes de todos os continentes do globo para uma das maiores e mais esperadas reuniões culturais: o Fórum Mundial de Cultura. Ainda sem formato definido, o Fórum conta com importantes articulações com o Sesc de São Paulo, Instituto Itaú Cultural e Gife, Grupo de Instituto, Fundações e Empresas. O custo estimado é de cerca de US$ 8 milhões, que deverão ser financiados por órgãos de abrangência mundial, fundações internacionais e iniciativa privada.

Ruy Cezar Silva, diretor do Instituto Casa Via Magia e um dos principais articuladores da vinda do mega-evento ao Brasil, concedeu entrevista ao Cultura e Mercado e falou sobre as recentes negociações para a viabilização do Fórum e sobre o sonho de uma “governança informal global”. Como fundador e coordenador-geral do IV Mercado Cultural, realizado em Salvador, entre os dias 3 e 8 de dezembro de 2002, Cezar Silva comentou também a evolução e próximos desafios do evento.

Em que nível está a articulação do Fórum Mundial de Cultura?

O Fórum já está bastante articulado. Já aconteceram consultorias e encontros em diversos países. Os dois mais importantes tiveram lugar em Nova Iorque, com a presença de personalidades, jornalistas, ministros, fundações e corporações internacionais. Temos já uma corporação mundial e alguns comitês regionais e já foi construído um calendário latino-americano com reuniões em vários países e alguns encontros regionais. Em junho de 2003, teremos a Reunião das Américas, no México, e, em outubro, o Fórum Brasil, no Rio de Janeiro. O comitê brasileiro está em fase de organização sob a coordenação de Danilo Santos de Miranda e Marco Aurélio Garcia.

O que contribuiu para a escolha do Brasil e de São Paulo como sede?

Do Brasil, apresentamos apenas São Paulo como cidade candidata, através da carta da Excelentíssima Sra. Prefeita Marta Suplicy. O apoio do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), além do Sesc, também foi fundamental. São Paulo é uma cidade multicultural, cosmopolita, inovadora, que tem a capacidade de receber e lançar tendências. É ainda um dos mais importantes centros culturais da América Latina e do mundo. A importância cultural do Brasil cresce a cada dia. O impacto regional de um Fórum Mundial promete ser muito amplo. Toda a América Latina apoiou São Paulo e o Brasil, assim como outras regiões em desenvolvimento, como a África, o mundo árabe, a Ásia, não restando aos países centrais, cujas propostas incluíam Nova Iorque e Paris, outra alternativa senão a retirada destas candidaturas. A convocatória brasileira à integração e união entre os povos, com respeito e admiração à diversidade cultural, estética, étnica e religiosa, tende a ser mais confiável do que a dos países mais desenvolvidos economicamente, que estão sofrendo com as políticas restritivas e xenófobas. É o momento da liderança brasileira.

Como será o financiamento do Fórum?

Diversas organizações internacionais, regionais e nacionais estarão participando do apoio econômico ao Fórum Cultural Mundial em São Paulo. Numa das pontas de sustentação, está a Fundação Ford de Nova Iorque, ladeada pela Chevron Texaco (EUA), pela Prince Klaus Foundation (Holanda) e Príncipe Astúrias (Espanha). Na outra ponta, estarão o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo, além de organizações empresariais e da sociedade civil. Esperamos um forte apoio também do governo federal.

Os fóruns regionais no México e Rio já estão confirmados? Qual o objetivo deles?

O encontro do México, denominado Porta das Américas, pretende preparar as Américas do Norte, Central e do Sul, incluindo o Caribe, para o Fórum de São Paulo. O Fórum do Rio será o grande encontro brasileiro preparatório do Fórum Mundial. Balanços das políticas públicas e privadas brasileiras, além de um levantamento dos interesses das regiões, deverão apontar rumos e diretrizes que colocarão o Brasil na vanguarda do planejamento cultural, oferecendo propostas e modelos para o desenvolvimento integral, incluindo o social e o econômico.

Em declaração à Folha de S. Paulo, o senhor diz que a “intenção é criar meios de monitorar a cultura global”. O que isso significa?

O significado da frase “criar mecanismos para monitorar a cultura global” inclui o objetivo de agir com planejamento e intencionalidade nesta área, rompendo com o movimento repetitivo e monocromático das grandes indústrias do entretenimento, fomentando a pesquisa, a criatividade e a distribuição da produção artística contemporânea, valorizando as raízes culturais e a diversidade estética e fortalecendo as redes de intercâmbio periféricas, interconectando países ainda em desenvolvimento econômico, mas de grande riqueza cultural, como é o caso dos países da Ásia, África e América Latina. Quem sabe poderíamos sonhar com uma espécie de governança informal global, com mecanismos simples e descentralizados, que valorizassem as trocas de experiências e o desenvolvimento baseado no respeito mútuo e na fraternidade?

Como surgiu a idéia do Mercado Cultural?

A partir da estruturação da Rede Latino-americana (que hoje atua em todos os países da América Latina e do Caribe), assim como da organização de Redes regionais como a Caribnet, a Andired e a Rede Cultural do Mercosul, surgiram demandas sobre a produção cultural destas regiões de todas as partes do planeta. Redes européias, asiáticas e norte-americanas e, mais recentemente, do Oriente Médio e no Norte da África passaram a solicitar informações sistematizadas. Percebemos, então, a necessidade de criar um ponto de encontro, no qual fosse possível a troca de informações e experiências, facilitando a distribuição da produção cultural contemporânea, através das conferências, mostras artísticas ao vivo, workshops e da feira, onde muita informação sistematizada pode ser encontrada. Desenvolveremos então desde a parte conceitual até a práxis deste projeto complexo, denominado Mercado Cultural.

Como você vê a evolução do mercado cultural brasileiro nesses quatro anos de realização do evento?

Alguns sinais positivos começam a emergir, como a articulação de selos independentes de música e a criação de associações e consórcios para a distribuição da produção. Na Bahia, uma transformação importante está surgindo com uma nova e revigorante produção pós-axé, no caso da música. Artistas brasileiros estão ganhando espaço em mercados internacionais. Percebemos também um movimento ainda embrionário, porém significativo, de descentralização das referências, com a afirmação de pólos regionais em Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão e Rio Grande do Sul, aliviando o já sobrecarregado eixo Rio-São Paulo. Existem vários mercados não desenvolvidos e ainda sem estruturação. Fora das capitais, nas cidades médias e mesmo pequenas, existe um público a ser formado, com grande potencial para a apreciação da diversidade de ritmos, estilos e linguagens, que enriquecem a cultura do Brasil.

Como o Mercado Cultural vem acompanhando essa evolução e quais os próximos desafios do projeto?

Neste momento, estamos ativando alguns mecanismos de avaliação quantitativa e qualitativa sobre estes movimentos provocados a partir da existência do projeto do Mercado Cultural. Nos próximos seis meses, teremos uma publicação com os resultados destes estudos comparativos e também com discussões conceituais e informações sobre os sistemas de redes de negócios culturais. Estamos trabalhando também para lançar o Banco de Idéias e Oportunidades, vinculado ao portal da Rede Latino-americana, que conterá dados sistematizados sobre produtores, festivais, fundos para projetos, co-produções, patrocínios, auxílio técnico e bolsas de estudo, além de intercâmbio técnico e artístico. Tudo isto deverá otimizar os resultados do projeto do Mercado Cultural.

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