Um dos responsáveis por recolocar a pequena e pacata cidade de Cataguases, na zona da mata mineira, de volta ao mapa cultural brasileiro, Cesar Piva foi empossado recentemente no Conselho Nacional de Política Cultural. A cidade é referência em produção audiovisual, mecenato avançado e participação política qualificada, com inúmeros projetos estruturantes, todos eles com a marca do suor de Piva. Ele nos abre os bastidores do órgão e fala sobre sistema S, financiamento à cultura, participação popular e a relação do Conselho com o MinC.
Acompanhe a íntegra da entrevista concedida a Cultura e Mercado:
LB – O que é o Conselho Nacional de Política Cultural, sua importância no cenário político atual e como se dá a relação com o Ministério da Cultura?
CP – Em todo o mundo é crescente a percepção de que a missão de enfrentar os desafios desse milênio não deve ser mais de responsabilidade exclusiva de governos – é tarefa para todos os setores da sociedade. De que é preciso estimular processos e instâncias que promovam relações equilibradas e sinérgicas entre os setores governamentais, a iniciativa privada e a sociedade civil. De que devemos criar novos caminhos e práticas que alarguem a visão do que é público, do que é ética e ampliem a compreensão do papel central da Cultura na perspectiva do desenvolvimento humano e sustentável no planeta. Para o Brasil tudo isso é mais contundente, sobretudo, porque somos um país de proporções continentais, de intensa diversidade cultural, mas com imensas desigualdades sociais. Nesse contexto a instalação de um Conselho Nacional de Políticas Culturais, no âmbito do Ministério da Cultura, é uma grande conquista da sociedade brasileira.
LB – Como se deu a escolha dos conselheiros? Você considerou este um processo democrático? Você considera o Conselho efetivamente independente, ou há uma hegemonia político-ideológica reinante?
CP – Creio que o processo de escolha dos conselheiros fui fruto desse momento histórico em que vivemos. Na minha opinião, nos últimos anos experimentamos a ampliação da participação social nos rumos do país, sobretudo, de maneira propositiva e protagonista, diversa e desigual. No setor cultural não foi diferente. Desde 2003, inúmeros fórum e seminários pipocaram por todo o país, deu-se o inicio da experiência de câmaras setoriais. Pesquisas e estudos se aprofundaram. Participamos de conferências municipais, intermunicipais, estaduais e da 1ª Conferência Nacional de Cultura no final de 2005. Não podemos esquecer que nesse período tivemos a Convenção para Proteção e Promoção da Diversidade da Unesco. Por fim, o Conselho Nacional de Políticas Culturais é resultado desse momento, mesmo que protelado por 2 anos, as câmaras setoriais indicaram representantes, editais públicos selecionaram outros, instituições se mobilizaram, o Ministro escolheu seus pares. Não é pouco, sobretudo, para um país que viveu a década de 90, do século passado, abafado pela frase excludente de que “cultura é um bom negócio”, de poucos e para poucos. Enfim, o Conselho é resultante desse processo, um processo de construção política, com há se fazer é claro, sempre.
LB – O Plano Nacional de Cultura está no centro das discussões do Conselho. Como esse processo pode ser acompanhado e melhor apropriado pela sociedade civil?
CP – No final de 2007, o Ministério da Cultura reuniu, elaborou e publicou junto com a Câmara dos Deputados o Caderno de Diretrizes Gerais do PNC, disponível inclusive através do endereço eletrônico do Ministério. Esse Caderno busca refletir todo esse período de contribuições da sociedade brasileira. Coube ao Conselho Nacional de Políticas Culturais, nesse início de 2008, analisar, aprofundar e qualificar ainda mais esse caderno, tanto em plenário do Conselho, quanto em comissão temática constituída especificamente para esse fim. Vale lembrar que todas reuniões do conselho são gravadas e estão disponíveis no endereço eletrônico do Conselho. Nesse sentido, inúmeras foram as contribuições do Conselho que serão agora, editadas e publicadas como “Anexo” para o Caderno de Diretrizes, no oportuno momento em que se reinicia uma nova etapa de debate público com a realização dos Seminários Regionais e fóruns virtuais em todo o país. Somente depois desse processo que o Plano deverá ser levado novamente a Câmara dos Deputados para sua aprovação e implementação a partir de 2009. Vale lembrar que a Câmara dos Deputados deu posse recentemente a um conselho, que assessorará a Frente Parlamentar Mista de Defesa da Cultura. Democracia se faz com participação social e informação qualificada e, mais uma vez, determinante será o grau de discensos e consensos que alcançaremos nos amplos setores da cultura do país.
LB – O Ministro da Educação esteve presente na última reunião do Conselho. Como foi a sua participação e como se deu a discussão em torno do chamado “sistema S”?
CP – Foi fundamental a participação no Conselho do Ministro da Educação, Fernando Haddad. Com isso foi possível alargar em muito esse debate, sobretudo, na perspectiva de uma relação mais próxima e necessária entre Cultura e Educação. Para a grande maioria presente na reunião do Conselho a escola deve ser compreendida na sua dimensão cultural, como um centro criador, produtor e difusor de conhecimento e cultura. Nesse sentido, o pano de fundo com o chamado “Sistema S”, diz respeito uma importantes pergunta: a escola que o “Sistema S” dispõe ao trabalhador brasileiro em todo o país aumenta sua escolaridade e sua ascensão social?
LB – Por que o Sistema Nacional de Cultura ficou de fora do Plano Nacional de Cultura? Como o Conselho atuou em sua retomada?
CP – Não enxergo dessa forma. O Sistema Nacional de Cultura está no Caderno de Diretrizes elaborado pelo Ministério da Cultura com uma determinada dimensão e entendimento. Coube ao Conselho contribuir com um outro olhar, de tal maneira que se possa agora ampliar o debate público sobre o Sistema Nacional de Cultura. Plano e Sistema, ao meu ver, o desafio é andar juntos, ambos devem ser política e instrumento, orgânicos a complexidade da cultura e sua diversidade.
LB – A grande questão hoje é o financiamento à cultura e a apreensão do mercado em relação à nova proposta do Ministério de modificação da Lei Rouanet. Como se deu a atuação do Conselho em relação a esse tema?
CP – Assim como na situação do chamado “Sistema S”, o Conselho já pautou para a sua próxima reunião ordinária, prevista para início de agosto, a dedicação de um momento especial de reflexão e debate sobre as novas, ou não tão novas assim, propostas para um Sistema Público de Financiamento á Cultura. A Lei Roaunet será, sem dúvida nenhuma, merecedora de boa parte desse debate. A meu ver a experiência dependente, quase que exclusiva da isenção fiscal em longos anos já indicam vários caminhos, sobretudo, de que de fato, não podemos mais tratar igual, desiguais. Os inúmeros editais públicos dos governos, das estatais e das empresas privadas são um bom exemplo de construção de um leque mais amplo de financiamento, descentralização e descontração dos recursos e políticas para a cultura em todo território brasileiro.
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