Mangabeira Unger já dizia, durante o curto período que fez parte do governo Lula, que o Brasil precisa de burocracia. Ele se referia àquela burocracia boa, que dá fluxo aos processos e permite, por exemplo, que um projeto chegue à mesa de um parecerista sem sumir no meio do caminho.

Burocracia é uma palavra muito mais associada às dificuldades geradas pelos funcionários públicos para realizar seus deveres do que a um elemento facilitador, que permite transparência, efetividade e fluxo na administração pública.

Há uma associação, não necessariamente verdadeira, entre gestão pública e burocracia. E uma mais perigosa ainda, de que a gestão cultural emperraria o desenvolvimento de programas inovadores, como o Cultura Viva. É o exato oposto disso.

Investir em gestão pública significa transformar política governamental em política de Estado, traduzindo a vontade do governante em processos administrativos bem definidos, com fluxos de trabalho, rotinas, metodologias. Tudo isso está a serviço de um objetivo construído e compartilhado com toda a sociedade. Dá vazão, sentido e efetividade aos desejos e definições estratégicas.

Sem gestão nos deparamos com um regime de exceção permanente. Cada tarefa, por mais conhecida e incorporada que seja, volta à estaca zero toda vez que precisa ser realizada. Cada funcionário que entra precisa aprender de novo o que já está aprendido e a máquina pode parar a qualquer momento para ter que corrigir um problema banal e cotidiano.

Não é raro observarmos um gestor estratégico investindo um bom volume de tempo em tarefas operacionais. Muitas vezes associamos esse tipo de gesto como humildade, mas na maioria das vezes significa apenas desorganização e revela uma perigosa disfunção, sobretudo se estivermos falando de gestão pública. Grandes temas e oportunidades cedem lugar aos kafkanianos afazeres cotidianos.

Diálogo e cooperação são premissas da gestão cultural. Quem associa gestão cultural com sistemas fechados, hierárquicos e autoritários, não está acompanhando a grande evolução das novas metodologias implementadas não só por organizações culturais, mas também governos e grandes corporações.

O choque de gestão anunciado pelo #novoMinC tem a ver com responsabilidade. As boas ideias precisam muito mais do que boa vontade, amparada por discursos precisos, que ecoam se acomodam bem na sociedade. Elas precisam ser realizáveis.

A democracia cultural precisa deixar de ser utopia, vontade, promessa para se tornar realidade.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

13Comentários

  • Sergio Sobreira, 11 de março de 2011 @ 23:37 Reply

    Leonardo,
    Passei 20 anos de minha vida atuando na gestão pública, a maior parte deles no setor cultural e te digo com tristeza: ainda estamos muito distantes de uma gestão que alcance a dimensão que você propõe, que, aliás, é tudo que precisamos: planejamento estratégico e profissionalização mesclada a uma embasada e consistente filosofia e sistema conceitual. Entretanto, enquanto nossa sociedade não evoluir politicamente e mantiver esse esquema que leva partidos a se servirem do Estado para seus projetos de poder, assistiremos a repetição ou alternância de grupos que chegam ao poder e nele apenas empregam a métrica de seus horizontes estreitos, sem alcançarem a necessária mas ainda visionária percepção da cultura como elemento basilar para o desenvolvimento de toda a sociedade.

  • Dayse Cunha, 13 de março de 2011 @ 1:52 Reply

    Mas Leonardo, acho q mínimamente 8 anos passamos tendo q nos relacionar com isso
    – Será q existe algo além disso?
    Óbvio q sim e stou apostando…, senão for ainda, as coisas se trocam por elas mesmas e o resultado é cultura popular de poder esgotado.
    Vai mudando, vai mudando – Até q se constrói uma Comunidade do diferente no igual q se aceita.

  • Octaviano Moniz, 13 de março de 2011 @ 2:52 Reply

    Caro Leonardo:
    acordo agora na Bahia de todos os Santos às 2 AM e encontro sua excelente Newsletter,das poucas a tratar ,dialogar,tensionar sobre Cultura no país que há muito deixou de ser um diletantismo e hoje movimenta junto ao turismo enormes somas e gração de empregos em países como a França ou Espanha.Tenho o maior respeito pelo intelectual Dr.Unger,apesar de achar estranho, a cada hora ele estar auxiliando um partido diferente.Não sei realmente qual a ideologia dele.Acredito no livre mercado com bem estar social.O que vem se tornando dificil até na Europa,pós crise de 2008.Todos os países sofreram cortes drasticos na Cultura para adequar orçamentos.No Brasil já há burocracia demais e o governo Lula só fez inchar mais esta maquina,com fins eleitoreiros ,para satisfazer a gula da base aliada,centrais sindicais &cia.O que precisamos é de gestores profissinais de cultura e menos aparelhamento partidario, herança bolchevique.O Minc hoje écomandado por uma atriz/cantora,a Funarte por um ator global,ex marido de socialite e outros cargos como o de Sergio Mamberti tambem ator global.Então discordo totalmente que precisamos de mais burocracia,mas sim de profissionais da cultura e não atores/atrizes que ganharam uma “boquinha” por terem ajudado a fundação do PT.Precisamos sim de um choque de gestão,mas com pessoal gabaritado e não o que vemos,pessoas sem formação cultural/empresarial para os cargos.Aparelhamento politico de orgão federal gera incompetencia.E escandalos como os que o Minc tem passado.Pela troca imediata da cupula do Minc e pela nomeação de gestores culturais e não petistas de carteirinha,mal sucedidos em suas carreiras.Concorda Dr.Unger?

  • Nadir Carlos, 13 de março de 2011 @ 10:24 Reply

    Esse choque de gestão, há vem vem sendo discutido…vejam o que ocorre em MG no link: sss://www.planocultural.org.br/pesquisas/publicacoes/arquivos/O%20Tempo%2029032007.jpg

  • Leonardo Brant, 13 de março de 2011 @ 10:40 Reply

    Mangabeira Unger se define como liberal de esquerda. Eu gosto tanto da definição que passei a incoporá-la. Eu tenho formação de esquerda clássica, comunista mesmo. Mas acredito na democracia, não numa democracia plena, que é utópica. E acredito sobretudo que a democracia seja alcançada com políticas culturais avançadas. E a questão da gestão está no centro dessa discussão. Abs, LB

  • Marcelo Kraiser, 13 de março de 2011 @ 11:04 Reply

    Creio que compreendi bem o seu artigo,Leonardo,propondo a implantação de burocracias num sentido não pejorativo e não kafkiano e politiqueiro da palavra.Creio que para haver mudanças neste sentido precisamos de menos.Menos secretarias,repartições,ministérios,menos políticos.Deixar o governo que inchou a máquina pública em seu próprio proveito confundindo políticas públicas com um balcão de negócios partidário cuidar disso é uma contradição em termos.Não tenho a menor idéia de qual é a saída mas sei que não passa pela ‘vontade política’ petista.

  • Carlos Henrique Machado, 13 de março de 2011 @ 13:45 Reply

    A burocracia brasileirinha, feita na biquinha da fonte, é bem apreciada pelos paraquedistas do setor público, mas também do setor privado de cultura.
    Dependendo das circunstâncias, do lugar ou da ocasião, esses reiteradamente produzem furos n’água e não morrem de vergonha, pois é isso,a santa burocracia, que movimenta o engenho afim de moer a cana e fazer a rapadura que ninguém do setor privado e nem do público quer largar.

  • Octaviano Moniz, 13 de março de 2011 @ 18:29 Reply

    A PROVA: não falo sem dados estatísticos!

    Inchaço da máquina administrativa cria Esplanada oculta
    Em meio às dificuldades do governo da presidente Dilma Rousseff em passar a faca nas despesas de custeio, Brasília é hoje vitrine de um fenômeno de gastança descontrolada: as dezenas de imóveis alugados fora da Esplanada dos Ministérios para acomodar o inchaço da máquina administrativa. Levantamento da reportagem mostra que prédios e salas, só do primeiro escalão do Poder Executivo, pagam pelo menos R$ 9 milhões mensais de aluguel. A chamada “Esplanada oculta” custa, no mínimo, R$ 100 milhões por ano, dinheiro suficiente para construir cerca de 2.700 casas do programa Minha Casa, Minha Vida. O inchaço ministerial começou no primeiro mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Ele recebeu 26 ministérios do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas entregou 37 à presidente Dilma – que pretende criar mais dois: o da Micro e Pequena Empresa e o da Infraestrutura Aeronáutica. (Agência Estado)

  • Carlos Henrique Machado, 13 de março de 2011 @ 22:36 Reply

    “O inchaço ministerial começou no primeiro mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Ele recebeu 26 ministérios do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas entregou 37 à presidente Dilma – que pretende criar mais dois: o da Micro e Pequena Empresa e o da Infraestrutura Aeronáutica” (Octaviano Moniz)

    Independente de suas supostas provas Octaviano.

    Compare os resultados em qualquer área do governo entreguista FHC e de Lula.
    FHC entregou um pais falido a Lula, Lula entraga a Dilma um pais que é referencia mundial hoje…

  • Octaviano Moniz, 14 de março de 2011 @ 6:23 Reply

    Nobre colega-petista-roxo Dr.Machado:vamos noos ater a tematica do blog :CULTURA.
    Mas antes um preâmbulo explicativo:o que Dr,Lula fez deve-se a herança maldita de Dr.FHC.Apenas a oposição não capitalizou como deveria os avanços do governo tucano.O Bolsa-familia é o Bolsa-escola recauchutado,se ele equilibrou as finanças ,pero ,cuidado, a inflação voltou,os juros do COPOM sobem a cada reunião e por um artificio contabil descobriu-se que temos R$128 bi de restos a pagar do governo do Dr.Lula deve ao plano real do eminente sociologo Fernando Henrique Cardoso.Quanto ao entreguismo,é balela blochevique,os camisas vermelhas,as estatais eram e são cabides de emprego e financiadores de campanha até hoje.Eram empresas deficitarias,administradas por aliens,tipo o Minc e hoje batem recordes de lucros e geração de renda e emprego.Capicce?Este papo “Nunca antes na historia deste país é tão falso e hipocrita quanto o racismo do autor Monteiro Lobato Ou Mark Twain.Outra coisa:os dados são da Agencia Estado(Comment acima,solicito retificação!).

    Dra.Dilma tenta,tenta mas com este sistema politico-fisiologico fica dificil:anexo materia de 13/3-domingo.E então Dr.Petista Machado?
    13.03.2011 às 10:20
    Dilma pode antecipar reforma do ministério
    Gustavo Miranda-www.politicalivre.com.br

    Com menos de cem dias de governo Dilma Rousseff, a cotação de integrantes do primeiro escalão já chama atenção no meio político em Brasília, com ecos no Palácio do Planalto, e é uma sinalização clara para a primeira reforma ministerial do atual governo. O ajuste no primeiro escalão do governo Dilma pode ocorrer antes mesmo do prazo padrão “de validade”, que é um ano de gestão. Em apenas dois meses de governo já corre nos bastidores uma avaliação informal da baixa atuação de alguns ministros: ou pela omissão ou por desempenho sofrível em crises pontuais ou mesmo pela ausência completa de desempenho. Mas também há um grupo de ministros que causou impressão acima da esperada na presidente Dilma. Entre os que estão na coluna palaciana de “débitos” aparecem os ministros da Cultura, Ana de Hollanda, da Educação, Fernando Haddad, do Turismo, Pedro Novaes, dos Esportes, Orlando Silva, e até mesmo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Já entre os que estão com cotação alta se destacam o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, que está muito afinado com Dilma, e o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, que já mereceu elogios da presidente pela atuação ágil diante das tragédias ambientais pelo país. (O Globo)

  • Izabel Portela, 14 de março de 2011 @ 16:57 Reply

    Prezado Leonardo,

    muito bom seu raciocínio! Precisamos reposicionar a burocracia, ela deve estar a favor da gestão dos processo e não o contrário, para isso, precisamos capacitar os gestores públicos a fazerem uso das estruturas de governo a favor do desenvolvimento da sociedade.

    A lógica está invertida, há muito trabalho a ser feito…..
    Izabel Portela.

  • Bruno Cava, 17 de março de 2011 @ 15:12 Reply

    Houve de fato um choque. No Governo Lula, uma gestão pública de interesses comuns. Antes, uma gestão estatal de interesses privados. Com Lula/Gil/Juca, a construção de políticas públicas para a cultura como mundo, como democracia disseminada pelo país. Antes, mero balcão para negócios, onde os mesmos de sempre perpetuam a sua forjada posição como cânones da cultura brasileira, como abelhas rainhas de um povão inculto e ingente, uma nata de privilegiados com dinheiro público. Foi um choque de DEMOCRACIA.

    Agora, com uma nova abelha rainha no poder, a serviço de outros reizinhos da cultura, o discurso da eficiência, sustentabilidade, produtividade voltou à pauta, manejado como freio à democracia, à mundanização da cultura, à disseminação em rede dos modos de produzir. O MinC agora é chocante, e opõe gestão à democracia, num discurso tecnocrático com que tanto estamos familiarizados, porque vem de longe.

  • Nely Mateus, 21 de março de 2011 @ 10:44 Reply

    Uau … que texto!
    Concordo plenamente com a burocracia útil e necessária. Se fosse possível extingui-la, há muito já teria sido feito por qualquer gestor ou partido da vez.
    Mas as reclamações sempre vêm à tona e, as mesmas. Uns colocam a culpa nos outros ou no culpado da vez!
    Também concordo que faltam políticas públicas e planejamento estratégico, que resultam num plano de desenvolvimento institucional, que solidifica os objetivos da instituição que, não seria refém do gestor e sim, apenas gerido.
    Por fim, também concordo que idéias não bastam serem boas, têm que ser realizáveis!

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