No último dia 3 de setembro, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, foi citado numa matéria no Jornal O Globo, declararando que no projeto de reforma ministerial, como parte da contenção de despesas por conta da crise, um dos ministérios a serem fechados seria o da Cultura .

Foto: Clay JunellDe acordo com a matéria, este voltaria a ser inserido no Ministério da Educação, talvez como uma secretaria secundária, como foi no período de 1953 a 1964 e no governo Collor.

O depoimento causou uma comoção geral entre os agentes da esfera da cultura, que imediatamente reagiram à notícia pelas redes sociais. O anúncio acontece no mesmo momento em que estamos chegando ao auge de uma luta de mais de 15 anos de mudanças de paradigmas nas políticas culturais para tirar a Rouanet da linha de frente do fomento à cultura à nível federal. Desde 2003, foram várias conferências, consultas públicas, debates, encontros, seminários e intervenções via internet para debater e construir esta nova arquitetônica, isto é, esta nova forma de pensar as políticas culturais. Milhares de pessoas mobilizadas em todo país. Talvez um dos mais importantes processos democráticos que este país já viveu.

As leis federais que compreendem o Sistema Nacional de Cultura em conjunto, somadas aos milhares de Sistemas e Planos de cultura estaduais e municipais que estão sendo implantados neste momento nos entes federados, bem como a aprovação da Lei Procultura (PL 6722/2010) e a PEC da Cultura (PEC 421/2014), fechariam o início deste novo ciclo. Com uma nova estruturação decenal, finalmente recomeçaremos esta nova arquitetônica da esfera com uma nova proposta de pensar a cultura não mais a partir da perspectiva de patrocínios e do mercado.

É possível dizer que o SNC só estaria em seu pleno funcionamento como previsto após sua regulamentação e aprovação do Projeto de Lei Procultura, que busca regular o funcionamento dos Fundos de Cultura. Com esta nova etapa, que deve começar de vez até o final de 2017, será possível alterar totalmente os paradigmas, tirando a Lei Rouanet da linha de frente do fomento à cultura e implementando uma melhor distribuição das verbas e o olhar ampliado de cultura proposto por Gilberto Gil.

Neste novo momento, o Plano Nacional de Cultura e a Lei Cultura Viva, que trata dos pontos de cultura, passariam a ser o fio condutor das políticas culturais, integrando o país numa grande rede cultural, com outros critérios de distribuição de verbas e de entendimento do que é cultura de fato.

Se o que foi anunciado pelo Ministro do Planejamento for consumado e o atual governo federal fechar as portas do Ministério da Cultura, repetirão o mesmo erro cometido pelo presidente Fernando Collor. No ano de 1991, Collor fechou o Ministério da Cultura e engavetou a Lei Sarney, levando as políticas culturais novamente à estaca zero que estavam pouco antes do fim da ditadura.

Nesses 15 anos de início de processo (se contarmos a partir da criação do PL do deputado Gilmar Machado, que deu origem à PEC que resultou no PNC) o engajamento em relação às políticas culturais cresceu muito e temos uma conjuntura bem diferente de 1991.

Ainda que as possibilidades de mudança de rota estejam em um momento de dúvidas perante o agravamento da crise econômica, após tantos anos, tantas interações, tanta participação social nos processos da esfera, não somos mais os mesmos e os novos paradigmas das políticas culturais já contaminaram muita gente pelos quatro cantos do país.

Dos sistemas e planos territoriais já aprovados, todos demonstram que acompanham os princípios do olhar ampliado de cultura e a força de mobilização que também impulsionaram a escrita e aprovação das leis em âmbito federal. Basta ver casos como os estados como a Paraíba e o Acre, com sistemas de cultura avançadíssimos, com ampla participação social em seus planejamentos e escrita e ótimos resultados iniciais nessas mudanças*.

Integrar a cultura no enfraquecido Ministério da Educação, que anunciou uma série de cortes de orçamento, seria não apenas um retrocesso e um sombreamento das pautas da cultura, mas principalmente deixar que a cultura seja entendida como algo secundário e elitizado.

Cultura e educação podem e devem caminhar juntas, mas uni-las neste momento de crise, apenas enfraqueceria o lado mais fraco, a cultura. O Sistema Nacional de Cultura, o olhar ampliado de cultura e todos os processos desta arquitetônica seriam provavelmente deixados de lado.

Neste momento histórico, mais uma vez, a esfera da cultura se une em prol de um projeto que completa 15 anos de muitas lutas. A “reverberação” do possível fechamento do Ministério da Cultura mostra não apenas o amor a uma causa que permeia nosso dia a dia de seres culturais, mostra também que a cultura está em tudo e que somos muitos, somos barulhentos, somos de luta, somos unidos e somos muito fiéis a uma causa: a cultura.

Independente do que acontecer, já houve mudança da visão de mundo dos agentes culturais brasileiros. Já fomos contaminados pela ideia de que a cultura está nas unidades culturais, isto é, está em todas as partes. O “do-in”antropológico de Gil está em boa parte dos discursos dos agentes culturais. Nestes anos, de fato incluímos toda uma gama de linguagens, povos tradicionais, formas de construir, pensar, escrever. Seja a literatura, seja a arquitetura, seja a cultura cigana, indígena, etc.

Estamos todos neste círculo. #FicaMinC

*Resultados expostos por seus respectivos secretários estaduais de cultura no Seminário de Sistemas de Cultura, em Brasília (DF), nos dias 1, 2, e 3 de junho de 2015. 


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Produtora Cultural e Linguista. Doutora e Mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela USP, com a pesquisa Políticas Culturais e Financiamento à Cultura. Professora do curso de Gestão Cultural da PUC-SP. Atua há 18 anos como Produtora e Gestora de projetos culturais com leis de incentivo à cultura.

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