A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovou no último dia 15 de julho o PL 6562/13, de autoria do deputado Gabriel Guimarães (PT/MG), que propõe incluir a gastronomia brasileira como segmento beneficiário da Lei Rouanet. O projeto está agora na Comissão de Finanças e Tributação e deve passar ainda pela de Constituição e Justiça e Cidadania, em caráter conclusivo.
“A gastronomia brasileira evoluiu muito nos últimos anos e este foi um processo que envolveu a maior profissionalização do setor, a criação de escolas especializadas e a ampliação do acesso da população aos mais variados sabores do nosso país”, afirmou o deputado em reportagem publicada por Cultura e Mercado em janeiro. Por isso, ele acredita que hoje a sociedade passou a valorizar a “degustação da culinária” como forma de manifestação sociocultural.
Enquanto os deputados decidem sobre o futuro da proposta, profissionais da área seguem em campanhas como Eu Como Cultura, encabeçada pelo Instituto Atá, do chef Alex Atala. Ele é um dos personagens do documentário “Comer o quê?”, dirigido por Leonardo Brant, e afirma: sabores refletem cultura.
“Eu não entendo a cozinha como arte, mas como expressão artística. Você não precisa ser um gourmet ou um profundo conhecedor para entender. A cozinha confere ao autor a possibilidade de se expressar através da arte. Essa expressão artistica é incontestável”, defende Atala no filme, que também traz depoimentos da chef Helena Rizzo; da nutricionista e apresentadora de TV Bela Gil; do professor de Educação Física e consultor Marcio Atalla; do ator e produtor de alimentos orgânicos Marcos Palmeira; do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, André Nassar; do jornalista especializado em gastronomia Josimar Melo; e da chef e nutricionista Neka Menna Barreto; entre outros.
“Nos últimos 20 anos eu estive envolvido com pesquisa cultural. De uns tempos para cá, me dei conta de que aquilo que eu estava pesquisando tinha muito pouco efeito na vida das pessoas. Então passei a me envolver com questões culturais mais cotidianas, que têm a ver com todos nós. E comida é uma dessas coisas”, conta Brant. Para ele, as nossas escolhas em relação à alimentação dizem muito sobre quem somos, que relações desejamos manter com as pessoas ao nosso redor e com o planeta como um todo. O diretor acredita que os hábitos alimentares de uma sociedade são determinantes em seu modelo político e econômico. “Revelam também como é a nossa relação interior, com o corpo, saúde, cultura e espiritualidade”.
O filme foi produzido pela Deusdará, empresa de Brant, e pela Gaia Oficina de Cultura. Com a colaboração de Caio Amon e Graziela Mantoanelli, Brant buscou personagens que misturassem diferentes realidades, visões e percepções a respeito da alimentação. “A ideia por trás dessa curadoria é tirar a alimentação do campo do certo e do errado, nos libertar um pouco dos dogmas e dos regimes fechados. A ideia é pensar na autonomia que cada um tem de escolher o seu próprio jeito de alimentar”, explica.
Em outubro será lançada uma série com 16 minidocs provenientes do filme, disponibilizado gratuitamente em canal do YouTube. A ideia é fazer uma carreira curta no cinema, com lançamento seguido de debates temáticos sobre cultura, educação e saúde. Depois, circular por salas independentes, de forma gratuita, por todo o Brasil, a partir de uma parceria formada com a Taturana Mobi, empresa especializada em distribuição alternativa de cinema.
Brant defende que é preciso retomar a relação da comida com a cultura local – questão abordada pelos entrevistados durante todo o filme. “A indústria alimentícia passa como um trator por cima de hábitos construídos culturalmente e que nos ensinam a manter uma relação de respeito e cuidado com o ambiente”, diz. E aponta a gastronomia como uma retomada de “tudo aquilo que está em nosso quintal, que pode ser rico, criativo e nutritivo, além de fortalecer nossos traços identitários”.
O diretor ainda faz uma correlação entre esse documentário e o Ctrl-V, de 2009, que trata da sobreposição da indústria do cinema sobre a cultura local: “não tenho absolutamente nada contra a indústria, seja da mídia ou da alimentação. Só não podemos delegar nossa formação simbólica e nossos hábitos alimentares a ela.”