Após o dia dos professores, relembramos uma questão importante: O ensino de arte. Em tempo de férias escolares, final de julho deste ano, uma resolução foi aprovada quase de surpresa, a SE – 48, sobre o Ensino de Jovens e Adultos – EJA.
No artigo 7º, referente à atribuição das aulas, a resolução determinou: “De Linguagens e Códigos, as aulas deverão ser atribuídas ao Professor/Orientador de Aprendizagem, portador de Licenciatura Plena em Letras, com habilitação em Língua Estrangeira Moderna, que ficará responsável pela docência de Arte (…)”.
Procuramos Ana Mae, referência em arte-educação para falar do que pode significar essa determinação, assinada pelo Secretário de Educação Paulo Renato Souza, o mesmo que assinou, em 1996, quando era Ministro da Educação, a Lei de Diretrizes e Bases escrita por Darcy Ribeiro, Marco Maciel e Maurício Correa.
Arte-educação
Na ditadura militar, em 1971, a Lei n. 5.692, assinada pelo presidente Médici, colocou em vigor o conceito de educação artística. Segundo a professora Ana Mae, a apreciação e história da arte não tinham lugar na escola, eram apenas atividades com figuras para colorir, além de que a formação de dois anos para o professor, não dava conta da base necessária.
Sentada em seu sofá, com uma coleção extensa de livros e a sua volta, Ana explica que a mudança do nome de educação artística para arte-educação teve dois bons motivos: “Primeiro por causa da polivalência a que o conceito está ligado e depois por causa da herança negativa que a ditadura deixou.”
Ao contrário do que alguns críticos afirmam, o conceito de arte-educação não é proveniente da tradução da expressão em inglês art education. No Brasil, desde 1948, o Movimento Escolinhas de Arte desenvolve esse conceito, na tentativa de estimular a auto-expressão da criança e do adolescente através do ensino das artes.
Ana argumenta em favor do ensino de arte, citando a meta-pesquisa de James Catterall, que mostra como as artes desenvolvem a inteligência e a cognição. “A arte é muito importante, mas os pobres sempre são privados de ter acesso à ela”, completa.
Porque a educação?
Ana Mae é nascida no Rio de Janeiro, mas com três anos foi morar em Recife. Uma história de vida cheia de viradas drásticas. Ainda jovem decidiu fazer faculdade de direito, ela seria a primeira mulher de sua família a fazer universidade. Sua avó não gostou da idéia e disse que não iria ajudar. Ela decidiu fazer o preparatório para ser professora, porque aí teria dinheiro para pagar cursinho e então fazer o vestibular .
Primeira aula, o professor de português e teoria da comunicação, entra na sala de aula e pergunta: “Por que a educação?” Todos escrevem uma redação. No dia seguinte o professor chama Ana depois da aula: “Por que, Ana, esse desabafo revoltado?”
Ana tinha respondido a questão de seu professor com as palavras: “Porque a educação é retrógada, porque estou sendo obrigada a trabalhar, porque minha família é contra eu fazer faculdade…”
Seu professor era ninguém menos do que o mestre Paulo Freire. “Ele me convenceu. Me disse que a educação poderia ser um processo de libertação e não repressão. E eu me encontrei”, conta Ana com olhos cheios de brilho. Ela se formou em Direito, em Pernambuco, na década de 1960, casou-se com seu colega de classe e eterno amor João Alexandre Costa Barbosa, mas se tornou professora de artes, por gosto e formação.
Quando chegou a ditadura, Ana e seu marido foram para Brasília, ajudar o movimento de resistência que Darcy Ribeiro encabeçava, “nove professores haviam sido demitidos, mas Darcy achava que a UnB devia resistir. Fomos para lá no início de 65, mas poucos meses depois a UnB foi invadida pelos militares e todos os professores foram demitidos. Eu estava grávida, então voltamos para o Recife onde a ditadura foi implacável, assim como no Rio Grande do Sul, porque os governos eram considerados de esquerda, Estados governados por Brizola e Miguel Arraes, respectivamente.”
Poucos meses depois, decidiu-se por São Paulo, onde criou seus filhos e deu aulas na Escolinha de Arte, foi professora da USP e diretora do MAC – Museu de Arte Contemporânea da USP, entre centenas de outras coisas.
Com jeito de professora que soletra as palavras estrangeiras de forma a se fazer entender mais do que comunicar simplesmente, ela conta sobre sua trajetória acadêmica, em universidades do mundo a fora. Assim, acaba caindo na questão da política multicultural: “as instituições públicas têm a obrigação de mostrar diferentes códigos culturais, não só o hegemônico”.
Voltando às instituições
Ana reconhece que o EJA tem um programa forte, amplo, e bom na maioria das vezes, ao mesmo tempo que pergunta: “O EJA é educação popular, como é que vai retirar esse alimento cultural? Professor de língua estuda a literatura, que é arte mas e as outras formas de representação? A interdisciplinaridade não é um só professor ensinando todas as matérias.”
Pesquisas e seus livros mostram inúmeras experiências bem-sucedidas de alunos do que descobrem a arte através da Leitura Crítica, Interpretação e Contextualização da obra de Arte e de seu campo de sentido. Depois do avanço ocorrido com a formação do professor de artes e da tentativa de introduzir um novo conceito na disciplina de artes, por que retroceder?
“O corpo docente é respeitado, mas a cultura não. Essas pessoas não tiveram a chance de se escolarizar no tempo devido, agora eles vão perder a última chance que o mundo institucional pode dar. Como convencer o Paulo Renato de mudar essa decisão?”, finaliza.
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