Exageros da carne ou excesso de álcool, uma coisa é certa: no Brasil, o carnaval de rua perdeu o encanto e a alegria, da espontaneidade, do divertir divertindo de antigamente.
Pensar o movimento do carnaval de rua como processo cultural é projetar o reinado do Momo logo após a quarta-feira de cinzas. É reinventar a cada ano a forma de realizar esse espelho da sociedade brasileira. É uma tentativa de responder questões acerca da nossa identidade cultural.
O sociólogo Gilberto Freire indica a possibilidade de uma classificação regional do Brasil por meio das variadas maneiras de brincar o carnaval. Apoiado no trinômio (índio, europeu e africano) na formação do povo brasileiro, o carnaval do Brasil também derivou da conjuntura destas três etnias. Em cada região do país há uma maneira particular de celebrar esta festa pagã.
Porém, a reinvenção a cada ano dessa movimentação popular dá ao carnaval uma outra característica. Segundo a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz, o carnaval tem variado através do tempo em seus aspectos essenciais, assim ficando impossível o classificar. A mesma pesquisadora pontua as diferenças entre o “carnaval de aldeias” – que analisa ser marcado pela manutenção do tradicional e costumes terminados com o tempo, e o “urbano” – datado pela dinâmica e variações aceleradas.
Não há um pensamento único de denominar a origem da palavra carnaval. Mas a corrente de pensamento mais aceita é do filólogo italiano Petrocchi, que diz que a palavra carnaval viria do baixo latim (falado pelos soldados e povo), carnelevamen, que significa “adeus à carne”, referente à terça-feira gorda, o último dia do calendário cristão em que é permitido comer carne.
Há, também visões que se trata de uma festa dionisíaca (referente ao Deus Grego Dionísio, equivalente ao Deus Romano Baco.), um carro, carregando um imenso tonel de vinho, servia a bebida ao povo, na Roma Antiga.
Exageros da carne ou excesso de álcool, uma coisa é certa: no Brasil, o carnaval de rua perdeu o encanto e a alegria, da espontaneidade, do divertir divertindo de antigamente. Hoje, o desvirtuamento do carnaval de rua para o apelo mercadológico da tevê, das companhias cervejeiras, dos camarotes e abadas coloridos, das musas siliconizadas, do elitismo das escolas de samba, do empobrecimento das temáticas abordadas nos samba enredos, e inúmeros outro problemas acerca do carnaval de hoje.
Segundo o sociólogo Cláudio José dos Santos (UniSantos), a queda do carnaval de rua foi determinada por “uma mudança radical na relação da população com os meios de comunicação, com o advento da televisão”. “Podemos, sem medo de errar, afirmar que a televisão matou o carnaval de rua popular. Transformou os foliões em expectadores. Ou a pessoa ‘atua’ na escola de samba ou é reduzido a mero ‘voyeur’”.
O sociólogo ainda aponta que carnaval é uma festa popular que sobreviveu por séculos e que no Brasil assumiu características especiais e próprias: livre, democrática, debochada, romântica e muito criativa. “Era (não é mais) um raro momento de desconstrução da pirâmide econômica, funcionando como um rito subversivo dos status sociais estabelecidos e solidificados na “vida real” (o resto do ano)”.
Com o propósito de analisar estas e outras questões e nortear novos rumos ao carnaval de rua do Brasil, jornalista, escritores, pesquisadores, intelectuais, artistas, e gente do carnaval discutiram teorias e praticas, na Fundição Progresso, com o apoio do programa “Cultura e Pensamento”, do Ministério da Cultura.
Carnaval de rua no interior do Brasil
O carnaval era a maior festa não religiosa de apelo popular. Um momento especial de quebra dos tabus e de exercício de uma cidadania que se fazia sentir, em especial (mas, não apenas nelas), nas críticas políticas, que eram fortes e destemidas.
Como na música do Chico Buarque (Sonho de um Carnaval), “quarta-feira sempre desce o pano”. É quando o barracão se fecha, as marchinhas se calam e todo o trabalho é refeito para o próximo ano. Toda quarta-feira de cinzas é igual, nos noticiários da tevê falam do bloco “Bacalhau com Batata”. E só.
Segundo o historiador José Carlos Sebe, em sua obra “Carnaval, Carnavais”, ao lado do carnaval de rua carioca, três outros se despontam como fundamentais na cena brasileira: o baiano, o de Olinda e o de Recife. Cidades que têm no maracatu a base para o desenvolvimento da personalidade de seu carnaval.
Salvador, ao som do trio elétrico, a “praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião”. Se “só não vai atrás do trio elétrico quem já morreu”, podemos estender, nos dias atuais, para quem não comprou o abadá. As Micaretas, originária do francês Mi-carême (Meio da Quaresma), efervescente ao calor tropical do verão em Salvador transformou a fenômeno cultural em divisas publicitárias.
Nota da reportagem
Triste o meu ofício, cobrir de longe (devido a falta de verbas para custear a viagem e hospedagem) para este evento. Perdi – e com isso perde peso à cobertura – os debates do poeta Chacal, do escritor Ruy Castro, dos jornalistas TT Catalão, Arthur Xexéo, além de sociólogos, antropólogos e responsáveis por agremiações e blocos populares.
Ruídos na comunicação com os organizadores e assessoria de imprensa. Telefonemas desencontrados, e-mails não respondidos. Somado à falta de tempo, trouxeram a esse relato a falta de ponto de vistas de quem esteve e debateu o assunto. Pena maior foi perder a cobertura “on-line” dos debates. Os vídeos prometidos do evento na grande rede não se encontravam disponíveis.
Fica para uma próxima edição de Cultura e Mercado a cobertura do segundo ciclo e debates que ocorrerá em Salvador, entre os dias 8 e 11 de outubro, no Teatro Castro Alves e Vila Velha. Os organizadores ainda não divulgaram a programação completa. Mais informações pelo telefone da Fundição Progresso: (21) 2220-5070, ou pelo e-mail: carnaval@fundicao.org.
Eduardo Henrique Brandão
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