Um caminho alternativo de combate à criminalidade pode ser encontrado no centro de São Paulo, mais exatamente na praça Roosevelt. Lá, a violência e o tráfico foram substituídos pela arte.

Além de chocar a opinião pública, a recente onda de violência e de crimes bárbaros colocou novamente em questão a urgente necessidade de políticas públicas voltadas a conter o avanço da criminalidade. O exemplo de um caminho alternativo à redução da maioridade penal, que freqüentemente volta ao centro dos debates, pode ser encontrado no centro de São Paulo, mais exatamente na praça Roosevelt. Lá, a violência e o tráfico foram substituídos pela arte.

O caminho dessa transformação, no entanto, não foi nada simples. “Quando chegamos à praça percebemos rapidamente o grau de deterioração e violência que nos cercava”, conta Rodolfo García Vásquez, diretor teatral e um dos fundadores do grupo Satyros, que impulsionou o processo de revitalização da praça. Segundo ele, o grupo enfrentou a animosidade de traficantes e travestis – além da resistência dos críticos de teatro que se recusavam a assisti-los.

O encontro turbulento teve início em 2000, época em que o Satyros procurava um espaço para sua sede em São Paulo. As dificuldades não foram poucas. Em frente ao espaço onde o grupo se instalou, um bueiro era usado por traficantes como esconderijo para drogas. Segundo Vásquez, o grupo sofreu várias ameaças por telefone. “Diziam que haveria um banho de sangue na porta do teatro se não pagássemos um determinado valor a eles”. Sua estratégia básica foi o enfrentamento. “Não tivemos medo de nos relacionar, fazer contato. Assim o teatro foi, lentamente, se integrando à paisagem urbana”, explica Vásquez.

Políticas públicas
Depois de dois anos investindo dinheiro do próprio bolso, em 2003 o grupo obteve patrocínio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, da Secretaria Municipal de Cultura. Porém, isso ainda não representou alívio, pois o projeto tinha falhas no orçamento e a verba não foi suficiente. Resultado: mais dois anos de dificuldades. Somente a partir de 2005 o grupo conseguiu o sonhado fôlego com um patrocínio regular do fomento, talvez motivado pelos vários prêmios que consagraram seu trabalho – em 2006 foram três indicações ao Premio Shell. A realidade em seu redor hoje também é outra. A Praça Roosevelt tornou-se um centro badalado de teatro, cultura e entretenimento.

Criado em 2002 com objetivo de apoiar a pesquisa e a produção teatral, o Programa Municipal de Fomento ao Teatro visa ainda ampliar o acesso à cultura. Para 2007, o programa, atualmente na 10º edição, tem um orçamento de R$ 8,5 milhões. Por lei, todos os anos até 30 projetos são beneficiados. Segundo Rubens de Moura, responsável pelo Departamento de Expansão Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, em 2006 foram 108 inscritos. “O programa representa um avanço relevante para o setor, pois viabiliza todo o processo, da pesquisa ao palco, e isso custa caro”, ressalta ele.

Assim como ocorreu no centro de São Paulo, neste momento o Satyros busca apoio para um projeto desenvolvido na zona leste, que deve custar cerca de R$ 250 mil por ano e que, por ora, não conta com patrocínio. “Estamos bancando tudo com recursos próprios”, informa Vasquez. Mas já há sinais de que isso pode mudar. Segundo ele, já conseguiram apoio da Secretaria Municipal de Cultura para a formação de um grupo amador no local. O Satyrus planeja realizar uma pequena mostra de teatro no novo espaço ainda no primeiro semestre.

Atualmente o grupo dispõe também de patrocínio do Programa de Ação Cultural (PAC) para a última etapa da trilogia sobre a Praça Roosevelt. Já foram apresentadas as peças “Transex”, inspirada no cotidiano da praça, e “A vida na Praça Roosevelt”, da dramaturga alemã Dea Loher, espetáculo que levou o grupo a realizar diversas apresentações pelo Brasil e a uma turnê na Alemanha. Na terceira e última fase, com estréia prevista para abril, o grupo promete sete peças curtas, de sete dramaturgos paulistas de destaque. “Quisemos encerrar a trilogia não com a nossa visão, mas com a visão de outros artistas que conhecem, freqüentam e convivem com a praça”, salienta Vasquez.

Novo cenário
O PAC, programa criado em 2006 pelo Governo do Estado de São Paulo por meio da Lei de Incentivo à Cultura, representa um importante mecanismo de financiamento do segmento cultural. No ano de 2006 o programa dispôs de R$ 45 milhões, e atualmente 500 projetos estão em execução com seus recursos, segundo informa Patrícia Rodrigues, coordenadora do programa. O PAC funciona por meio de três mecanismos básicos: recursos orçamentários do Estado, do Fundo Estadual de Cultura, que recebe renda de loterias e doações, entre outros, e por fim o incentivo fiscal, por meio do qual as empresas que apoiarem algum projeto cultural podem deduzir os valores investidos em até 3% do seu ICMS devido.

Há pouco mais de dez anos a realidade era outra. “Não havia continuidade nos programas de política cultural, nem em termos nacionais, nem em termos estaduais ou municipais”, lembra Vásquez. Para ele, os atuais programas de incentivo à cultura tornaram viável a produção teatral em uma escala nunca vista. “Esse crescimento está evidenciado pelo surgimento de novos grupos independentes, pela variedade dos projetos e na rica programação teatral de São Paulo”, acrescenta. Embora as políticas nacionais para a cultura não estejam ainda no mesmo nível de estruturação dos projetos de São Paulo, na opinião do diretor do Satyros, os avanços por aqui representam um caminho sem volta, que pode servir de modelo para o país. “A conscientização da importância do teatro como patrimônio cultural não se perde depois de conquistada”, conclui.

Carlos Minuano


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