Sem tempo de comemorar a vitória na Unesco, Diversidade Cultural volta-se para a OMC, onde tem poucas chances de vencer. Reunião em dezembro sela embate da Cultura com o sistema ONU
Enquanto a sede mundial da Unesco em Paris comemorava a aprovação por esmagadora maioria da Convenção pela Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, as ruas da capital francesa agonizavam diante de um dos piores conflitos da atualidade. Entre a Notre-dame e o direito à burca, o Louvre e o grafite, pairam o desemprego e distância cultural que dividem centro e periferia, tanto quanto a metrópole e a colônia do século passado.
As dicotomias da Convenção, que ainda necessita da ratificação de 30 países para ser oficializada, não param por aí. De 13 a 18 de dezembro, Hong Kong sediará uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), que pode decretar a morte do chamado “protocolo de Quioto da Cultura” antes mesmo de ele ser publicado.
Negociações no âmbito do GATS (General Agreement on Trade in Services) procuram estender os direitos de empresas transnacionais operar serviços de saúde, educação, serviços postais e broadcasting e devem ser concluídas em 2005. Pressões na área do audiovisual vindas de uma comunidade chamada “friends of audio-visual services”, liderada pelos EUA e que inclui Hong Kong, China, Taiwan, Chile, Japão, Mexico, trabalham para diluir a influência da Convenção da UNESCO na OMC.
O tratado de cultura no GATS não se restringe ao audiovisual, mas também publicidade, telecomunicações, mercado editorial, parques temáticos, eventos corporativos, entre outros, e oferece perigo real a todas as conquistas recém-adquiridas no âmbito da Unesco.
O sistema ONU como um todo vem inserindo gradativamente a diversidade cultural como questão abrangente e relevante no cenário mundial atual. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 2004 versava sobre as liberdades culturais. A XI Unctad – Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento, inseriu o tema pela primeira vez em sua pauta. A Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação WSIS foi criada para dar cabo a uma das mais relevantes situações do mundo atual: a sociedade da informação, que para alguns pode mesmo ser considerada a sociedade da cultura.
O que nem sempre está à vista, é que muito embora insiram cultura em seu relatório anual (que mais parece o balanço social dos grandes bancos brasileiros), o PNUD nem pensa em rever instrumentos sacramentados pela ordem internacional, como o Índice de Desenvolvimento Humano, passando a considerar elementos culturais em sua composição. Que a Unctad colocou a cultura fora de sua programação oficial e que foi patrocinada pelo mecenas Edemar Cid Ferreira (do falido Banco Santos). Que a ONU vetou a realização do WSIS em um país africano. As reivindicações dos Estados-membro os fizeram voltar atrás, aprovando a realização de um segundo turno na Tunísia.
Isso significa que há muito espaço a ser conquistado e que comemorar a Convenção como uma vitória definitiva é, no mínimo, ingênuo.
Vide a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, que luta tão agonizantemente quanto Paris pela manutenção da propriedade sobre o conhecimento.
Isso sinignifica que a dicotomia entre os povos na rua de Paris e a cúpula da Unesco precisa ser vencida, tal qual a da agonia dos povos perante o sistema ONU.
Leonardo Brant