“Somos uma frustração brasileira em economia e desenvolvimento social”Muito se falou nesse primeiro ano de gestão do Ministro Gilberto Gil em políticas compensatórias para o setor cultural do Nordeste e descentralização dos recursos. O próprio Ministro esteve em Pernambuco diversas vezes, só ficando atrás em número de visitas do Rio de Janeiro, sua residência, conforme dados da imprensa. Tivemos uma arrecadação recorde através da Lei Rouanet chegando perto dos seis milhões de reais e a delegacia regional do MinC passa por uma reestruturação nunca vista. Esses aspectos merecem e devem ser levados em consideração por nós que trabalhamos no nordeste. Porém ainda está muito longe o céu de brigadeiro.
O Nordeste brasileiro vive uma situação impar, devido a enorme produção cultural que mantém em seu território, simultaneamente a uma interminável crise de crescimento. Somos uma frustração brasileira em economia e desenvolvimento social. Amargamos há séculos um total desequilíbrio em relação a outras regiões que nos torna moribundo e muitas vezes sem armas para a luta. Não apenas a falta de recursos nos aflige, mas a falta de políticas públicas que dêem maiores sustentabilidades aos nossos negócios sejam eles culturais ou não. Esse mal com certeza está em todo o Brasil. Mas quando se fala em nordeste a coisa piora e muito.
Sempre que se refere à diversidade cultural o nordeste aparece em primeiro lugar, mas a prioridade nunca passa pelo nordeste quando a questão é política pública para cultura. Poderíamos construir um verdadeiro muro de lamentações para mostrar todas as dificuldades que o nordeste enfrenta para desenvolver projetos culturais, mas não é o caso. O caso aqui é exigir nossa fatia no bolo dos recursos, sem maiores rodeios e sem maiores explicações. O Nordeste não necessita apenas de políticas compensatórias. O nordeste precisa de planejamento e de pessoas comprometidas com esse planejamento atuando nos órgãos federais e regionais para implantação de uma política séria que tenha como único objetivo um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a região.
Passamos todo o ano elaborando de forma incansável a reestruturação da Sudene que, se supunha, iria alavancar e muito o crescimento econômico da região. E o que se viu foi um verdadeiro golpe realizado no orçamento geral da união que jogou, não se sabe para onde e quando, os recursos necessários para implantação da nova superintendência. Esse golpe fragilizou ainda mais a equipe que estava trabalhando pela reestruturação do orgão e que agora pensam em entregar os cargos. O setor cultural estava com muita esperança na Sudene e essa esperança agora se traduz em medo de que nada saia do papel.
Se olharmos com cuidado, veremos que grande parte dos recursos que foram captados pela Lei Rouanet este ano foram destinados para eventos ligados a Prefeituras e Governos Estaduais os quais montam verdadeiras produtoras em seus gabinetes, centralizando os recursos e deixando à margem dezenas de empresas e associações que poderiam estar trabalhando e gerando empregos diretos e indiretos. E o mais grave é que muitos desses eventos têm suas receitas voltadas para artistas e grupos culturais do eixo sul-sudeste que tem forte presença na mídia, recebendo cachês de primeiro mundo, enquanto aos artistas locais quase esmolas como pagamentos. É o Estado atuando de acordo com o Mercado. Ainda bem que como toda regra existem as exceções.
No Mercado Cultural da Bahia realizado em dezembro passado uma série de produtores se reuniu e estão tentando articular uma rede de produtores Nordestinos. No final de janeiro haverá um encontro em Pernambuco para iniciar as discussões e uma pauta comum de luta pela sobrevivência do setor. O Instituto Pensarte desde de abril do ano passado conta com representação no nordeste para trabalhar em projetos pelo desenvolvimento do setor. Dessa forma o Instituto Pensarte tenta atrair recursos que trabalhem na base dos problemas identificados na região. Problemas que vão desde a circulação até a melhoria dos equipamentos.
É importante que o Ministério da Cultura dê mais autonomia as representações do MinC que estão mais perto dos problemas e podem investir os recursos do FNC com mais conseqüências positivas. Com a centralização do poder de decisão desses recursos em Brasília só os grandes produtores e as grandes entidades sem fins lucrativos podem chegar até lá e apresentar seus projetos. A descentralização é uma condição básica para valorizar o papel das representações regionais.
Se o Estado brasileiro precisa ver na cultura um papel estratégico para o desenvolvimento do país, esse desenvolvimento passa pelo norte nordeste do Brasil, porque aqui é onde estão os maiores desequilíbrios sociais.
Outra questão importante para tirar a região desses desequilíbrios é a comunicação e a mídia. Não agüentamos mais ligar nossas televisões e só assistirmos os enlatados vindos do Rio de Janeiro e de São Paulo. A produção de programas locais de rádio e TV é mais que urgente e o Estado brasileiro tem que pagar essa conta, porque foi ele quem criou esses distúrbios, autorizando concessões sem critérios e sucateando as TVS educativas da região. Precisamos nos ver na telinha sem que para isso tenhamos que mandar nossos vídeos e programas para as emissoras do Rio e São Paulo.
O Brasil não suporta mais esse formato de desenvolvimento. Desenvolvimento esse que interessa a poucos e que cria verdadeiros bolsões de miséria econômica, social e cultural. Até quando veremos essa história? E quando será que nós brasileiros iremos nos curar dessa visão míope e preconceituosa que levam todos nós para um único buraco? O buraco da ignorância, da falta de diálogo e do subdesenvolvimento.
Afonso Oliveira