Entraves burocráticos da máquina pública colocam em risco eficiência de políticas culturais como o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva.

Garantir acessibilidade à cultura em áreas de exclusão social. Favelas, pequenos municípios, periferias, quilombos entre outros. Perseguindo esse objetivo, o MinC, a partir de 2003, iniciou uma série de ações, que logo depois cristalizariam-se no programa Cultura Viva – dentro do qual, os Pontos de Cultura são reconhecidos como parte fundamental das políticas. Em alguns casos, no entanto, entraves burocráticos tornam os processos lentos, comprometem sua continuidade e colocam em risco a eficiência do projeto.

O programa Cultura Viva veio na seqüência do BAC [Base de Apoio a Cultura], cujo foco era o planejamento centralizado e estrutural. Caso não tivesse minguado antes de decolar, diversos centros culturais teriam sido criados, segundo conta o secretário de Programas e Projetos Culturais do MinC, Célio Turino, que em 2004 foi chamado a trabalhar na reformulação dessas ações. “O valor que seria gasto nas obras era muito alto, percebi que o dinheiro poderia ser mais bem empregado se fosse aplicado direto na comunidade”.

Nome e conceito baseados na idéia do “do-in antropológico”, divulgada pelo ministro Gilberto Gil (Cultura) durante seu discurso de posse. Traduzindo de forma resumida, a cultura vista como um organismo vivo que precisa de massagem.

Na prática, os pontos de cultura passaram a investir nessa direção, de potencializar iniciativas já desenvolvidas. Por meio de editais públicos, iniciativas da sociedade são selecionadas e recebem investimento para sua implementação e um equipamento multimídia com microcomputador, mini-estúdio para gravação de CD, câmera digital e ilha de edição, para a articulação do processo em rede.

Mas para que a conectividade ocorra de fato, é preciso que todos tenham o equipamento multimídia e, evidentemente, acesso à rede. Assim, apesar das diferenças e distâncias, todos os pontos de cultura poderão estar conectados. Em algumas regiões, no entanto, a “massagem antropológica” ainda não chegou.

Desconectados
A comunidade quilombola Campinho da independência, em Parati, RJ, é um desses lugares “desconectados”. Apesar de serem conveniados como Ponto de Cultura desde 2005, ainda não possuem o kit multimídia. A educadora e coordenadora pedagógica da associação de moradores, Laura Maria dos Santos, 47, é quem cuida dos projetos culturais na comunidade quilombola do campinho. Ela conta que lá, o resgate das tradições é urgente, ois a perda da identidade cultural é muito grande. Só falta aprender a lidar com as planilhas de prestação de contas para fazer o projeto andar.

Segundo a educadora, “o processo ficou truncado” pois a burocracia é inflexível e inviabilizou qualquer avanço: “Há um ano estou trabalhando nessa planilha”. Em maio deste ano o documento foi aprovado, mas até o momento os recursos não haviam sido liberados. Mesmo com as dificuldades ela reconhece que a ação do programa promoveu uma revolução na comunidade. “Todos queriam participar das oficinas de jongo, capoeira, artesanato”. Aos poucos, os problemas foram freando os ânimos. “Os professores há um ano não recebem, com isso vários cursos pararam”.

O secretário Célio Turino, explica que o imbróglio começou já no início da execução do programa, com a aquisição dos equipamentos pelo MinC. “Houve um momento que a liberação do kit multimídia não aconteceu porque compra pública é um desastre, não tivemos na licitação proposta para acessórios”. Resultado: por falta de transformadores de voltagem de trinta reais, os equipamentos ficaram parados. Para os editais mais recentes o problema já foi resolvido. O valor foi adicionado ao convênio para que o próprio ponto de cultura fizesse a compra. Não foi o caso do quilombo do Campinho, edital de 2004, anterior a essa decisão.

“Fizemos uma opção radical de fomentar o protagonismo das comunidades, fazendo o convênio direto com as associações sejam elas de quilombolas ou de cantores de hip-hop, muito provavelmente é o primeiro em esfera governamental que essas entidades estão fazendo”, argumenta o secretário. Porém, ele adverte que as regras do governo são as mesmas, para todos os casos, independente do valor envolvido. “Naturalmente isso fez com encontrássemos várias dificuldades, como os impedimentos legais”.

O secretário observa que logo será necessário construir um novo marco legal. “Precisamos de mecanismos mais ágeis”. Ele acredita ainda que, gradativamente, as associações devem se aprimorar na prestação de contas. “Não tem outro jeito, tem que ser de acordo com a lei, isso acarreta por vezes em atrasos nos repasses da verba que por sua vez está vinculada à prestação de contas de parcelas anteriores”.

Carlos Minuano


editor

1Comentário

  • Gisele, 28 de setembro de 2007 @ 15:42 Reply

    Passamos pelas mesmas dificuldades ao realizar convênios com associações de Capoeira, Hip Hop e Skate em um projeto social de Juiz de Fora, em 2003… só que os entraves foram na esfera de governo municipal.
    Tínhamos o recurso do convênio em caixa, mas a formalização dos convênios era tão cheia de exigências que sofremos um atraso de 1 ano para começar os trabalhos.
    Parece um impasse: qual o ponto ótimo entre controlar o uso de recursos públicos (evitando os descabidos desperdícios e desvios) e acompanhar e fortalecer, com a agilidade compatível, os projetos culturais da sociedade?

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