Enquanto uma série de entidades realizam discussões acerca da produção nas periferias urbanas e nas pequenas cidades, grupos da Zona Sul de São Paulo organizam sua própria discussão e lançam manifesto
Criticando as elites e propondo libertação – estética e de amarras sociais à produção cultural – a Semana de Arte Moderna da Periferia: Antropofagia Periférica realiza atividades desde 4/11 até 10/11, e lançou recente manifesto. A programação dos dias restantes e o manifesto, na íntegra, se encontram ao final desta matéria.
A mobilização foi realizada a partir e com o apoio da Cooperativa de Artistas da Periferia (Cooperifa), é organizado por mais de 40 grupos de várias partes da Região Metropolitana de São Paulo e terá atividades em diversos pontos da Zona Sul da cidade de São Paulo, periferia extensa, que sem considerar os municípios vizinhos conta com quatro milhões de pessoas.
Têm se realizado na última década, com a atuação de ONGs, em especial ligadas à arte-educação ou à educação e à cultura, como a Ação Educativa, associações de bairro, órgãos públicos – de casas de cultura à museus e bibliotecas -, grupos independentes – de cinema, teatro, poesia e artes plásticas – e com a criação de políticas de fomento à produção, como o Programa Cultura Viva, o VAI, da prefeitura de São Paulo, e aplicações da Lei Rouanet, que fomentam atores importantes na área, como o Itaú Cultural.
Eleilson Leite, historiador e produtor cultural que tem mobilizado apoio para a cooperativa através da ONG Ação Educativa, onde atua, escreveu sobre a semana, no jornal Le Monde Diplomatique Brasil “Essa característica de movimento e a condição social dos artistas que promovem a Semana de Arte Moderna da Periferia é um fator que distingue este evento daqueles liderados por Oswald de Andrade e Caetano Veloso. A Semana de 1922 e a Tropicália defendiam posições estéticas dentro do campo dominante. Eram posturas inovadoras, radicais, mas disputavam com a elite.
Agora, Sergio Vaz e os artistas da Periferia vêm a público constranger as elites. Esses artistas vão defender um espaço no qual sempre estiveram excluídos. Na Periferia se faz cinema, teatro, música, dança, artes plásticas e literatura. O evento vai se constituir num espaço de afirmação dessa cultura”. A ONG, assim como o Instituto Itaú Cultural, o SESC Santo Amaro, a Global Editora, a Associação Amigos das Oficinas Culturais do Estado de São Paulo (ASSAOC) e a empresa Maxprint, é uma das apoiadoras da Semana, e colaborou na conquista de boa parte do espaço conquistado pela Cooperifa e por seus participantes na mídia.
Esse conhecimento, essa midiatização, não são para Sergio Vaz, autor do Manifesto desta Semana e um dos fundadores da cooperativa, sobre o que ele disse a esta reportagem que “Os saraus têm uma caracteristica singular, são feitas nos bares da periferia, ou seja, por mais conhecido que fique, por conta da mídia, ainda assim seus protagonistas continuam morando na comunidade, fincando e ficando referência para os moradores”.
Mas o que há de novo modernismo nessa vivência e atuação dos grupos que compõe a Semana? Vaz, novamente, responde: “Moderno é a nossa ousadia, a consciência de saber nossas limitações e a atitude para enfrentá-las. O medo ficou no período barroco”. O poeta julga ainda que, nestes seis anos de estrada, houve um amadurecimento dos componentes: “Aprendemos a ler as entrelinhas. Aprendemos a canalizar a raiva. Aprendemos a consertar a poesia e, em conseqüência disso, a poesia está consertando a gente”.
Outra visão, ao mesmo tempo vinda de dentro, por ser de uma periferia, e de fora, por não ser de um membro assíduo da Cooperifa, é a do produtor cultural Alessandro Buzo, criador da empresa Suburbano Convicto Produções. Para ele, a Semana vem sim consolidar a cena, junto com, entre outras coisas, a Coleção Literatura Periférica, da Global Editora, que editou recentemente cinco livros de autores da periferia e os distribuiu nacionalmente. Porém, se há mudança para ele, não está com esse manifesto e os eventos, mas dia após dia, a cada palestra, debate e lançamento de livro. “É a Evolução, revolução sem o “R”, até porque banalizaram a palavra revolução. Todo mundo diz que é revolucionário e não faz uma para ninguém, a gente (escritores e poetas), falamos de evolução que vem a ser revolucionar de verdade”, polemiza.
Sobre a questão da evolução, é importante perceber que a Cooperifa, membro a membro, tem se profissionalizado. Hoje, além do sarau todas as quartas, é comum que também ocorram durante a semana, em escolas, e participação dos membros da entidade em diversos outros espaços. O próprio Buzo, em entrevista há cerca de um ano, disse que tinha perspectivas de viver de cultura, embora ainda não o fizesse, vivendo na época como representante de vendas.
Hoje a situação mudou, como ele mesmo descreve: É, e sempre foi, viver para a Cultura, mas tem que ser também viver de cultura. Faço mil e uma coisas, livros, blogs, palestras, favela toma conta (festa de rap em comunidades), e como pago a água, luz, telefone, supermercado, internet e tudo mais? Vivo hoje para a Cultura e de Cultura, mas trabalho pra caramba, tenho uma loja (livros, roupas, cd´s, dvd´s, revistas), sou assistente de produção numa produtora de vídeo (a DGT Filmes) e outras coisas mais. Não tenho um pai, ou mãe para pagar minhas contas, Faço cultura e tenho que sobreviver. Pensavam que não sabíamos nem ler e estamos escrevendo livros, para nossa história a gente mesmo escrever. Tese de faculdade eu tô cansado de ser”.
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Programação (6/11 – 10/11):
TERÇA: 06/11 – D A N Ç A
TARDE:
14h00 – MOSTRA DE VIDEO
14h30 – PALESTRA / DEBATE
15h30 – WORKSHOP / DANÇAS
-intervenções poéticas (em todos os intervalos)
NOITE:
18h00 – MARANA CAPOEIRA
Roda de capoeira: Angola / Regional.
18h30 – FLOR DE LIS (grupo da melhor idade)
Coreografia: Dança Indígena
19h30 – PROJETO DIVERSIDANÇA
Coreografia: Danças da Peneira (Flor de lis)
20h00 – CIA. SANSACROMA (afro contemporâneo)
20h30 – ESPÍRITO DE ZUMBI (Afro Brasileiro)
Local: CEU CAMPO LIMPO
Av. Carlos Lacerda, 678 – Campo Limpo
QUARTA: 07/11 – L I T E R A R U T A
17h00 – DEBATE: “A produção literária na periferia”,
Debatedores: Debatedores: Alessandro Buzo; Sacolinha;
Elizandra Souza; Antonio Eleilson. Mediação: Sérgio Vaz
Local: CASA POPULAR DE CULTURA M’BOI MIRIM
Av. Inácio Dias da Silva, s/nº – Piraporinha.
20h00 – SARAU DA COOPERIFA
Local: BAR DO ZÉ BATIDÃO
R. Bartolomeu dos Santos, 797 – Chácara Santana
QUINTA – 08/11 – C I N E M A
16h00 – Dança das Cabaças – Exu no Brasil – 54´
17h15 – Poeira – 5´
O Último da Fila – 10′
A Viagem – 12´
Paralelo: Espasmos de Realidade – 16′
18h15 – Defina-se – 4´
Nhanhoma Paulista – 2′
Cosmolho – 3′
19h15 – Onomatomania – 2´
2 Meses e 23 Minutos – 23′
Panorama: Arte na Periferia – 50´
20h30 – CONVERSA ENTRE CONVIDADOS E PÚBLICO
Local: CEU CASA BLANCA
R. João Damasceno, 85 – Vila das Belezas
19h00 – Exibição de vídeos no Terminal Capelinha
Estr. de Itapecerica, 3.222
SEXTA: 09/11 – T E A T R O
08h30 – Café da manhã e colóquio com coletivos teatrais
11h00 – Band’doido apresenta “… Não é contar piada!”.
14h00 – Cia. Diarte Teatral apresenta “Fragmentos de um poeta”
16h00 – UMOJA apresenta demonstração de processo do espetáculo “Quem me
pariu?”
17h30 – Capulanas apresenta performance “Negra Poesia”
18h00 – Ação e Arte apresenta performance com trecho do seu novo espetáculo
“X”
19h30 – Brava Companhia apresenta “A BRAVA”
Local: CENTRO CULTURAL MONTE AZUL
Av. Tomás de Souza, 552 – Jardim Monte Azul
SÁBADO: 10/11 – M Ú S I C A
Show com os grupos:
16h00 – Trio Porão
16h45 – Chapinha do Samba da Vela e Pagode da 27
17h30 – Wesley Noog
18h10 – B Valente
18h55 – Os Mamelucos
19h50 – Banda A
20h40 – Periafricania
21h35 – Preto Soul
11h05 – Versão Popular
Local: CASA POPULAR DE CULTURA M’BOI MIRIM
Av. Inácio Dias da Silva, s/nº – Piraporinha
REALIZAÇÃO: Cooperifa
Apoio Cultural: Itau Cultural, SESC Santo Amaro, Global Editora, ASSAOC,
Ação Educativa, Maxprint
Informações: (11) 9342-8687 / 8358-5965
cooperifa@gmail.com
www.colecionadordepedras.blogspot.com
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Manifesto da Antropofagia Periférica
A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.
A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula. Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha.
A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.
A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer. Da poesia periférica que brota na porta do bar.
Do teatro que não vem do “ter ou não ter…”. Do cinema real que transmite ilusão.
Das Artes Plásticas, que, de concreto, querem substituir os barracos de madeira.
Da Dança que desafoga no lago dos cisnes. Da Música que não embala os adormecidos.
Da Literatura das ruas despertando nas calçadas.
A Periferia unida, no centro de todas as coisas.
Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala.
Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala.
É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país. Que, armado da verdade, por si só exercita a revolução.
Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona.
Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural.
Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.
Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!”.
Contra os carrascos e as vítimas do sistema.
Contra os covardes e eruditos de aquário.
Contra o artista serviçal escravo da vaidade.
Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada.
A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.
Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.
É TUDO NOSSO!
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