A realização da democracia, esta em sentido amplo, conta com a busca da igualdade formal e material, além do respeito às diferenças. Sendo a igualdade um dos pilares dos direitos humanos, evidente que habitamos um país caracterizado pelo desrespeito a esses direitos. Conseqüência direta desse quadro é a ainda insuficiente democracia social, econômica, educacional e cultural, por exemplo, mesmo levando em conta os grandes avanços, principalmente na democracia política, que tivemos nos últimos anos.
O foco deste artigo é a democracia cultural, sendo evidente que ela é bastante reduzida, principalmente pela falta de reconhecimento das expressões humanas advindas dos segmentos menos favorecidos economicamente.
Por incrível que pareça, nossa legislação traz, no leque de direitos fundamentais, os direitos culturais, normalmente em conjunto com os direitos econômicos e sociais, fato que faz aqueles perderem força diante destes, que são caracterizados pelo direito ao trabalho, à saúde, à educação, à previdência etc. Ocorre que nenhum direito humano pode ser descartado ou considerado hierarquicamente inferior. É que os direitos humanos caracterizam-se por serem inalienáveis, imprescritíveis, indivisíveis e interdependentes, ou seja, a dignidade humana, para ser efetiva, requer que todos os direitos humanos sejam respeitados, e os direitos culturais não fogem à regra – não são mais nem menos importantes do que os outros.
Devido a uma dormência inquietante, a existência dos direitos humanos culturais praticamente não é citada nas discussões jurídicas, e nem nas discussões culturais. No entanto, considerando a característica de indivisibilidade e interdependência, percebe-se que os direitos humanos culturais são tão importantes quanto o direito à vida, por exemplo.
Hoje, as convenções internacionais reconhecem como direitos humanos culturais a participação na vida cultural e artística da comunidade, o gozo dos benefícios do progresso científico e tecnológico, o respeito à liberdade indispensável para a pesquisa científica e a atividade criadora, a defesa da diversidade cultural etc. Apesar de estarem positivados no direito pátrio, nossos administradores parecem desconhecer esses direitos, e tratam a Cultura como se fosse perfumaria, isto é, alimentam-na com migalhas e, ao primeiro sinal de crise, negam-lhe inclusive as migalhas. Não bastasse o orçamento pífio que sempre foi destinado à cultura, o Ministério por ela responsável acaba de sofrer o terceiro maior corte do orçamento federal (78%), sem falar em outras medidas que prejudicam sobremaneira a atividade cultural, como a Lei Complementar n° 128, publicada no apagar das luzes de 2008 e que praticamente triplicou os impostos de muitos que atuam no segmento cultural.
Grande parte do governo parece desconhecer que, para atingir a verdadeira democracia, é necessário que seja ela plena em todos os aspectos, ou seja, tem de ser uma democracia cultural, econômica, social, educacional e política. É a cultura que permeia e catalisa o processo de obtenção da plenitude democrática.
Ora, se os direitos culturais são tão importantes como os direitos de ir e vir, à vida, à saúde, de reunião, de liberdade religiosa, à educação, o que justifica tratar os direitos humanos culturais como subalternos, ou mesmo desconsiderar sua existência? Considero que a vida, sem possibilidade de expressão cultural, é vida sem ser vivida. Como diz o poeta, é viver sem passar pela vida.
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