Seminário promovido pela Votorantim em São Paulo realiza uma série de painéis sobre o tema

A realização, em São Paulo, do 1° Seminário Internacional de Democratização Cultural, promovido pelo Instituto Votorantim, foi acompanhada por nossa reportagem. A cobertura e balanço gerais do evento podem ser acompanhados aqui. Mais dados sobre os palestrantes podem ser consultados no site do Seminário Votorantim. Nesta reportagem, estão presentes as coberturas dos painéis e mesas redondas realizados no evento.

A tão apregoada inclusão, por sua vez, não esteve presente na própria estrutura do Seminário. Nas mesas, acadêmicos e empresários discutiam rumos e paradigmas, apresentavam dados e críticas. Movimentos sociais, educadores, mestres de cultura popular e gestores locais estiveram presentes, quando muito, nos videocasos, mediados.

Apesar disto, é certo que este fórum teve sua importância, avançando na conscientização de que o fomento à cultura não pode ser desregrado, nem tão pouco gerido sem uma finalidade. Faltou, porém, levar em consideração avanços já realizados em outros fóruns, assim como uma participação maior das entidades convidadas a prestigiar os debates.

Democratização do quê?
O painel de abertura do seminário contou com a presença do pesquisador francês Olivier Donnat, cujas contribuições foram comentadas pela professora Isaura Botelho, da USP. Donnat apresentou o panorama das políticas de investimento em acesso à cultura na França, do pós-guerra aos dias atuais. Foram, de acordo com Donnat, 40 anos de políticas culturais que não foram capazes de diminuir as desigualdades. Criar equipamentos culturais, por sua vez, se aponta como criar uma demanda, em busca de um equilíbrio entre a quem se destina e quem usufrui destes equipamentos, e, justamente por haver esta dificuldade, faz-se necessário avaliar a efetividade das políticas culturais.

O gestor, hoje funcionário do Ministério da Cultura francês, levantou ainda a questão da necessidade de se pensar e planejar com cuidado o que democratizar e como fazê-lo, em especial porque políticas de investimento à cultura tem impacto pífio sem investimento em educação, não apenas a educação formal, e sem a figura da mediação cultural, de forma absoluta. Donnat problematizou ainda a necessidade de se atualizar a igualdade da democratização: não é justo dar a mesma diversidade de oferta para a elite ou para os mais pobres. Apontou, por sua vez, que para se avançar na gestão de políticas públicas de acesso à cultura é preciso matar o mito da revelação cultural, precisar os objetivos das estruturas culturais e desenvolver uma oferta cultural de qualidade e on-line. A política cultural que se faz necessária deve, para Donnat, servir para aumentar o prazer estético individual e também o prazer de estar em grupo,promovendo a tolerância. Por fim, defendeu as políticas de proteção cultural para garantir a existência, diversidade e democratização das culturas locais.

Botelho criticou, por sua vez, a falta de mediadores culturais, que a seu ver devem ter formação, formal e informal, para facilitar o acesso aos meios públicos de cultura. Colocou ainda a necessidade de reverter o quadro de investimento focado na cultura mais prestigiada, e que a formação integral do indivíduo se dá através da formação global e do investimento na formação integral do indivíduo por meio da cidadania cultural, através da atuação cultural. Para tal, é preciso haver políticas públicas para levar a cultura do entretenimento para o patamar do protagonismo e do entendimento.

O momento seguinte do seminário, que ocupou a tarde do dia 30, foi composto de dois espaços distintos: um painel sobre Consumo Cultural na América Latina, com apresentação do pesquisador Guillermo Sunkel e comentários de Maria Helena Pires Martins, e uma mesa redonda intitulada Pesquisas sobre Práticas, com a mexicana Ana Rosas Mantecón e os pesquisadores brasileiros Maria de Fátima Lima D’ávila, Maurício Fiore e Denise Grinspum. Esta reportagem não acompanhou as apresentações destes pesquisadores. De acordo com o relato de alguns dos presentes e dos materiais de apoio utilizados nas apresentações, Sunkel apresentou dados sobre consumo de produtos culturais na América Latina, realizando análise a partir do consumo, em especial sobre o consumo dos jovens.

Ávila, por sua vez, apresentou os resultados das pesquisas sobre consumo cultural realizadas pela prefeitura de Porto Alegre, assim como as metodologias utilizadas para conceituar o consumo cultural. A pesquisa de Fiore, por sua vez, aponta índices e analisa dados sobre consumo e ação cultural dos moradores da Grande São Paulo. Em todas as pesquisas, fica clara a importância crescente das mídias eletrônicas (rádio, televisão, DVD e Internet) nos hábitos culturais, assim como a influência de fatores econômicos e sociais no consumo de bens culturais, seja no dos meios eletrônicos, seja no da Arte.

Democratização para quê e por onde?
O momento seguinte do seminário, responsável pelo grosso das exposições e conceitos apresentados, focou a democratização por meio de um trabalho mais aprofundado de Arte na educação, por sua permeabilidade social e pelo potencial pedagógico da arte-educação, e do uso de conceitos educacionais nos projetos de ensino da arte, pela liberdade e possibilidade de inovação destes projetos em tecnologias de redes sociais e pedagógicas.

No seminário A Educação para as artes no mundo globalizado, os acadêmicos Jerome Hausman, estadunidense, e Ana Mae Barbosa, brasileira, debateram casos de arte-educação. Hausman abriu sua participação defendendo a importância do professor na formação do caráter e do conhecimento, e da capacidade de passar este conhecimento. Comentou ainda os impactos das novas tecnologias e da globalização, como um fenômeno tecnológico que impacta o que somos e o que fazemos, ao que colocou que “Em última instância, as mudanças culturais estão mudando as pessoas. O desafio é encontrar um equilíbrio saudável entre as necessidades pessoais e comunitárias. Ao mesmo tempo, há novos meios e formas de fazer arte”.

Hausman fez menção ainda à importância da arte no currículo escolar, para permitir o surgimento de um “letramento visual” e de uma “consciência multicultural”, e sobre o que disse: “O mundo sem Arte não é imaginável. É necessária, a Arte, à sobrevivência e às mudanças culturais e sociais, para o que se precisa de Arte crítica, tratando de temas não bonitos, mas necessários, como meio-ambiente, justiça social, gênero e sexo, transfigurados em experiências estéticas”. Defende ainda que tal importância, por sua vez, mostra-se crucial se percebemos que as pessoas criaram arte antes mesmo de ter uma palavra para definir o que ela é, e que há uma estética potencial em toda atividade humana.

Barbosa, em seus comentários, colocou a importância da Arte como meio de expressão e de resistência. Para a arte-educadora, a Arte é o baluarte da democracia contra a ditadura. É grande, por este motivo, a importância das ONGs, que mostram o papel da arte, para a formação do conhecimento e para a mudança social. Em seguida a estas colocações, Barbosa criticou duramente o ensino das Artes no país, em especial a utilização de cartilhas, a formulação dos Planos Curriculares Nacionais (PCNs) e a grade curricular, que dá às crianças muito pouco tempo de aulas de artes. Falta ainda, para Barbosa, uma melhor compreensão, por parte dos gestores e universitários que criam estes parâmetros, da realidade dos alunos e das escolas. Criticou ainda as empresas com projetos próprios de fomento à cultura, pois estas sobrepõe o valor do marketing ao valor educacional do projeto, e o deturpam. Colocou ainda que é o reconhecimento da cultura do sujeito que o torna capaz de conhecer outras culturas.

Ambos trataram ainda da relação artista-comunidade – seja através da ida do artista para a sala de aula e sua transformação em estúdio, seja através de experiências de arte-educação em ambientes urbanos, em especial as experiências de recuperação urbana em Chicago (EUA).

Na mesa redonda Brasil: Contexto e experiências, por sua vez, debateram Lívia Marques Carvalho, Danilo Santos de Miranda e Celso Frateschi, mediados por Lárcio Benedetti, do Instituto Votorantim. Carvalho apresentou sua experiência com ONGs no Nordeste, região de onde vem e onde atua. Colocou que hoje são 250 mil ONGs em atuação no país, responsáveis por 2 milhões de empregos diretos e 12 milhões de voluntários, beneficiando 9 milhões de pessoas, através de iniciativas como a organização através de redes de associativismo e o uso da cultura como recurso para transformação social. É fundamental, neste modelo, o uso da experiência artística como forma de socializar e dar experiência às crianças e adolescentes, como o contato com os direitos do cidadão. Carvalho chamou a atenção, porém, para a necessidade de formação nas ONGs, que têm hoje grandes dificuldades em conseguir apoio oficial para seus projetos, por não terem como concorrer aos editais de fomento dos diversos programas, em especial ONGs das regiões norte e nordeste do país.

Miranda, representante da rede Sesc no evento, fala da experiência da rede em buscar um ambiente de acessibilidade total para seus usuários, permitindo a fruição da Arte em seu papel de criar um estranhamento criativo, de puxar uma saída do extraordinário, através do acesso democrático à produção e ao resultado proposto pela instituição. Para o Sesc, coloca, a relação cultura-educação-cidadania é central. Miranda pontua ainda que tem uma grande dificuldade de entender o marketing social e o marketing cultural, para ele incongruentes com seus objetos, posto que tendem a alterar a natureza dos projetos e não valorizar, em primeiro lugar, o objetivo em questão, ao passo que valorizam a exposição da instituição apoiadora dos projetos na mídia. Por este motivo, considera fundamental que o Estado explore sua vocação de grande fomentador, formador e estabelecedor de estruturas, inclusive reestruturando alguns setores da economia da cultura. A continuidade de políticas públicas também é uma questão central, assim como a necessidade de focar o impacto da ação cultural no cidadão, e não no consumidor ou no pagador de impostos.

Frateschi, atual presidente da Funarte, representou nesta mesa a visão do gestor público. Em sua fala colocou que as experiências brasileiras na área, acadêmicas e de ONGs, recebem atenção em eventos internacionais, mas têm um problema de escala, não tem a escala necessária para terem impacto e conhecimento dentro do próprio país. Falou ainda da experiência dos CEUs enquanto equipamentos culturais de grande porte e ligados ao conceito de educação em tempo integral. Mas tentou responder a uma pergunta que ele mesmo cunhou: O que nos impede de estabelecer políticas de Estado para acesso à cultura, o direito à Arte? Para o gestor, o que acontece é que talvez a sociedade ainda encare a Arte como produto de luxo, embora ele possa não ser o que as populações marginalizadas desejam, e além disso o Estado não tem hoje paradigmas para o ensino de arte, em contraposição com as experiências positivas, no Brasil praticamente “clandestinas”. Não há, ainda, trabalho sistêmico e transversal nos governos, nem tampouco relação sólida entre as Secretarias de educação e cultura nas instâncias municipais, estaduais e federal.

Apesar disto, Frateschi defendeu ser o Estado o espaço democrático e não autoritário por onde podem se realizar mudanças sociais, havendo porém a necessidade de se pensar no trabalho cultural e no investimento à longo prazo. Temos de entender ainda a democracia como um processo constante de aperfeiçoamento. Por último, o gestor colocou que podemos esperar grandes mudanças na cultura em setembro, com o chamado PAC da cultura sendo finalmente anunciado pelo presidente Lula.

Encerrando os debates sobre os meios por onde realizar a democratização, a mesa redonda Novas formas de circular e consumir cultura tratou de três mídias e de seu impacto na formação da cultura: a televisão, o cinema digital e a Internet. Com mediação da acadêmica Esther Hambúrguer, e participação de Débora Garcia, José Eduardo Ferrão e André Lemos, o debate foi focado no papel das novas mídias na promoção da diversidade cultural. Hambúrguer colocou que hoje o ambiente é de grande efervescência cultural, o que demonstra a mudança do lugar que a cultura ocupa na sociedade, hoje central, enquanto as novas tecnologias acenam com possibilidades de democratização, para tornar esta cultura mais acessível.

Débora Garcia, representante do Canal Futura, falou sobre a estratégia de gestão enxuta do canal, em contato com produtoras de conteúdo que são responsáveis por boa parte da grade, definida pela direção do canal, e chamou atenção para o modelo de gestão colaborativa e para a finalidade educativa presentes desde a origem do projeto. Colocou ainda a necessidade da criação de constantes ferramentas de contato com os usuários, entre elas a realização de fóruns temáticos em comunidades diversas, a presença na equipe de 20 educadores, que realizam contato com a sociedade, e de projetos de diálogo do canal com as comunidades locais. Por outro lado, coloca a expansão do canal, dentro de sua finalidade educativa, colocando seu conteúdo na Internet e expandindo a rede de emissoras, inclusive na televisão aberta.

Ferrão, executivo da empresa de áudio-visual digital Rain, responsável por investimentos em digitalização de salas de cinema, especialmente para o circuito alternativo, criticou a situação do parque exibidor nacional, colocando que o país é um dos piores em proporção tela/pessoa no mundo. Para uma boa cobertura seriam necessárias ao menos mais 2500 telas (hoje são cerca de 2000). Para melhorar o acesso, considera necessário porém que haja uma mudança de paradigma no setor. Colocou ainda que a questão econômica empurra naturalmente para a democratização, posto que muitos negócios, hoje, tendem a somente continuar existindo ao se democratizarem, aumentando seu mercado.

No cinema digital, por sua vez, Ferrão coloca que experiências com filmes independentes ou segmentados, tem dado certo, e que estes filões necessitam de um maior espaço de difusão, ao mesmo tempo que podem se tornar a solução para os problemas de público do setor.

André Lemos, professor da UFBA, falou sobre usos da Internet e cybercultura, e começou sua intervenção ao colocar que “estamos vivendo, talvez, a época de maior democratização da cultura”, com o domínio dos meios de produção, acesso e o controle do canal de distribuição, caracterizando o que classifica como um ambiente de comunicação pós-massiva, em que toda produção pode ser produzida, reciclada e remixada. Para o acadêmico, estamos vivendo uma verdadeira revolução, com os sistemas de comunicação de massa sendo tencionados pelos de estrutura aberta. Neste ambiente, coloca, é fundamental a importância da educação para o acesso ao digital e para a produção da informação, assim como para a atuação em rede e colaborativa. Estamos efetivamente dominando os meios de produção, falta fazê-lo de forma colaborativa e com mais acesso, mas para tal precisamos de mecanismos econômicos de inclusão das pessoas Uma vez on-line, as próprias pessoas se incluem nestas novas mídias.

Democratização como?
Com o objetivo de debater meios para a participação popular na cultura, e buscando a cultura, a mesa redonda Políticas públicas e cidadania cultural contou com a presença de Hamilton Faria, Valéria Rocha, Regina Reyes Novaes e Gustavo Vidigal.

Novaes fez as considerações mais amplas sobre o tema, colocando a necessidade de, antes de tudo, preocuparmo-nos em conceituar o que é Cultura, pois o conceito de cultura influencia o conceito e a ação através de políticas culturais. Afirmou ainda que as identidades pessoais, por sua vez, se reconstroem na Cultura, que é uma coisa viva, em relação à qual é grande a importância do jovem como motor da reinvenção da cultura, e que hoje vivem exclusivamente neste mundo midiatizado, diferenciado quanto às fontes de cultura. Por este motivo, Novaes defende que se o Estado quer fomentar a diversidade, deve fazê-lo também na grande mídia, repensando os papéis das televisões públicas e privadas, e fomentando a diversidade e a diversificação dos conteúdos.

Rocha, em sua apresentação, falou sobre o Programa Cultura Viva, iniciativa do MinC da qual participa, e responsável pelos Pontos de Cultura. Defendeu o programa como uma política de acesso, de democratização da Cultura, de investimento em gente. Colocou ainda que a democratização do acesso não é só incluir as culturas ou permitir a fruição das culturas, mas incluir na consciência da população a noção do direito a cultura e a produção cultural, e de entender e atender as demandas decorrentes disso.

Gustavo Vidigal, relator do Plano Nacional de Cultura no Ministério da Cultura, representou Alfredo Manevy, assessor do ministério. Em sua fala, fez a defesa dos programas do Ministério e do papel das ferramentas legais, em especial do Plano Nacional de Cultura, na formulação de políticas culturais duradouras.

Terminando o debate, Hamilton Faria, enquanto mediador, colocou que “há que se radicalizar a democracia e torná-la mais direta”, se quisermos alterar a atual conjuntura de participação das comunidades na economia da cultura e na formulação de políticas culturais. Por conseqüência, precisamos rever também a legislação que rege a economia da cultura.

Guilherme Jeronymo


Morador do Campo Limpo (Zona Sul de São Paulo), é jornalista e mestre em comunicação, além de pesquisador no núcleo Alterjor, da ECA/USP.

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