Para presidente da Cinemark, idéia de rede estatal de salas de exibição “é ridícula”; taxa sobre a bilheteria para o financiamento do filme nacional, se aprovada, será repassada ao públicoPor Israel do Vale
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04/09/2003

Valmir Fernandes gerencia uma em cada quatro salas de cinema do país. Há seis anos à frente da rede Cinemark, o engenheiro químico de formação é responsável pela expansão da empresa no Brasil, hoje com 60 mil poltronas distribuídas por sete estados. Atuando no formato multiplex, em complexos de seis a 14 salas, o grupo tem importância considerável no aumento de público no país nos últimos anos e segue sendo ampliado, com inaugurações previstas para Curitiba (PR), Niterói (RJ) e Belo Horizonte (MG) nos próximos meses.

Presidente da Abraplex (a Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex) e um dos diretores do Congresso Brasileiro de Cinema (que reúne 17 entidades do setor no Estado de São Paulo e 43 em todo o Brasil), Fernandes ocupa lugar privilegiado (embora nem sempre confortável) no jogo de forças do que se costuma chamar de ?elo da cadeia produtiva do cinema nacional? ?não raro as discussões que acompanha desaguam em críticas a distribuidores e exibidores, os ditos ?gargalos? do cinema brasileiro.

Mas Valmir Fernandes é interlocutor hábil. Desfruta de grande respeito entre produtores e cineastas. É tido como um aliado, mesmo sem deixar o estado de vigília dos interesses do setor que representa, como mostra na entrevista abaixo _em que prega bom senso numa eventual redefinição do sistema de cotas de exibição para o filme brasileiro (que atualmente tem assegurados 8% de participação no ano), defende uma investida racional do curta-metragem com a ocupação de salas e horários específicos, critica a idéia de uma rede de salas públicas que circula pelo setor como opção para a ampliação de espaços para o cine.br. ?Não podemos virar uma Venezuela?, diz. Sobre o projeto de se cobrar 5% da bilheteria de cinema para o financiamento de filmes, ele não tem dúvidas: se for aprovado, ?vai ser repassado para o preço do ingresso?.

Fernandes falou à reportagem após participar, como diretor do CBC, de mesa preparatória para o 5º Congresso Brasileiro de Cinema, que se realiza entre 14 e 17 de novembro em Fortaleza. A reunião foi parte do Encontro de Entidades de Cinema do Estado de São Paulo, acolhido pelo Núcleo de Cinema de Ribeirão Preto, um dos mais fortes ?bunkers? da sociedade civil nesta área estruturados no interior paulista.

Cultura e Mercado – Há uma polarização muito comum nas discussões sobre o mercado do filme brasileiro que afirma que o nó está na distribuição e exibição. Você concorda com ela? Acha que tem sido possível avançar nessa questão?
Valmir Fernandes
? Não estava entre os objetivos do encontro resolver esta questão. Sabemos que a dificuldade é estrutural e, em sendo estrutural, ela não se resolve de imediato ou com base em decisões. Ela se resolve ao longo do tempo, fazendo uma série de coisas e resolvendo estes problemas estruturais.

C&M – Qual a visão da Abraplex sobre isso? Você considera que esta discussão continua maniqueísta ou já avançou?
VF
– Eu acho que a discussão avançou pouco. Não é fácil. A minha atuação e a atuação da Abraplex tem sido no sentido de dar bons exemplos e criar fatos relevantes em prol do conteúdo e do cinema nacional, de forma a ser visto de uma maneira menos controversa ou menos conflitante. Isso é o que nós temos tentado fazer. Ainda não chegamos lá, acho que está longe disso. O diálogo já está aberto. Agora, você chegar, dialogar e chegar a um convencimento do outro lado, é algo que ainda vai levar um tempo. Ou seja, o conflito entre exibidor, distribuidor e produtor ainda tem um bom caminho para percorrer até a gente conseguir progressos. Acho que está muito cedo para se esperar milagres nesse relacionamento.

C&M – Você considera justo que se diga que existe preconceito do exibidor pelo filme nacional?
VF
– É injusta a generalização desta frase, mas eu não acho errada. A gente percebe que determinadas empresas, determinados colegas, não dão um tratamento isonômico, coisa que a gente briga muito mas ainda acontece. De qualquer maneira, e é um fato que eu ainda defendo, eu acho que a gente não pode tratar o setor como um todo por erros de quem quer que seja, de A, B ou C que hoje, graças a deus, são a minoria. A gente tem que parar de tratar o setor como um setor mal-intencionado ou que trata mal o produto nacional e começar a simplesmente olhar e reconhecer aquilo que o setor faz. Se o setor faz boas coisas, ok, o setor fez boas coisas; se o setor não faz boas coisas vamos também chamar atenção. Mas não generalizar o mal comportamento como sendo de uma classe.

C&M – Qual a sua posição sobre a cota de tela?
VF
– A cota de tela deveria ser vista sempre como uma situação mínima, que o exibidor teria que honrar, e a partir da qual o exibidor usaria o seu julgamento e o julgamento do público para escolher o que entra, o que sai, o que permanece. O problema é colocar essa cota como objetiva. Ela não é uma coisa objetiva. Se ela for vista como uma garantia mínima, eu sou favorável, defendo como sempre defendi e sempre cumpri. Se ela for colocada com o objetivo de ser um valor a ser atingido, sempre, seria um problema grave, porque pode inviabilizar o crescimento do setor de exibição, o que seria um tiro no pé da indústria toda. Acho que esta é a questão mais crítica, pela qual a gente tem que brigar ainda, porque não existe consenso.

C&M – O patamar atual é tímido ou realista?
VF
– Como mínimo, é realista. Como objetivo a ser alcançado é lógico que ele não atende. O objetivo a ser alcançado é mais alto e a prova disso vai ser este ano, quando certamente a exibição vai apresentar dados do produto nacional superiores à cota e com uma diversidade enorme de títulos. Então eu acredito que a gente pode cada vez mais ver a cota como cota mínima, entendendo que a exibição vai dar suporte àqueles produtos que tiverem sucesso e o público quiser ver.

C&M – A previsão deste ano é de que a participação do filme nacional seja maior que o dobro do que estabelece a cota. Não seria natural pensar em ampliar este piso para um índice maior?
VF
– É este sempre o problema. Isso é extremamente arriscado, pode gerar uma situação muito complicada para o setor de exibição e, aparentemente, seria desnecessário, uma vez que mesmo com o piso reduzido a gente vai mostrar uma situação com o dobro do que estabelecia a cota. Eu espero contar com o bom-senso de não se colocar este patamar num valor que, por um problema de fluxo do produto, não coloque a exibição toda contra a parede. Não deveria ser, uma vez que se concorda que a exibição é um dos principais gargalos do setor.

C&M – Você acha que existe margem para flexibilizar isso, para ampliar um pouco, ou isso é desnecessário?
VF
– Eu acho desnecessário mexer nesse aspecto. A subida do patamar mínimo deveria ser para números razoáveis. A gente está falando de repente em um aumento para 10%, porque a gente não tem como controlar o resultado do próximo ano.

C&M – Você consegue identificar um interesse maior do público pelo cinema nacional ou o quadro atual é circunstancial?
VF
– Eu acho que sim, mas quanto a ser duradouro ou não isso é muito delicado. Mesmo que a gente consiga quebrar a resistência que existia, e acho que a gente está conseguindo, não significa que o público vá a qualquer produto brasileiro. Não existe isso, do mesmo jeito que não significa que o público vai a qualquer produto americano ou qualquer filme da Fox, por exemplo.

Existe a necessidade de estar continuamente convencendo o público de que ele deve ir àquele filme. O fato de se eliminar a resistência é um ponto importante, mas não o trabalho completo. É preciso continuar insistindo em mostrar bons produtos, porque tem gente que ainda não vai, que acha que não vale a pena. É muito pouco tempo de bons exemplos. Se a gente considerar que a retomada do cinema brasileiro vem de 1997, você tem só um título de cinco milhões de espectadores. É pouco para dizer que vencemos a resistência contra o produto nacional.

C&M – Este dado intrigante de que a pipoca tem peso tão importante no lucro do exibidor se deve a quê? Os ingressos ainda são baixos para o parâmetro do exibidor, apesar de serem altos para o público médio?
VF
– A alimentação hoje é um componente do setor de exibição. Se ele precisa criar condições de investir em complexos menores. Uma das condições é a venda de produtos de alimentação e outros, que compõem a nossa condição de crescer mais rapidamente, o que é do interesse de todo mundo. Isso é o principal aspecto. Alimentação é importante, a gente não pode abrir mão. Quando o exibidor abriu mão da alimentação ele quase quebrou e saiu do mercado. É uma forma de a gente continuar e crescer no mercado. Vender pipoca, refrigerante, sorvete e tudo o mais.

C&M – E o ingresso?
VF
– Quanto ao preço do ingresso, se você pensar que o preço médio é de R$ 6,00, R$ 6,50 no Brasil hoje, eu diria que não é um preço absurdo. Ele é equivalente ao preço no México, equivalente ao preço na Argentina, no Chile. Eu também gostaria de poder fazer um preço menor, mas existem determinados impactos na estrutura de custos das empresas e um retorno de investimento que obviamente a gente tem que levar em consideração. O preço é o melhor que a gente pode praticar, levando-se em consideração que existe a lei da meia entrada, que a gente tem que cumprir e cumpre, e que faz com que os ingressos estejam nos patamares em que estão. Apesar de a gente cobrar R$ 12,00 ou R$ 14,00 em algumas cidades, o preço médio é de R$ 6,00, o que é baixo ou pelo menos razoável para padrões atuais, comparado a outros países equivalentes ao Brasil.

C&M – Existe um projeto tramitando na Câmara que prevê a destinação de 5% da arrecadação da bilheteria para o fomento do filme nacional. Se a idéia for aprovada, isso poderia ter impacto sobre o preço dos ingressos?
VF
– Eu desconheço o projeto, mas sou contra toda e qualquer cobrança do público porque isso é mais um imposto. Isso aumenta a carga tributária que o público está pagando. Tem uma hora nesse país que vai ser preciso dizer ?chega!?. Não é porque é 1% ou 5%, a CPMF também começou com um valor e terminou com outro. Nós não podemos concordar com a criação de mais impostos e isso para mim é um imposto, pura e simplesmente. Pode ser com o melhor dos motivos. A CPMF era para melhorar o atendimento público de saúde. Não interessa. A gente tem que brigar, porque tem uma tendência deslavada de se colocar impostos e não pode ser. Eu acho que a gente já paga imposto demais.

C&M – Qual deve ser a reação do exibidor?
VF
– Seria no sentido de não concordar com este tipo de iniciativa. Somos plenamente favoráveis ao fomento da atividade, mas somos absolutamente contrários a criar mais impostos. Eu, como consumidor, sou contra. Do mesmo jeito que se fosse criar uma taxa no sanduíche para o Fome Zero. Chega de taxa, chega de imposto. Este país é absurdamente tributado. A gente vai ter que chegar uma hora e dizer ?Não dá mais! Pára com isso!? É um absurdo. Vamos criar outras formas mais inteligentes de uma atividade auto-sustentável. Agora, não dá para a gente pagar a conta por tudo aquilo que o governo vem fazendo por sua ineficiência.

C&M – Há risco de que o valor seja repassado para o ingresso.
VF
– Não tenho a menor dúvida. Isso é um absurdo. É óbvio que vai ser repassado para o ingresso. É um absurdo total. É mais um imposto em cima do bolso do cidadão. É uma artimanha, em cima de uma justificativa nobre, de tirar mais dinheiro do povo. E vai ser repassado para o ingresso. Mas aí vão falar: ?São só 5%?. Mas dos 5% passa para os 10% e continuamos a ver que o dinheiro nunca vai chegar na mão de quem devia. Ela vai pagar toda a estrutura administrativa. Sou totalmente contra um projeto desse tipo. Ele vai contra os interesses do público.

C&M – Qual o montante que a bilheteria arrecada no país?
VF
– Se a gente falar num preço médio de R$ 6,00 ou R$ 6,50 por ingresso, vezes 100 milhões de espectadores, a gente está falando de R$ 600 milhões a R$ 700 milhões.C&M – O que representaria algo entre R$ 30 milhões e R$ 35 milhões para a produção de filmes nacionais.
VF
– É, mas eu não acho que seja este o caminho. A gente está abrindo uma porta que é terrivel e que nunca deveria ser aberta, que é a da possibilidade de taxações e impostos. Este não é o caminho para uma indústria que diz querer ser auto-sustentável. É um absurdo.

C&M – O fato de ter um número maior ou menor de cópias em circulação tem que impacto num filme?
VF
– Cada lançamento tem uma realidade, então você não pode interferir em qual o número correto de cópias para um lançamento. Acho que isso é uma estratégia do distribuidor, juntamente com o produtor, e a gente respeita. Se o produtor acha que o filme tem que ser lançado com duas cópias, a decisão é dele. Ele é que sabe do marketing, de como vai trabalhar aquilo, e eu acho que a gente tem pouco a dizer a respeito. Ao contrário, se ele vai sair com muita cópia, aí eu já tenho alguma coisa para dizer. Eu falo: ?Não tenho espaço para isso?. Então é uma questão de julgar muitas variáveis que influenciam o lançamento de um filme no mercado. Acho que não dá para se dizer que o número de cópias é fator único ou preponderante na análise do público que o filme alcançou.

C&M – E a região em que o filme vai ser exibido?
VF
– Também é uma questão de estratégia de lançamento. Por exemplo: às vezes a pessoa quer começar o lançamento por São paulo, às vezes quer começar do Rio pra cima. São estratégias de lançamento, nas quais o exibidor participa muito pouco. Então a gente tem que achar que quem está fazendo o trabalho está tomando a decisão correta. Eu posso achar que faria diferente, mas a decisão não é minha. Eu reajo com aquilo que faz mais sentido para o meu setor. É a mesma coisa que lançar um novo carro. Se vai vender ou não, o público é que vai saber. Do nosso lado também, é o público que decide se eu vai comprar ou não. No nosso caso, se eu vou manter o filme mais tempo em cartaz ou menos tempo em cartaz.

C&M – Mas o gênero ou o tema do filme acabam interferindo no volume de público, dependendo da classe social da região da cidade em que ele está em cartaz.
VF
– Depende, sem dúvida. A gente procura ir medindo e avaliando caso a caso e localidade a localidade. Tem lugares em que a gente percebe claramente que a tentativa de colocar um título mais sofisticado não deve funcionar. Então a gente orienta, fala, às vezes o pessoal entende, às vezes não, mas é uma prerrogativa nossa lançar o filme ou não naquela dada sala.

C&M – E isso indepente de o filme ser nacional ou estrangeiro.
VF
– Vale para qualquer um. Eu diria o seguinte: a gente tem um carinho especial pelo cinema brasileiro, mas não gostaria que o filme brasileiro viesse com um número tal de regras e normas que fizesse a gente passar a não gostar mais dele. Hoje em dia a gente gosta e procura fazer o melhor que pode. Mas se ele vem como ?Olha, você tem que tratar esse produto desse e desse jeito?, a gente já vai tomar mais cuidado com ele. E não é esta a idéia. A idéia é a gente ter condições de trabalhar o produto brasileiro bom e negar o produto brasileiro ruim. Porque, quer queira ou quer não, tem os dois. Se eu fico com uma situação de ter que passar todo filme brasileiro eu vou ter que passar o ruim. E eu não quero isso. Eu quero ter a oportunidade de julgar, ainda, o que é bom e o que é ruim.

A questão da cota tem que ser vista como forma de eliminar a má-qualidade, se fazer uma seleção natural e consequentemente premiar aqueles que fazem um bom trabalho. E ao premiar a ineficiência e o mau trabalho, isso vai de encontro àquilo que não se quer para o mercado brasileiro, e não àquilo que se quer fazer. Então tem que tomar muito cuidado para, ao colocar limites, não se chegar a essa situação, em que qualquer produto tem que ser exibido e ser imposto ao público. Isso não pode acontecer. Tem que haver liberdade de escolha.

C&M – Fala-se que a resistência do exibidor ao curta-metragem se deve ao impedimento, dependendo do tamanho do longa, de que se monte sessões regulares de duas em duas horas…
VF
– Tem vários motivos. Este é um deles. A gente não quer impor algo que o público não quer _e a gente tem pesquisas de opinião dizendo que o público não quer ter um curta-metragem imposto a ele compulsoriamente, então a gente não aceita esta condição. Mas ao mesmo tempo a gente acredita que disponibilizar o curta nas várias posições para que o público que gosta possa assistir, a gente tem que fazer.

C&M – E isso é viável?
VF
– Claro. Acho que tem que ter curta. Por localidade. Você tem que expor o produto. A demanda vai dizer se você tem que aumentar ou não. Nós fizemos com o Curta Petrobras. Tínhamos os curtas em algumas salas da rede. Algumas foram muito bem e outras foram pessimamente. Então a gente tem que discutir. Tem que dar essa oportunidade.

C&M – Onde está o problema então?
VF
– O problema é que a compulsoriedade e a colocação do curta antes do longa é algo que para nós não é aceitável. A gente já propôs e já fez um formato diferente que a gente acha que é muito positivo, que é no estilo do Curta às Seis. A gente tem que continuar nessa tecla e discutindo um pouco, fazendo um pouquinho diferente. Às vezes às seis horas não é o ideal, criando alguma coisa à tarde. Mas eu acho que a gente tem que buscar esse aspecto. Não é situação de falar que não queremos ou não gostamos. Nós temos algumas coisas que prejudicam a exibição. Agora, podemos ajudar e criar condições para que seja exibido.

C&M – Então o que se discute não é exibir ou não exibir, mas como e quando exibir.
VF
– O problema do curta não é o exibidor. Quem é que vai fazer esse curta me chegar nas mãos. A gente tem algumas coisas que precisam ser resolvidas. Não tem estrutura distribuição, não tem estrutura para produção, não tem estrutura para seleção. Temos que deixar claro que existem outros problemas. Então não é um problema do exibidor. É uma questão de conversarmos e achar o caminho ideal. Mas eu estou aberto. Já exibi, já fiz festival de curtas. Estamos trabalhando nesse formato em Ribeirão Preto junto com o Edgar, que acho uma ótima idéia.

O que a gente não aceita é voltar trinta anos. O mercado mudou de trinta anos para cá, então a solução que tinha lá não é boa. Do mesmo jeito que discutir a grande distribuidora nacional. Vai recriar a Embrafilme? Pode não ser o acertado. Pode ser que seja, mas pode não ser. E eu estou vendo muito pouco o entendimento de que as soluções se adequem ao mercado do futuro e não ao mercado do passado. É o que as pessoas não estão conseguindo olhar na hora de propor as soluções. Isso tem que ser visto.

C&M – O filme nacional deve receber tratamento igual ao estrangeiro ou, justamente pelas condições específicas de produção, ser tratado de outra maneira?
VF
– Se o caminho for completamente diferenciado vai criar uma antipatia pelo produto nacional. Isso não pode acontecer porque eu não quero colocar produto nacional perdendo dinheiro. Eu não posso. Eu tenho responsabilidade. Não recebi um centavo do governo ou de qualquer órgão em subsídio para abrir uma sala de cinema. Então exigir agora que eu cumpra determinadas regras que não existiam, pra mim é quebrar a regra do jogo. Temos regras novas, vamos estabelecer como vai ser daqui para a frente. Agora, eu estou com toda estrutura estabelecida e vamos mudar a regra? Não é o que eu acho justo.

C&M – Você acha que, para o filme nacional, o tratamento diferenciado é bom ou não?
VF
– Eu acho que o produto brasileiro merece um tratamento diferenciado, que a gente dá na hora de passar os trailers, de colocação de material, eventualmente de continuidade, por ter uma cota que a gente é obrigado. Ou seja, já existe um tratamento diferenciado, que a gente pode conviver de muito bom grado, mas com limitações pelo seguinte: este é um setor em que se se impõe perdas, continua sendo o gargalo da indústria. Então o que o pessoal deveria entender é o seguinte: não mexam com a exibição, não criem problemas com a exibição. Se todo mundo acha que o problema é crescer o número de salas, então não criem problemas. Não maltratem a exibição, porque a exibição quase acabou.

Quando a gente entrou no Brasil, em 1997, o número de salas de cinema era ridículo. Era o pior nível da história. E voltou porque? Porque a gente voltou a trabalhar e acabou a aquela interferência na atividade. Agora, tem algum problema em criar algumas condições melhores? Não. Eu acho que a gente pode e deve cuidar do filme brasileiro com mais carinho e com mais respeito. Mas ao criar condições muito fortes é aquela coisa da evasão de divisas: você vai aumentando imposto, aumentando imposto, então chega uma hora que começa a evadir. Então não. Cobre o negócio, faça o diferencial, mas que seja o aceitável. Como a cota. Enquanto ela é suportável a gente se esforça e cumpre. Quando ela passa a ser insuportável, não tem outra alternativa. A gente passa a perder dinheiro.

C&M – Na sua visão, a cota então não é necessariamente boa para o fortalecimento do cinema brasileiro.
VF
– Se for preciso cumprir cota com sala vazia, sem o público entrar, quem está ganhando? Só pra dizer que o filme está em cartaz? E quem é que paga a conta? É a mesma coisa de dizer que o avião tem que voar só com índio. Mas e se não tem índio para voar? ?Ah, então tem que voar vazio.? E quem paga o combustível? É o mesmo caso nosso. Quem paga a energia, a luz elétrica, o ar condicionado, quem paga o funcionário? Ninguém. Então eu tenho que dar resultado. Não tem problema cumprir com sala cheia. O problema é que o que se impõe é: tem que cobrir com sala cheia ou vazia. Se ninguém quer ver aquele filme, temos um problema. Ou porque o filme é ruim ou porque é mal divulgado… Então não podemos tirar a capacidade de o público decidir o que é bom ou é ruim. A liberdade de escolha tem que continuar existindo, tanto da parte do exibidor como da parte do público.

C&M – Quando o público é satisfatório para que o filme possa permanecer em cartaz?
VF
– A gente se guia pela média da sala. Existe um número anual do quanto cada sala faz de público e se um filme atinge aquela média então ele continua em cartaz.

C&M – Vale tanto para o estrangeiro como para o brasileiro?
VF
– Vale para todos. É isso que está mantendo ?O Homem que Copiava? por oito, dez semanas. Ou seja: o público quer ver, ninguém vai mexer; o público não quer ver, o produto sai. É uma atividade de risco. O que nós não podemos é manter a sala vazia. Este é o ponto. Agora, se tem a cota eu tenho que pelo menos cumprir a cota, mesmo que a sala esteja vazia. Já teve ano em que a cota sozinha representava 8% e o mercado nacional foi 6%. Sabe o que significa? Que eu virei com sala vazia. É isso que nós não queremos que aconteça. É preciso fazer uma situação que não prejudique o cinema brasileiro e que, pelo contrário, crie uma condição mínima, com a qual a gente tenha até que arcar.

C&M – Que patamar os exibidores achariam aceitável, se a cota for aumentar?
VF
– Com 10%, nem que eu tenha que tirar do bolso, eu vou arcar. Mas não me peça para fazer mais, porque ninguém faz. Nenhum segmento tem isso. A televisão não tem, o vídeo não tem, a TV a cabo não tem, o rádio não tem. Porque o meu segmento, que é o menor entre todos eles, o que menos recebe incentivo, o que não é concessão do Estado, porque ele é que tem que ter? Pega leve. Não massacra, porque nós paramos de crescer. E ao parar de crescer, fica inviabilizado todo o restante da cadeia. Então não pode ter aquela atitude burra de ?Vamos pegar e fazer?. Aí não cresce, então como é que vai fazer sala se a gente não consegue ter retorno no investimento? Ninguém vai fazer sala. Ou então você cria, em vez da Embrafilme, a Brasfilme ou a Brascine, e vai. Vai abrir cinema estatal no Brasil inteiro. É essa a idéia? Se for, tudo bem.

C&M – Isso funcionaria?
VF
– Eu acho absurdo. Acho ridícula qualquer iniciativa desse tipo, que é uma iniciativa de estatização do segmento. O governo não consegue nem atuar nas áreas em que tem obrigação constitucional de atuar, quanto mais entrar em área em que não tem nenhuma capacidade. Mas pode fazer? Pode, lógico que pode. É aquele negócio: então vai virar uma Venenezuela. Quem está fazendo isso é o [presidente Hugo] Chaves. Ele está fazendo isso: criando uma rede de distribuição, substituindo supermercados… É este o caminho? Se este é o caminho, então vamos virar Venezuela. Eu acho que não é o caminho.

C&M – Como você avalia o mercado neste momento?
VF
– Existe uma possibilidade muito grande de a gente crescer. De 1997 para cá o mercado cresceu de 56 milhões de público para 100 milhões, este ano. Só não vê quem não quer, que as coisas estão indo no caminho certo. Querem mudar tudo? Então tomem cuidado.


* Entrevista publicada originalmente em 22 de agosto no caderno ?Magazine? do jornal ?O Tempo?, de Belo Horizonte/ MG.

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