Dando continuidade ao projeto de entrevistas on-line do Wikiducação, em uma parceria da Brant Associados com o Educartis, Leo Brant conversou no útimo dia 3 com o dramaturgo, produtor teatral e secretário da Apetesp, Paulo Pélico. O incentivo fiscal à cultura através das ferramentas da Lei Rouannet, como o Fundo Nacional da Cultura, o Mecenato e o Ficart, foi o tema dessa conversa que durou aproximadamente uma hora e teve a participantes de varias regiões do Brasil, como Tocantins, Sergipe, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Pélico tem uma experiência profissional de 23 anos de atuação na produção teatral e cinematográfica e é sócio-diretor da empresa Casa Jabuticaba de Cinema e Teatro. O bate-papo, entre outros assuntos, abordou a lógica que rege as diretrizes da Lei Rouanet, assim como as distorções e as falhas que ocorrem durante a sua aplicação. Para Pélico existe uma uma incestuosidade no uso de incentivos fiscais por parte de órgãos governamentais: os recursos públicos “saem do bolso direito do governo e voltam para o seu bolso esquerdo”

Mediante a tamanha distorção Brant questionou Pélico se vale à pena investir nesse modelo de lei. Para o diretor “a Lei Rouanet seria de alta qualidade, se fosse utilizada corretamente, o problema é que ela hoje é um ‘saci pererê’, está caminhando exclusivamente sobre a perna do mecenato, o que cria problemas e gera insatisfações”.

Cultura para quem precisa

Sobre o mecanismo de incentivo como política do Estado, Pélico ressalta que o “incentivo fiscal não foi inventado pela cultura. No Brasil desde a década de 50 existe incentivo”. O dramaturgo cita Celso Furtado, como patrono desse tipo de subsídio governamental, que atua como um “instrumento de desenvolvimento dirigido, para regiões ou setores da economia que merecem investimento público”. Segundo Pélico, o país distribui cerca de R$ 50 bilhões em benefícios tributários e apenas 2% desse valor é destinado à cultura (atenção: benefício tributário é um pouco diferente de incentivo fiscal).

Hananias Vieira da Silva, participante do debate, questiona: “Gostaria de saber se não é anti-cultura o próprio MinC captar recursos junto a iniciativa privada para patrocinar ações do próprio MinC?”

“Completamente”, responde Pélico. Para ele é uma distorção, uma  impostura do MinC. “Trata-se de equívoco terrível, resultado da falta de verba disponível para a pasta”. E mais, esse tipo de atitude, segundo o dirigente da Apetesp, “fere princípios da ética concorrencial”. Para o autor, é preciso haver simetria na concorrência e o ente público está investido de uma série de vantagens, como o acesso privilegiado a patrocinadores, por exemplo. Outra questão abordada por Pélico é a “moralidade pública. O gestor de um mecanismo não pode disputar verbas no mercado que fiscaliza”.

Lei Mendonça, um paralelo

Questionado sobre a similaridade entre o processo sofrido pela Lei Mendonça desde a gestão de Celso Frateschi, e a atual situação da Lei Rouanet, Pélico responde que são “fenômenos gêmeos”. Ele acredita que a “lei está sendo morta por asfixia. Assim como na Lei Mendonça, o poder público não conseguiu articulação política para acabar com a lei, partiu para a asfixia”.

Wagner Alonso pergunta: “Uma das idéias do mecenato (Lei Rouanet) não era a de incentivar as empresas a conhecer as vantagens de investir em cultura, para posteriormente investir parte desses recursos do capital privado? Há algum estudo que demonstre se isso ocorre? Qual a sua impressão sobre isso?”

Pélico: “Muitos produtores trazem esse argumento. Uma visão ingênua. O empresário não aprende a investir como uma criança aprende a escovar os dentes”. Contrariando essa tese, Pélico cita a Lei Sarney. “Quando deixou de existir, nenhuma empresa continuou investindo do próprio bolso. Isso não existe, é uma ingenuidade”.

Para o produtor, o que faz uma empresa investir ou não investir é um raciocínio do custo do investimento pela audiência. Uma lógica que rege o mundo do investimento da publicidade e da comunicação empresarial.

Contrapartida social

Questionado sobre a polêmica discussão da primeira gestão de Gilberto Gil, a contrapartida social teve seu espaço no debate. Para Pélico, “o MinC tem uma visão mais cabocla, no bom sentido”, pois passou a atuar mais como um órgão de assistência social, com “exigências absurdas”, obrigando projetos de alto interesse artístico a desenvolver projetos de inclusão para meninos de rua, por exemplo. “Nem todos os projetos têm essa vocação”, ressalta o dramaturgo: “o produto cultural tem que se legitimar por ele e não pelo programa social a ele acoplado”, vocifera.


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Gisela Dória é jornalista, bailarina e coreografa, atualmente faz mestrado em Artes Cenicas na Eca/Usp e colabora com o Cultura e Mercado.

6Comentários

  • Helio Camacho, 7 de julho de 2008 @ 18:07 Reply

    Sai um ministro cantor e entra um captador de recursos. Olha só o que deu no Diário Oficial de Alagoas de hoje:
    “O ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, durante a assinatura do acordo de cooperação para a implementação do Programa Mais Cultura em Alagoas, na sexta-feira, no Museu Palácio Floriano Peixoto, se comprometeu em apresentar o projeto de restauração e modernização da Biblioteca Pública Estadual à Petrobras e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). ‘O governador Teotonio Vilela e o secretário de Estado da Cultura me falaram da demanda da biblioteca e, com certeza, é uma causa justa. Assim que a Secult enviar o projeto vou buscar parceiros, porque a biblioteca é importante para atrair a juventude ao conhecimento’, relatou Ferreira.”
    Como disse o digníssimo maestro aqui neste site: isso é que é bom-dia com o chapéu dos outros.

  • Priscila Netto, 8 de julho de 2008 @ 13:29 Reply

    Gostrai de comentar um aspecto da entrevista com meu amigo P. Pélico:
    “Para Pélico, “o MinC tem uma visão mais cabocla, no bom sentido”, pois passou a atuar mais como um órgão de assistência social, com “exigências absurdas”, obrigando projetos de alto interesse artístico a desenvolver projetos de inclusão para meninos de rua, por exemplo. “Nem todos os projetos têm essa vocação”, ressalta o dramaturgo: “o produto cultural tem que se legitimar por ele e não pelo programa social a ele acoplado”, vocifera.”
    Vociferar é pouco…..
    A cultura detem um valor intrínseco, ou seja , não depende de outras atribuições para agregar valor. Uma coisa é educação e inclusão social….responsabilidade de suas respctivas políticas. A lei é clara: o objetivo é a produção e o acesso à cultura. O uso de atividades culturais para a inclusão social, tornando-se uma atividade- meio e não uma atividade- fim vem distorcer mais ainda nossa “política cultural”.
    Em que pese a legitimidade de projetos com finalidades sociais, esta não é a vocação do Ministério da Cultura e muito menos do Programa Nacional de Incentivo à Cultura.
    Parabens, Paulo, por sua visão clara e batalhadora;
    Priscila M. Netto Soares

  • Paulo Drumond, 8 de julho de 2008 @ 16:52 Reply

    Tem uma questão que precisa ser sempre lembrada também. Se o governo passa os recursos do bolso direito para o esquerdo, o empresário, com o modelo atual da lei Rouanet, leva de volta para o bolso, no mínimo como investimento em marketing institucional, os recursos públicos que nunca deveriam ter voltado. Isto não é incentivo à cultura nem política cultural.

  • Marcos Moraes, 8 de julho de 2008 @ 18:22 Reply

    O Brasil é uma baixaria institucionalizada! Em primeiro lugar, se cultura fosse prioridade ( e é uma miopia grossa da sociedade, seus políticos e a atual administração federal que não o seja) os recursos do orçamernto, os programas e os mecanismos de fiscalização e avaliação de resultados seriam maiores, mais transparentes e estariam claramente definidos nos programas de candidatos; ningue´m trata assim levianamente a discussão da polpitica econômica ou a reforma política fantasma: a mais falada e nunca existente; em segundo lugar, estamos acostumados à idéia de que governo é para servir “meus” interesses, ou seja, uma privatização do público, sempre que interessa. Por isso os empresários e produtores consideram absolutamente natural que seu retorno de imagem e às vezes “economia de impostos” saia grátis. Mas não são eles os culpados. A lei garante isso e não é assim por acaso. Teve Lobby para que essa brecha se abrisse. Ficamos todos parecendo um bando de carneirinhos… e finalmente, eu nunca vi uma mudança ministerial mais à brasileira do que essa: a tão anunciada saída de Gil de cena para deixar seu Secretario Executivo no lugar, abortada por falta de força política do substituto, foi transformada nessa mudança extra-oficial: todo mundo finge que o ministro ainda atua como ministro e o secretário assumiu a coisa e toca prá frente. Êta paisinho danado de bom, sô…

  • ROMULO DUQUE, 8 de julho de 2008 @ 18:37 Reply

    A contra partida é um caso grave na questão da Lei de Incentivo Federal.
    O que têm de empresa fazendo ação social ( vontorantim;furnas;correio,etc) não é brincadeira.

    Enquanto isso o Ministério da Ação social não coloca um centavo na cultura.

  • Carlos Henrique Machado, 27 de julho de 2008 @ 16:26 Reply

    Acho que esta explicação de Pélico sobre o investimento bom, ou seja, do próprio bolso do empresariado sem renúncia fiscal, é de fato uma ingenuidade, é uma realidade pra lá de concreta e, consequentemente, dá munição a todas as críticas que as empresas vêm recebendo sobre o seu total despreparo, fruto do seu desinteresse pelas questões da cultura, por isso, distorce todo um conceito que deveria obedecer uma estratégia bem planejada de cultura e que lhe daria, naturalmente, um retorno em marketing. Isso, somado ao conceito de gestão de qualidade no mundo de hoje que está associado a volatilidade do capital, capital este sem pátria que pousa aonde seus dividendos possam se beneficiar de alguma febre especulativa em qualquer parte do planeta. O resultado é esse desastre, essa fratura exposta. E aí, consequentemente, somos obrigados a puxar do baú a velha piada do caminhão. Se temos que empurrar o monstrengo porque ele não tem torque e, se temos que segurá-lo na descida porque não tem freios, pra que trazer o caminhão? Isso é botar a raposa para tomar conta do galinheiro.

    Este modelo produz na questão de um plano nacional de cultura o inverso dos valores das nossas reais necessidades. Empresa nenhuma está disposta a construir um novo pensamento, mesmo que seja de mercado. As empresas querem um bom ponto já constituido para falicitar o fluxo dos seus negócios, não vão se preocupar em salvar a cultura de qualquer país, vão salvar os seus lucros. O problema é que, as empresas estatais ou de capital misto no Brasil adotam hoje esse padrão internacional, quando elas deveriam, até por responsabilidade estratégica dos seus negócios e seu compromisso com a nação, pensar em uma estratégia de país, ou seja, totalmente inversa a essa. Como não têm, a Lei Rouanet fica mesmo capenga, pior, ela aprofunda um quadro já deteriorado de uma teia construtiva no sentido de fortalecer toda uma representatividade cultural do Brasil diante do mundo.

    Concordo também com Pélico sobre esta absurda grita cantada há séculos neste país, por artistas, heróis de guerra que vão fazer de suas ações culturais, benefícios à sociedade. Já cantei este blefe que muita gente boa adora dizer, “farei uma peça no teatro Leblon para os meus iguais, é claro, e vou salvar a Dona Severina lá no nordeste, porque os ecos da minha elevação cultural chegarão a esse povo carente de cltura, via sei lá o quê”, é o famoso, “toca aqui e se ouve lá” de João Sayad, e que não me canso de falar. Claro que este pensamento não é de João Sayad, talvez, por pura ingenuidade, ele acredite mesmo neste discurso.

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