Muito já foi dito – inclusive por esta que vos escreve – acerca do balanço do governo Gil e equipe. Friso o papel da equipe do MinC, não só pelo mérito compartilhado pelo que foi feito, mas porque tudo leva a crer que continuará cabendo também à mesma vencer o que não foi feito, nesta crônica de uma sucessão anunciada.

Sendo assim, reitero minhas homenagens à gestão Gil, que de fato esculpiu um marco no trato da questão cultural no país e gostaria de alinhavar com vocês duas questões que me parecem fundamentais na pauta do Ministério.

A primeira tangencia a recorrente, já que ainda não resolvida, crítica à estrutura da Lei Rouanet. Não à existência da lei, diga-se de passagem, mas aos percentuais de isenção, à parcela mais que questionável de beneficiários que dela se utilizam e la nave va. Querendo crer que, de fato, essas questões serão finalmente ajustadas em um futuro não muito longínquo, proponho um foco mais abrangente de mecanismos de incentivo complementares a todo o fluxo cultural. As leis de incentivo à cultura atuam essencialmente no fomento à produção, teoricamente ajudando a resolver algumas distorções de distribuição, fomentando a diversidade de modelos e práticas etc. Em alguns casos, embora na esfera federal ainda raros, promovem também a circulação dessa produção. Mas permanece a ser estimulada a ponta da equação – a demanda, fruição, participação ou consumo, como queiram os leitores das mais diversas vertentes.

É evidente que produção cultural pujante e diversificada e circulação abrangente dessa produção são condições fundamentais para estimular a participação ou consumo cultural – mas não são suficientes. Das várias questões que atuam nessa dinâmica (do estímulo à formação de hábito na infância à sempre polêmica meia-entrada), uma merece ser ressaltada, já que integra o próprio “Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil 2007-2010”: o programa de cultura do trabalhador brasileiro, voltado justamente à promoção do acesso, mas a respeito do qual não se encontram notícias. Nesse sentido, vale mencionar a experiência recente do programa “Vá ao Cinema”, desenvolvido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, que tem estimulado a ida de crianças ao cinema, a difusão do filme nacional e, de quebra, a freqüência aos sempre financeiramente frágeis cinemas do interior.

A segunda questão é mais prosaica, provavelmente traço de quem também tem formação em comunicações e passou sua adolescência embalada pelo ritmo democrático das Diretas Já. Como o MinC conta com um site constantemente alimentado por notícias do que é feito, seria interessante que incluísse também o status do que não é feito – e, ou uma estimativa de prazo para sua consecução, ou o motivo pelo qual a proposta anunciada não será levada adiante. O Centro Internacional das Indústrias Criativas, que motivou a realização de um seminário internacional de vários dias em Salvador, em abril de 2004 e desembocou na assinatura de um termo de referência com o British Council, assinado pelo MinC em 2006, deixou de ser referência nas bases do Ministério. Foi adiado? Foi cancelado? Por quê? E o Sistema Federal de Cultura, como vai? Quais os próximos passos nas ações anunciadas? Unir os pontos das ações em desenvolvimento seria fundamental para dar uma visão macro da política cultural no Brasil. Afinal, quão mais intenso for o fluxo de informações, maior será a apropriação dessas ações por parte da sociedade.


Economista, mestre em administração e doutora em urbanismo, autora dos primeiros livros brasileiros em economia da cultura, economia criativa e cidades criativas. É consultora e conferencista em 29 países e sócia-diretora da Garimpo de Soluções.

9Comentários

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 13 de agosto de 2008 @ 12:40 Reply

    O que de fato me preocupa, Ana Carla, são as bases do pensamento de toda esta grita, tanto de artistas quanto de produtores e do MinC.
    Respeito a sua opinião sobre as escolhas da gestão Gil, porém, gostaria de observar que a politica redistribuitiva é uma opção do governo federal como um todo, mais precisamente do presidente Lula, e aí, comparado ao sucesso dos programas de transferência e inclusão do governo federal, o MinC é um dos que apresentam resultados reais com retrospecto mais fraco.
    O Pró-une e o sistema de cotas podem gerar problemas, têm seus calos que geram polêmicas, mas são projetos palpáveis, pois se num todo não contemplam as necessidade,urgentes atenuam carências e estimulam novos desafios.
    O Bolsa-família é um projeto de repercussão internacional, não pelo discurso, mas pelo resultado concreto, mostrando queda acentuada de mortalidade infantil e mundança real no quadro econômico, principalmente nas regiões mais carentes do Braisil. Tanto é verdade que a oposição, já nessas eleições, vem surfando na maré do governo federal.
    Não tenho essa certeza toda das opções de Gil, tenho certeza das de Lula. Para muitos gestores, produtores há um conflito entre paternalismo de grandes espetáculos, digo grandes nos custos e o assistencialismo aos pequenos eventos, pequenos também nos custos. Para os produtores, a primeira opção é o investimento num grtande mercado, e a segunda é uma certa crença de que é uma bolsa-esmola cultural.
    O que de fato me causa espanto é a ineficiência de todo esse processo, e isso não está associado só ao MinC, está associado sim, quando Juca e Gil insistem numa panfletária e megalomaníaca construção de um modelo, aí sim, extremamente populista.
    Mas este populismo não tem a sua fonte no MinC, é estimulado por um pensamento, a meu ver, sem qualquer fundamento, mas ganha coro de manada.
    Observe Ana Carla, há praticamente um concenso sobre a obrigatoriedade do ensino musical nas escolas e tenho certeza de que isso não está fundamentado em uma pesquisa mais profunda, é uma coisa que ninguém sabe de onde vem e nem que resultados práticos possa vie a ter, mas o coro é firme e se torna uma panela de pressão.
    A pergunta é recorrente em debates de âmbito nacional. A resposta não poderia ser outra. Juca, assim como muita gente boa neste país insiste que a instituição de ensino formal e a arte tem relações complementares, não há nada, absolutamente que comprove isso, no entanto é muito aplaudido, por quê?
    Porque são esses conceitos pré-estabelecidos que ganham corpo, idéia, um tipo de domínio de pensamento comprado, importado.
    Não quero bancar o mal humorado, mas muitos amigos meus se encantam com o público europeu, principalmente quando acompaham concertos em teatros e catedrais com as partituras nas mãos.
    Aparentemente, isso é o manjar dos deuses culturais, no entanto, depois de ouvir uma longa defesa desse tipo de argumento, para justificar a inserção da música nas escolas, eu pergunto: o que a Europa produziu de tão consistente e renovador no século XX em termos musicais?
    A apuração técnica de alguns instrumentistas, o desenvolvimento mercadológico com as grandes bandas comerciais, será que é isso? Todo este gasto, todo este investimento resultou nisso?
    É sabido por todo o mundo da música que o grande salto de qualidade no seculos XIX e XX foi das américas por contar com a contribuição decisiva do negro.
    Imagine, o negro, exemplo de exclusão da história da escravidão, da violência, da destruição de suas bases emocionais e que é apresentado a olhos nus com o nível escolar mais baixo de todas as américas. Quero lembrar que todo este processo que achata a ascenção educacional do negro nas américas, é fruto de um pensamento construido sob este tipo de escolha, associando sempre educação que, na maioria dos paises está associada ao poder aquistivo e cultura.
    Cria-se um mito de que a elevação educacional produz sensibilidade criativa e nada disso tem comprovação, como já disse.
    Por isso tenho reclamado tanto da nossa falta de observação, da nossa compra indiscriminada de modelos, numa assocação carregada de achismos que as nossas bases institucionais e científcas da cultura compram sem o devido questionamento.
    Então, o resultado é esse quadro que estamos assistindo, uma conversa de surdos.
    Um julgamento orientador que insiste em estimular a mautenção do Estado para toda essa lógica que, em alguns mometos, beira à pantomia. Hoje, o slogan que devemos adotar é, “muita calma nessa hora!”
    Mas temos muito o que comemorar com um belo laboratório vindo de São Paulo, a “Virada Cultural”, um belo exemplo de política redistribuitiva. Não vi e nem participei, mas pelo que li e o que me contaram, é palco pra todo o lado. Aí, Ana Carla, isso se confronta com custos concentrados como o da OSESP e, naturalmente contradiz a frase do maestro que disse num programa de TV que, todas as cidades do mundo tem que ter uma grande orquestra.
    Discordo dele, pois ter uma orquestra é salutar, mas não imprescindível. Já uma Virada Cultural, que a cada ano abraça e contempla mais espaços públicos e artistas, é fundamentalíssima para qualquer cidade do mundo, micro, média e grande, tanto é verdade que em pouco tempo já faz parte do calendário mundial como grade referência de cultura. A OSESP ainda está procurando um lugar ao sol com a atmosfera que ela almeja, mesmo sendo restritiva e onerosa ao bolso do contribuinte.
    Por isso, temos que examinar muito bem todos os conceitos, principalmente quando carregados de ideais pouco questionados

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 13 de agosto de 2008 @ 12:48 Reply

    O que de fato me preocupa, Ana Carla, são as bases do pensamento de toda esta grita, tanto de artistas quanto de produtores e do MinC.
    Respeito a sua opinião sobre as escolhas da gestão Gil, porém, gostaria de observar que a politica redistribuitiva é uma opção do governo federal como um todo, mais precisamente do presidente Lula, e aí, comparado ao sucesso dos programas de transferência e inclusão do governo federal, o MinC é um dos que apresentam resultados reais com retrospecto mais fraco.
    O Pró-une e o sistema de cotas podem gerar problemas, têm seus calos que geram polêmicas, mas são projetos palpáveis, pois se num todo não contemplam as necessidade,urgentes atenuam carências e estimulam novos desafios.
    O Bolsa-família é um projeto de repercussão internacional, não pelo discurso, mas pelo resultado concreto, mostrando queda acentuada de mortalidade infantil e mundança real no quadro econômico, principalmente nas regiões mais carentes do Braisil. Tanto é verdade que a oposição, já nessas eleições, vem surfando na maré do governo federal.
    Não tenho essa certeza toda das opções de Gil, tenho certeza das de Lula. Para muitos gestores, produtores há um conflito entre paternalismo de grandes espetáculos, digo grandes nos custos e o assistencialismo aos pequenos eventos, pequenos também nos custos. Para os produtores, a primeira opção é o investimento num grtande mercado, e a segunda é uma certa crença de que é uma bolsa-esmola cultural.
    O que de fato me causa espanto é a ineficiência de todo esse processo, e isso não está associado só ao MinC, está associado sim, quando Juca e Gil insistem numa panfletária e megalomaníaca construção de um modelo, aí sim, extremamente populista.
    Mas este populismo não tem a sua fonte no MinC, é estimulado por um pensamento, a meu ver, sem qualquer fundamento, mas ganha coro de manada.
    Observe Ana Carla, há praticamente um concenso sobre a obrigatoriedade do ensino musical nas escolas e tenho certeza de que isso não está fundamentado em uma pesquisa mais profunda, é uma coisa que ninguém sabe de onde vem e nem que resultados práticos possa vie a ter, mas o coro é firme e se torna uma panela de pressão.
    A pergunta é recorrente em debates de âmbito nacional. A resposta não poderia ser outra. Juca, assim como muita gente boa neste país insiste que a instituição de ensino formal e a arte tem relações complementares, não há nada, absolutamente que comprove isso, no entanto é muito aplaudido, por quê?
    Porque são esses conceitos pré-estabelecidos que ganham corpo, idéia, um tipo de domínio de pensamento comprado, importado.
    Não quero bancar o mal humorado, mas muitos amigos meus se encantam com o público europeu, principalmente quando acompaham concertos em teatros e catedrais com as partituras nas mãos.
    Aparentemente, isso é o manjar dos deuses culturais, no entanto, depois de ouvir uma longa defesa desse tipo de argumento, para justificar a inserção da música nas escolas, eu pergunto: o que a Europa produziu de tão consistente e renovador no século XX em termos musicais?
    A apuração técnica de alguns instrumentistas, o desenvolvimento mercadológico com as grandes bandas comerciais, será que é isso? Todo este gasto, todo este investimento resultou nisso?
    É sabido por todo o mundo da música que o grande salto de qualidade no seculos XIX e XX foi das américas por contar com a contribuição decisiva do negro.
    Imagine, o negro, exemplo de exclusão da história da escravidão, da violência, da destruição de suas bases emocionais e que é apresentado a olhos nus com o nível escolar mais baixo de todas as américas. Quero lembrar que todo este processo que achata a ascenção educacional do negro nas américas, é fruto de um pensamento construido sob este tipo de escolha, associando sempre educação que, na maioria dos paises está associada ao poder aquistivo e cultura.
    Cria-se um mito de que a elevação educacional produz sensibilidade criativa e nada disso tem comprovação, como já disse.
    Por isso tenho reclamado tanto da nossa falta de observação, da nossa compra indiscriminada de modelos, numa assocação carregada de achismos que as nossas bases institucionais e científcas da cultura compram sem o devido questionamento.
    Então, o resultado é esse quadro que estamos assistindo, uma conversa de surdos.
    Um julgamento orientador que insiste em estimular a mautenção do Estado para toda essa lógica que, em alguns mometos, beira à pantomia. Hoje, o slogan que devemos adotar é, “muita calma nessa hora!”
    Mas temos muito o que comemorar com um belo laboratório vindo de São Paulo, a “Virada Cultural”, um belo exemplo de política redistribuitiva. Não vi e nem participei, mas pelo que li e o que me contaram, é palco pra todo o lado. Aí, Ana Carla, isso se confronta com custos concentrados como o da OSESP e, naturalmente contradiz a frase do maestro que disse num programa de TV que, todas as cidades do mundo tem que ter uma grande orquestra.
    Discordo dele, pois ter uma orquestra é salutar, mas não imprescindível. Já uma Virada Cultural, que a cada ano abraça e contempla mais espaços públicos e artistas, é fundamentalíssima para qualquer cidade do mundo, micro, média e grande, tanto é verdade que em pouco tempo já faz parte do calendário mundial como grade referência de cultura. A OSESP ainda está procurando um lugar ao sol com a atmosfera que ela almeja, mesmo sendo restritiva e onerosa ao bolso do contribuinte.
    Por isso, temos que examinar muito bem todos os conceitos, principalmente quando carregados de ideais pouco questionados

  • Maria Alice Gouveia, 13 de agosto de 2008 @ 17:54 Reply

    Carlos Henrique:
    Escrevo mais uma vez para discordar profundamente de você. Comparar a OSESP com a Virada Cultural não tem o menor cabimento. A OSESP é um projeto de longo prazo, longo fôlego que está dando às pessoas que tocam música erudita em São Paulo um novo patamar de qualidade. É um trabalho que vem sendo feito há quase dez anos e fez os músicos paulistas e mais os que vieram de fora ganhar um rigor de formação que nem um outro lugar oferece. Já a Virada Cultural é a mais pura demagogia. Trata-se de contratar, por um preço sabidamente superfaturado, cantores e instrumentistas que já atuam no mercado, que estão cansados de fazer show ao ar livre, seja no Ibirapuera, seja em outros lugares da cidade, para que em uma noite, dêm cabo de uma verba suficiente para sustentar 10 Museus iguais ao MIS durante um ano inteiro. E quem vai assistir? O mesmo público que vai ao Ibirapuera ou aos shows do Anhangabú, quando existiam, menos a população um pouco mais velha, que não vai ficar andando de madrugada pelas ruas tão seguras e simpáticas desta nossa maravilhosa cidade. Então o que que há de n ovo nisso? Absolutamente nada. Só a grife. é puro marketing.

  • Carlos Henrique Machado, 14 de agosto de 2008 @ 10:30 Reply

    Oi Maria Alice:
    Gostaria de dizer que não tenho absolutamente nada contra a OSESP e nenhuma outra orquestra, ao contrário, tenho verdadeira paixão por orquestras. O que eu critico constantemente é o preço da sua liturgia, o estímulo à máculas sociais e artísticas. Quanto às questões técnicas, como dizia Camargo Guarnieri, elas são importantes dentro da restrição, da limitação dos seus próprios conceitos, ao contrário da criação. Outro detalhe, os projetos das orquestras, hoje no Brasil, podem trazer um novo modelo de gestão, porém, não trazem nenhuma perspectiva que contemple um diálogo maior com o conjunto da sociedade. Acho que as orquestras precisam cumprir um papel que se estenda mais, que chegue ao homem brasileiro através das parcerias programadas com novos compositores que se dedicam a este segmento.

    Quanto à virada cultural, prometo-lhe que vou me interar sobre isso, mas, as notícias que me chegaram foram outras. Quanto à questão do superfaturamento, é uma matéria que mais precisa ser examinada hoje no Brasil sobre a lei. É bom você ter levantado essa questão.

    Com uma coisa, Maria Alice, tenho certeza de que você concorda, hoje, a virada cultural é muito mais conhecida tanto no Brasil quanto fora do que a OSESP. Acho que a virada pode sim ter correções, mas é indiscutível que ela contemple uma lõgica democrática inversamente proporcional ao ambiente da OSESP.

  • Ana Carla, 15 de agosto de 2008 @ 19:14 Reply

    Olá, Carlos Henrique
    Gostaria de compartilhar de seu entusiasmo com relação à bolsa-família, mas como a meu ver a redistribuição deve ser de oportunidades e não somente de renda e os atuais critérios de distribuição da bolsa-família promovem especificamente o consumo e não a inserção, infelizmente tenho não me é possível fazê-lo. Deixo, porém, esse ponto de nosso debate saudável para outro fórum e dou foco aqui aos temas culturais que você levanta. Primeiro, não tenho dúvidas de que o envolvimento das crianças com as linguagens culturais (dentre as quais, claramente, a musical) e sua familiarização com esse vocabulário são fundamentais para impulsionar a participação cultural dessas pessoas, quando tornam-se adultas. Minha certeza baseia-se não somente em observações empíricas, mas em estudos desenvolvidos no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Brasil, dentre outros países. Segundo, se elevação educacional gera sensibilidade criativa, sim e não, dependendo do que você entender por educação. A nossa, infelizmente, tem uma qualidade degringolante, como é público e notório em todos os levantamentos realizados pelos próprios governos (federal e estaduais). Parece que no afã de inflar as estatísticas, esquecemos que as bases da educação são o desenvolvimento do raciocínio, da capacidade de estabelecer pensamentos laterais (entenda-se, criatividade) e da habilidade de resolver problemas, das mais distintas ordens. Eu sou uma defensora incansável dessa educação – e da necessidade de garantir que ela educação seja, de fato, a que temos no Brasil, o que infelizmente não é realidade e não o será, enquanto nossos governantes não lhe derem a devida prioridade. Agora, imaginar que é possível gerar desenvolvimento socioeconômico em um mundo, queiramos ou não, cada vez mais globalizado e tecnológico, que vive e sobrevive sobre as bases da economia do conhecimento, é na minha leitura uma grande utopia.
    Por fim, com relação à OSESP, creio que caberia uma análise do contrato de gestão estabelecido entre a Orquestra e o Estado. Nele você poderá localizar o número vultoso de horas de transmissão gratuita de concertos, por rádio e TV; de estágios e períodos de treinamento de novos talentos; de apresentações a preços módicos, não somente na Sala São Paulo, mas em outras cidades do Estado; e, dentre outras várias questões a considerar, a análise do impacto internacional das apresentações da OSESP. É sabido o papel da cultura na difusão da boa imagem do país, o que inclusive integra há mais de oitenta anos a estratégia diplomática de vários países, tendo em vista especialmente o modo como os representantes de um país são recebidos e percebidos fora (aqui, também, um tema candente). No Brasil, aliás, o Ministério das Relações Exteriores divulgava, até 2002, uma análise do teor de notícias publicadas acerca do Brasil em diversos países; depois disso, foi abolida. Basta mencionar que as notícias relacionadas à cultura brasileira disparavam na formação de imagem positiva do país. Fico contente que a OSESP, apesar de não ter essa atribuição precípua, desempenhe o papel de embaixadora da cultura brasileira e especificamente de São Paulo, que lhe paga as contas. Especialmente após ter analisado vários relatórios de representações diplomáticas desse mesmo governo Lula que você menciona, todas elas disponíveis na Internet, nas quais constatei como ação para divulgação da cultura brasileira questões tão prosaicas como a cessão de algumas caixas de pinga para festas locais… E la nave va… Abs.

  • Maria Alice Gouveia, 18 de agosto de 2008 @ 11:34 Reply

    Ana Carla:
    No afã de comentar o Carlos Henrique acabei deixando de lado o que eu queria dizer sobre o seu texto. Acho que você está coberta de razão. Sem dúvida o estímulo ao consumo – através de projetos de criação de público – é fundamental. De que adianta criar salas de cinema se forem todas tomadas pelos blockbusters da indústria americana? Não tenho nada contra o cinema americano, mas acho que ele se vira muito bem sozinho. Então se é para o governo ajudar, que ajude a indústria nacional. Mas precisa criar público, facilitar e estimular o consumo. Porque quando não se cria o hábito, não há consumo. Hábito é o resultado de uma ação reiterada durante um certo período de tempo. Precisa ter, (como no caso das drogas, aliás) um introdutor : alguém que apresenta o produto cultural ao consumidor potencial, e depois, precisa de um tempo de estímulo (informações e elementos para que se estabeleçam comparações) até que se crie um aficionado. Este trabalho não está sendo feito e aí temos casos em que a oferta excede a demanda – espetáculos sem público, bibliotecas sem leitores, cinemas sem platéia.
    Com relação à prestação de contas dos órgãos públicos estas deveriam se tornar uma obrigação, serem feitas pelo menos uma vez por ano e darem conta tanto do que foi feito como do que não foi feito, porque aqui no Brasil, além das leis, temos toneladas de projetos que “não pegam” – são abandonados depois de meses e às vezes de anos de trabalho _ Veja-se o projeto Fábricas de Cultura – no EStado de São Paulo.

  • Carlos Henrique Machado, 18 de agosto de 2008 @ 19:25 Reply

    Oi Ana Carla
    Em primeiro, gostaria de deixar bem claro que, se a OSESP é um símbolo a ser seguido e, a meu ver, é realmente seguido por uma febre de sinfonismo, ele está aqui sendo citado por mim de forma literamlemte simbólica. O maestrismo político anda com a sua casaca por todo o Brasil e me faz lembrar, com a batuta na mão, os senhores do século XIX.

    Discordo de você quando compara o Brasil com paises europeus ou americano. Temos particularidades que garantem ao nosso povo povo um marco natural de profunda e inédita formação musical. Nada, nem mesmo a África tão musical tem tantos componentes que transformam o Brasil como uma potência absoluta na sua linguagem ampla, diversa e rica sobre todas as formas de música. Era isso que encantava Mário de Andrade, nosso indiscutível principal mentor de uma leitura mais complementada sobre os vários aspectos das nossas amplas linguagens. Me impressiona a cada dia a sua capacidade perceptiva, sua leitura, sua interpretação fundamentadas numa análise livre, traçando paralelos tão precisos dos nossos vícios copiadores e revelando essas profundas distorções causadas por lógicas fundamentadas em clichês sócio-econômicos que me espanta.

    Não me lembro exatamente quem era o entrevistado de Abujanra, mas lembro que, a certa altura da entrevista, o entrevistado questionou a obra de shakespeare e Abujanra disse, se você não compreende shakespeare pode ter certeza de que o problema não está com ele, está em você. Em cima deste mesmo mote, Ana Carla, posso lhe assegurar que o Brasil em sua extensão musical, da sanfona tocada no embalo da pinga ou no lamento bêbado de um fino cuiqueiro, existem frações tão mágicas e complexas quanto o requinte sonoro de um violinista e sua primasia técnica. O nosso problema é que não cansamos de duvidar de nós mesmos.

    De tudo o que li e vi, uma das melhores definições de todo esse nosso complexo coletivo de comando, está diretamente ligado ao que disse Charles Darwin na bela apresentação do livro “Diversidade Cultural” de Leonardo Brant, no belo texto de abertura de PX Silveira, onde ele fala de Charles Darwin que desbanca o criacionismo, linha de pensamento segundo a qual todos nós descendemos de Adão e Eva, como se dois seres pudessem ter surgido do nada. Esta idéia centralizada qe marca o nosso traço tão fundamentalista em sua ordem constituida ficou claro no julgamento dos ditos, e é bom que se diga, até então facciosamete, mensaleiros. Ali o ministro do STF, Joaquim Barbosa, tinha em seu close insistentemente pressionado pela grande mídia ao fundo um símbolo cristão. O que aparentemente não tinha nenhum problema, confrontado com a nossa constituição, a nossa côrte maior propõe com essa imagem uma ilegalidade já que a nossa constituição prevê que somos, a partir dela, um país laico. E são essas pequenas mostras entre o orador que em síntese propõe a abertura e ampliação de caminhos é que nos joga a uma compra e manufaturados técnicos, toda uma perversa teia que neutraliza a incursão do homem brasileiro e suas escolhas em seu próprio universo.

    É difícil mensurarmos esse impacto negativo. Gosto sempre de lembrar um belíssimo estudo de um etnomusicólogo congolês, Kazadi Wa Mukuna sobre a mudança de maneira abrupta do homem e o custo negativo em seu psiquê e, consequentemente em sua identidade, a partir de então.

    Mais que preservar desconfianças, eu ,sinceramente lamento, como forma oficial, que somos obrigados a engolir essa lógica imigracionista em nome de um conceito de universalização que contempla sempre a lógica unilateral, num pacto colonizador, adestrador sobre formas de vida e pensamento do homem dos trópicos ao homem de outras origens.

    Nã guardo comigo o frisson de buscar essa identidade universal, pois sou universal, naturalmente universal. Minhas demandas, para a minha própria sobrevivência, são absolutamente iguais a de um homem miserável da Etiópia como a do afortunado europeu. Nossas bases de comando são as mesmas. A nossa relação vida e morte é exatamente a mesma. Nossos meios para nos mantermos como seres humanos nessa universalização é que mudam nessa geografia social, territorial e, conseque3ntemente política. Fico mesmo com Milton Santos, pois não posso, com toda a minha boa vontade, enxergar o mundo com os olhos de europeus. Produziremos não uma bela caligrafia na história da humandidade, estaremos sempre um andar abaixo do papel principal do mundo, pois nos prestaremos a ser uma folha em branco embaixo de um carbono que nos borrará as costas, literalmente nos jogando sempre a uma condição de cidadãos de teceira categoria.

    Tenho as vezes, Ana Carla, a impressão de que todo esse processo é comandado mediunicamente nas reuniões da “alta cultura brasilera” pelo Bispo Sardinha. Talvez uma vingança com Oswald e Mário de Andrade, não sei, mas parece que carregamos a sombra do pensamento catequista que tão bem simbolizava o nosso bispo que, na mesa através de um copo, ele reaparece para o eterno comando dos nossos eternos cardeiais que, sem a preocupação devida com o Brasil real, tornam-se os funcionários públicos mais caros para a população brasleira, pois com certeza prestam os piores serviços à coletividade. Fundamentalistas de carteirinha não se contentam com a crença de trocar o espelhinho técnico por uma vastidão de linguagens culturais tao ricas. Constroem milimetricamente, pensamentos que dão conta de uma rudimentar manifestação do seu próprio povo. Acho tudo isso um desastre, o cerceamento da criatividade em nome da uniformização de uma mesma estética, assim como os sanduiches do Mc Donald.

    Podemos sim continuar este papo tão fundametal, Ana Paulqa, principamente nos dias atuais, pois temos toda a água e energia do mundo para nos tornarmos cidadãos livres e absolutamente universais atravez de uma troca de saberes bem mais equilibrada e consequentemente mais produtiva para as partes.

  • Maria Alice Gouveia, 19 de agosto de 2008 @ 11:03 Reply

    Carlos Henrique:

    Mário de Andrade ainda é um deslumbramento para nós porque é um gestor cultural que escreve: imagine !!! Agora estamos acostumados a gestores que não são capazes de produzir um mínimo diagnostico da situação e ainda declaram com muito orgulho que não entendem nada de cultura. Mas Mario de Andrade, verdade seja dita, não viajou muito e não conheceu muita produção musical popular de outros cantos do mundo. Afirmar com essa certeza de que a nossa produção é das mais ricas do mundo fica parecendo ufanismo.
    Eu não sou nada simpática à OSESP. Cansei de ver os arroubos de prepotência do maestro e dos funcionários da Orquestra que agiam como se fossem donos do prédio, impedindo os outros funcionários da cultura de circular pelo prédio “deles”. Também sei da antipatia e do ressentimento que ela desperta pelas benesses de que desfruta, começando pelo salário do maestro e dos músicos. Mas, não se pode negar que músico erudito precisa ter formação. E a formação não está apenas nas boas escolas. É preciso ter a oportunidade de se apresentar com maestros e solistas estrangeiros, trocar experiências etc. E não se pode negar que a OSESp está dando formação aos nossos músicos eruditos. Isto poderia ser feito a um custo menor? Talvez..Nunca tive a oportunidade de ver um orçamento da OSESP e saber no que é gasto o dinheiro. É claro que o maestro não precisaria ter quatro passagens de classe especial, não sei quantas diárias de hotel cinco estrelas etc. Mas isso tudo faz parte do “mito do maestro”, que os transformou em celebridades.
    A música popular brasileira precisa ser mais estimulada – com dinheiro público? Provavelmente sim, como todos os outros setores onde hjá criatividade e não há investimento publico compatível. Mas, o grande problema da cultura é que ela ainda é vista como cereja do bolo. Coisa que serve para divertir um público cada vez menor, mais elitizado, mais restrito.
    Os programas de formação de público que a Ana Carla tão bem citou aqui, poderiam servir para quebrar esse círculo vicioso. A nossa escola não consegue nem alfabetizar direito, quanto mais dar aulas de música, de dança, de teatro. Mas quem sabe, se reunirmos os esforços isso ainda acaba acontecendo e a gente possa ver um novo florescimento como queria Mário de Andrade que procurou criar essa ponte entre a educação e a cultural. Abçs.

  • Carlos Henrique Machado, 19 de agosto de 2008 @ 23:40 Reply

    Maria Alice e Ana Carla

    Duas questões no universo que contempla o nosso imaginário sobre como somos vistos fora do Brasil, são ainda matéria que causa um enorme desconforto ao pensamento intelectual brasileiro, futebol e carnaval. Talvez nós, medianos, morro acima, observamos essa imagem externa para dentro do nosso lago sem a devida percepção de que podemos estar sendo afoitos em nossas análises pela ilusão da refração. Nós imaginamos, por exemplo, que quando falam do carnaval brasileiro, estão falando do oba-oba à base de silicone e dos bum buns lapidados e, com isso, não percebemos o preconceito que temos com os estrangeiros mais do que com a gente mesmo. O que nos encanta e aos estrangeiros, principalmente no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro e algumas manifestações da Bahia como os Filhos de Gandhi e os maracatus pernambucanos, para citar alguns fantásticos representantes do nosso carnaval, sem falar que é lindo ver todas aquelas comunidades dos morros cariocas cantando, bailando, sambando com enorme maestria. São artes de puro encantamento, recriadas a cada compasso, sendo conduzidas única e exclusivamente pelo homem em busca da arte. Plenas e livres de qualquer norma, essas comunidades todas recobram ao mundo a arte anárquica, libertária mesmo debaixo de um cronômetro chato que tem manter obediência à produção do próprio espetáculo.

    O futebol nos deu o maior atleta do século, sem falar nos títulos carregados de criatividades individuais dos nossos atletas que fazem do futebol arte pura. Essa atitude americana de mudar a forma da contagem das medalhas, mostra claramente que isso é bem maior do que imaginamos. Vou dar um pequeno exemplo: lembram do princípio da copa do mundo na França em que os franceses, na maioria de seus restaurantes, utilizavam nas vitrines a seguinte frase: “aqui não ligamos para futebol”, num tom claramente esnobe. No entanto, visitados esses restaurantes estavam absolutamente vazios durante a final da copa, porque a França estava na final e foi campeã devido aos méritos de sua seleção. E os franceses, assim tão chiques, quebraram seus vernizes e caíram na gandaia à brasileira, enchendo as ruas com um público maior do que a comemoração da queda da bastilha.

    Ufanistas, Maria Alice? Não somos mesmo. Carregamos ainda muito do complexo de vira-latas como disse Nelson Rodrigues. Jamais admitimos heróis, isso é coisa de americano, suas histórias em quadrinhos e seu cinema salvando o mundo dos inimigos da humanidade.

    Mazarope, Macunaíma, Chicó, sempre foram personagens que caracterizara o nosso jeito, onde fazemos galhofa de nós mesmos. Nossos patronos inventados pela história e seus interesses, são constantemente vaiados. Acho que tratamos dos nossos símbolos no Brasil com bastante equilíbrio. Não temos um traço sequer expansionista. Sei que uma pequena elite brasileira queria que Lula se voltasse contra Evo Moralles no caso do gás e reeditasse a frase de Figueiredo, “eu bato, eu prendo, eu arrebento”. Ao contrário, Lula ganha espaços no mundo com um discurso forte, mas de solidariedade, bem a nossa cara, com toda a nossa perna torta ao estilo de Garrincha, caminhamos tentando não pisar em algo que seja de alguém.

    Por isso mesmo, qualquer forma impositiva ganha no Brasil ares de reprovação ou galhofa. Sou a favor da música nas escolas sim, mas como elemento de sociabilização, assim como imaginava Mário de Andrade e Villa Lobos, sem formalidades, sem obrigatoriedade, pois provoca mais repulsa por uma ordem constituída do que o prazer da participação franca do universo da música.

    Permitam-me citar exemplos pessoais, não quero parecer personalista, porém acho salutar colocar algumas questões aqui. Fui criado em uma cidade em que o projeto música nas escolas foi um verdadeiro sucesso bandasmarciais, fanfarras, cantos orfeônicos e etc. A cidade parava para assistir, pois todos queriam estar lá participando dentro ou fora das manifestações,estimulados por pensamento de comunhão. Com isso, formar grupos musicais, era muito simples. E se os mesmos músicos quisessem formalizar esses aprendizados, tínhamos excelentes professores, mas era uma escolha e não uma imposição. A palavra obrigatoriedade causa-me calafrios.

    Quando à questão das orquestras, reitero que adoro as suas combinações de sons e tudo o que envolve a mágica que elas proporcionam. O que me causa profunda indignação é o tom separatista que, se julgando dez degraus acima, se apresentam complexados, um degrau abaixo do próprio país. Lógico, Maria Alice e Ana Carla, que existem minúcias numa discussão tão ampla como essa, mas este tema tem que vir sempre à tona. Estamos falando da arte que contempla o maior número de brasileiros. Por isso, é sim considerada por muitos grandes músicos estrangeiros que não são ufanistas como a música mais rica do mundo e o povo mais musical do planeta. Todas as vezes que tenho contato com grandes músicos internacionais, a pergunta é recorrente, o que aconteceu com vocês brasileiros para ter uma linguagem tão diversa na música de vocês? E eu respondo aos maestros internacionais, os tambores maestro, aqui graças a Deus não foram calados e deram toda a munição para esta beleza tão diversa que é a nossa música e que contempla a erudição indígena, européia e africana, digo, o povo.

    Quanto à Mário de Andrade, tinha uma capacidade que me entusiasma a cada linha que leio, por isso foi mentor e conselheiro de Villa Lobos, Camargo Guarnieri e tantos outros que não tiveram o privilégio de conviver com ele, foram buscar em suas análises, uma natural universalização de suas obras, como Guerra Peixe, Radamés, Tom e etc. Mário de Andrade, é verdade que só conheceu, além de suas fronteiras, alguns paises sul-americanos, mas não sei porque, a sua amplitude, sua percepção de música universal, era absolutamente ímpar e certeira. Suas trocas de correspondências com Camargo Guarnieri são encantadoramente revelações de um Mário universal. Falar de Mário de Andrade me causa um misto de alegria e encantamento mesmo, por sua percepção sobre todas as nuances que envolvem este Brasil tão universal.

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