As tecnologias da informação e de comunicação apresentam uma nova perspectiva para uma disputa centenária entre autor e indústria cultural. O criador é mais dono de sua obra, pois consegue controlar todo o processo de produção cultural, da ideia ao “produto”.

A indústria cultural tradicional sofre um processo intenso de desgaste e remodelagem. E migra, aos poucos, para um novo modelo de exploração das obras criativas.

Sites de busca, redes sociais, blogs, microblogs e empresas de telefonia valem-se do fluxo de informação gerado por seus usuários, que produzem, copiam, colam e compartilham conteúdos de forma colaborativa, para gerar negócios baseados na diluição gradual do processo autoral.

A tendência histórica é de que haja fusão entre a indústria cultural analógica e a digital, como já vem acontecendo a passos largos. A aquisição do Myspace pela Fox e o recente acordo entre Google e Warner são exemplos disso: navalha que corta para os dois lados. Um tenta garantir ganhos galopantes de produtos licenciados sob seu comando, enquanto o outro continuará financiando e estimulando discussões sobre a relevância da livre circulação do conhecimento. O artista faz circular a sua obra, mas continua sem acesso à camada lucrativa do mercado, pois, nos meios digitais, seu valor econômico é reduzido a pó.

A conveniência e a facilidade dos licenciamentos livres e gratuitos permitem o benefício da adesão ideológica a um novo socialismo das redes, facilmente percebido pelo público adepto da cultura remix. Mas o impede de tornar a atividade cultural comercialmente sustentável, produzindo uma das economias mais interessantes para o país. Abrir mão dos direitos patrimoniais significa financiar essa nova indústria, tão rica e concentradora quanto a anterior.

Essa consciência é mercadológica e cidadã, pois define o lugar da arte e do artista na sociedade. Não por menos, o direito autoral figura como um direito fundamental, garantido na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Nesse cenário de convergência, surge uma indústria cultural brasileira, conduzida por artistas-empresários, como Vik Muniz, Gilberto Gil, Paulo Coelho, Fernando Meirelles e José Padilha, que desbancou as distribuidoras internacionais e bateu o recorde histórico de audiência para o cinema nacional com “Tropa de Elite 2”. A indústria ainda é um bom lugar para oferecer acesso à cultura nacional.

O Brasil precisa reconhecer, incentivar e qualificar os seus empreendedores criativos. A boa gestão dos conteúdos, nas mais diversas plataformas, aumenta as possibilidades de participação e construção de um novo mercado cultural, que está aberto e se mostra cada vez mais estratégico para alcançarmos o tão sonhado desenvolvimento sustentável.

* Publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo de 15/05/2011 (Tendências e Debates)


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

4Comentários

  • foo, 21 de maio de 2011 @ 20:19 Reply

    O que você acha da licença Creative Commons BY-NC-ND?

    Esta licença permite a distribuição da obra, sem modificações, enquanto resguarda o direito de exploração commercial.

    Ou seja: ao contrario do que voce escreveu, o autor nao precisa abrir mao dos seus direitos patrimoniais.

    (Muito melhor do que o modelo convencional, em que o artista precisa ceder os seus direitos a um intermediário, e se contentar com as migalhas.)

    O modelo da Creative Commons só parece “socialismo” para esses intermediarios, que deixam de receber; para o autor, a CC oferece independencia, oportunidade de negócios, e flexibilidade: ele pode escolher quantos e quais direitos pretende ceder.

    Se você não acredita, leia o texto da licença:

    sss://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/br/

  • Malu Aires, 22 de maio de 2011 @ 21:31 Reply

    Leonardo,
    obrigada pelo texto, mais uma vez.

  • Leonardo Brant, 23 de maio de 2011 @ 10:43 Reply

    Sou entusiasta do Creative Commons, sobretudo pela facilidade do uso. Mas é preciso ampliar a consciência sobre a disponibilização e compartilhamento de conteúdos gratuitamente, sob a pena de comprometer ganhos futuros. Percebo muita “surfando na onda” do CC, sem se dar conta dos efeitos futuros de uma decisão mal elaborada, sem estratégia. É isso que eu tento expor no artigo. Abs, LB

  • UMANTO, 24 de maio de 2011 @ 10:02 Reply

    Oi Leonardo.
    Nesta semana fui a uma mesa sobre liberdade digital e direito autoral e fiquei quase perplexo. Durante quase todo o tempo, quase 3 horas, nada foi dito sobre “capital”, que a meu ver é a parte que possibilita aos atistas (a sociedade ainda nos ve?) sub-existir!
    De tudo que foi dito, inclusive seu texto inclui no balaio cultural “novas alternativas”, que de tão novas protege quem sempre foi protegido, a indústria. Uma ideia me saltou e acredito que pouco mudará se não for discutida, que é a ideia de uma necessidade de discussão mundial sobre o tema pois a cadeia cultural possui muitas leis e meandros diferentes em países diferentes…basta dizer que é mais fácil para nós gravarmos uma música de fora do que daqui…paga-se bem diferente, assim como distribuir música digitalmente.
    O que precisa acabar no Brasil são as estruturas que vivem de morder os autores/compositores. Estruturas que Não beneficiam quem faz e que tem em seus setores de cobrança A Eficiencia.
    Acho saudável e interessante o CC, até então a melhor saída. Talvez os efeitos futuros não sejam tão covardes e injustos quanto os praticados pelo Estado e/ou estado que vivemos.
    A discussão é longa e acredito que boa.
    Só lamento que tais discussões sejam exemplificadas com nomes que fazem parte do establishment e geralmente, estas pessoas são verdadeiramente alheios a situação da maioria. Sabem pouco sobre a escala e a cadeia produtiva e o quão desigual ela se estabeleceu.

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