Através das culturas populares, países sul-americanos descobrem suas semelhanças de histórias e tradições oprimidasBRASÍLIA – Na abertura do I Encontro Sul-Americano das Culturas Populares e do II Seminário de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em Brasília, entre 14 e 17 de setembro, o músico poeta ministro da Cultura, Gilberto Gil, ressaltou a proposta do encontro de repensar a construção da nação brasileira na perspectiva das manifestações culturais populares e unir os povos vizinhos diante desse desafio da busca de uma identidade comum, talvez até uma única nação: latino-americana.

“A referência para o diálogo intercultural no Brasil sempre foi a Europa e, mais, recentemente, os Estados Unidos. Essa afirmação da sociedade brasileira conectada com a América do Sul através das suas culturas populares é um passo importante na descolonização e na revisão da perspectiva profundamente eurocêntrica e elitizada que por muito tempo orientou as ações do Estado Brasileiro”, pontuou o ministro.

Gil deixou clara a intenção do Ministério da Cultura (MinC) em procurar caminhos e alternativas para uma integração cultural regional: “É preciso enfatizar que a integração cultural promovida até hoje na América do Sul foi marcada pela exclusividade de expressões derivadas da tradição letrada, ou acadêmica, em todos os campos artísticos. Sob esse ponto de vista, houve sempre uma exclusão dessas propostas de integração e intercâmbio. As classes populares não estiveram no horizonte dos promotores desses eventos. E mesmo que quisessem, dificilmente se identificariam com as linguagens de referências para a maioria das apresentações, debates e exposições realizados nessas ocasiões. Por outro lado, justamente aquelas expressões culturais que mais facilmente encontrariam receptividade entre os artistas populares (os gêneros musicais, as danças e artesanato, entre outros) estiveram sempre excluídas das agendas dos encontros, festivais, exposições e demais eventos internacionais”.

Pacto Regional – Sérgio Mamberti, secretário da Identidade e Diversidade Cultural do MinC destaca a busca por uma cidadania cultural regional. Mamberti defende ainda a implantação de um pacto de unidade regional para formar um bloco continental a fim de promover a diversidade cultural.

“Essa nossa formação e colonização e, quando digo nossa, falo de todos os nossos hermanos, deixa claro que somos mestiços. Culturalmente mestiços. A lógica da homogeneização oprime-nos. É contra isso que lutamos. Por isso precisamos dar toda a importância e destaque para as culturas populares. Só assim saberemos quem somos”, afirmou Mamberti.

O ministro Gilberto Gil acredita que primeiro possa acontecer uma integração cultural, o que forçaria um alinhamento entre os governos em outras áreas da atuação política: “É possível que, a partir de um diálogo entre as identidades e diversidades culturais dos países, povos e governos também se aproximem e que isso seja um espelho capaz de refletir imagens sem distorções e preconceitos”, concluiu o ministro.

Tradições Oprimidas – A coordenadora da TV Vive venezuelana, Celina Cabarcas, considera essencial a valorização do processo social coletivo de articulação e produção do trabalho dos países da América do Sul: “Devemos reafirmar nossa história e identidade através da história de opressão de nossos antepassados. Nossas histórias são tão parecidas e tão desconhecidas”.

O historiador Eric Hobsbawn disse certa vez que o século XX deu fim a um período de sete mil anos da vida humana, que esteve centrada na agricultura desde que apareceram os primeiros cultivos no final do paleolítico. Talvez seja por isso que a tradição do Fandango esteja desaparecendo do Paraná, como narrou Mestre Eugênio há um ano, antes de falecer: “o Fandango faz parte de uma tradição e de existência. Nós costumávamos trabalhar em mutirão na roça. Avisávamos todo mundo um dia antes e íamos todos trabalhar juntos para ir mais rápido. De noite, a gente fazia o Fandango e brincava criança, jovem, pessoa de idade, todo mundo. Todos trabalhavam o dia inteiro apenas sonhando com o Fandango. Hoje não tem mais terra, não tem mais pé de planta, cultura, nada”.

Fonte: Carta Maior

Carlos Gustavo Yoda


editor

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