Nos últimos tempos, o trabalho do profissional de Direito na área do entretenimento tornou-se mais complexo. Isso porque, por um lado, houve um grande aumento no volume de transações desse mercado; por outro, as operações agora envolvem múltiplas plataformas e linguagens diferentes, graças à convergência de mídias.

Foto: Sudhamshu Hebbar“Há cerca de 10 anos não havia desenvolvedores de aplicativos, agregadores de conteúdo, redes sociais e portais de streaming. Na verdade, não havia sequer o tipo de serviço que eles prestam. E mesmo entre os atores já tradicionais do mercado houve um crescimento numérico. Há, hoje, muito mais canais de TV do que havia antes, os megafestivais são frequentes no Brasil e para tudo isso é necessário contar com uma boa assessoria jurídica”, explica Cláudio Lins de Vasconcelos, sócio fundador da Lins de Vasconcelos Advogados e vice-presidente da Comissão de Direitos Autorais, Intelectuais e do Entretenimento da OAB-RJ.

Ele lembra que, além de haver mais pessoas e empresas operando em todos os pontos da cadeia produtiva, as operações agora envolvem múltiplas plataformas e linguagens diferentes, fruto da convergência de mídias. O produtor audiovisual, por exemplo, já planeja o ciclo de vida do produto imaginando que seu longa-metragem, se bem sucedido, pode virar uma série ou um game. Seus personagens podem se transformar em marcas de produtos para os mais diversos públicos – brinquedos, grifes de vestuário, cosméticos, etc. – e a obra audiovisual em si pode se tornar um veículo publicitário especialmente viável em meio à fragmentação da audiência nas inúmeras telas.

“Em suma: o advogado de mídia e entretenimento de hoje deve dominar os princípios e a técnica aplicáveis a uma variedade maior de negócios jurídicos, com um nível de complexidade maior”, completa o advogado, que participará do I Fórum Internacional Direito do Entretenimento, promovido pela Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e de Entretenimento da OAB-RJ em parceria com o Cultura e Mercado, com patrocínio da Motion Picture Association e RioFilme.

O evento acontece nos dias 30 de setembro e 1 de outubro, e reunirá profissionais das áreas de cinema, televisão, games, música, livros e artes visuais, nacionais e estrangeiros, para falar sobre as mais novas tendências desses mercados. Além dos debates, dará a oportunidade de o setor imergir por dois dias para repensar modelos e guiar o desenvolvimento dessas atividades. “Acredito que a realização deste evento esteja criando um marco no calendário do Direito do Entretenimento no Brasil”, afirma Fábio Cesnik, sócio diretor do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados e Presidente da Comissão de Direito Autoral, imaterial e Entretenimento da OAB-RJ. “Buscaremos discutir para cada segmento o impacto das novas tecnologias digitais nos modelos jurídicos e de negócio.”

Para Daniela Colla, advogada do escritório Di Blasi, Parente & Associados e com atuação nas áreas de Propriedade Intelectual e Direito do Entretenimento há mais de 10 anos, o trabalho tornou-se mais especializado, exigindo conhecimentos que, muitas vezes, extrapolam a área jurídica. “A Revolução Digital, a convergência tecnológica e a conexão por banda larga mudaram significativamente a forma de comunicação ao público das obras intelectuais e a distribuição dos respectivos conteúdos, ampliando o espectro de atuação do profissional do Direito do Entretenimento, que precisa estar atualizado sobre os novos modelos de negócios que surgem na Indústria Cultural.”

As escolas de Direito brasileiras tentam acompanhar o ritmo acelerado das mudanças. Há iniciativas como o curso de Direitos Culturais e do Entretenimento, promovido pela OAB-RJ com a Escola Superior de Advocacia, em 2014, alguns cursos em nível de especialização, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Universidades ainda não oferecem, por exemplo, a disciplina Direito Autoral. “Com sorte, haverá uma cadeira optativa de Propriedade Intelectual em sentido amplo, com foco em marcas e patentes, na qual o Direito Autoral ocupa não mais que um par de aulas”, conta Vasconcelos.

O próprio mercado cultural apenas recentemente passou a se enxergar como indústria, preocupando-se com a qualidade jurídica de seus processos internos e negociações. Por isso, ainda hoje, muitas vezes é preciso não apenas ofertar o serviço, mas também mostrar para o cliente que ele precisa desse serviço. Isso não ocorre no mercado financeiro, por exemplo, diz o advogado. “Ninguém precisa explicar para um banqueiro que ele precisa de assessoria jurídica especializada no seu negócio ou seus riscos se tornarão insuportáveis, a ponto de comprometer sua própria sustentabilidade. Mas no mercado cultural é muito comum que o cliente considere o advogado como uma necessidade pontual, secundária para seu negócio, que deve ser chamado apenas para ‘resolver problemas’.”

Desafios – Esses problemas seriam menores, ou talvez nem existissem, indica Vasconcelos, se as operações contassem com assessoria jurídica estável, com foco na prevenção. “É questão de cultura, no sentido amplo do termo”, completa.

Sócio fundador do escritório Murta Goyanes Advogados e mestre em Direito da Propriedade Intelectual pela George Washington University, Marcelo Goyanes acredita que esses são tempos desafiadores. Por um lado, na medida em que o surgimento constante e desenfreado de novas tecnologias exige do advogado de Direito do entretenimento um cuidado excessivo para se manter atualizado com as inovações e os modelos de negócio praticados em cada segmento de mercado, além da evolução legislativa e interpretativa pelos Tribunais no Brasil e no exterior. “Por outro lado, essa área do Direito tem crescido exponencialmente mesmo em tempos de crise econômica, o que garante ao advogado uma atuação regular e intensa.”

O grande desafio dos advogados dos setores de entretenimento, acredita a sócia fundadora do Escritório Cultural, Fernanda Freitas, é saber se é necessário ter uma nova lei ou se estamos diante de uma nova forma de gerenciar velhos direitos. “Somado a isso, mais do que a falta de entendimento dos profissionais das áreas culturais, é a dos órgãos julgadores, que devem sempre estar atualizados”, alerta, lembrando que o mundo digital é ainda muito novo para que seja definido com conforto e segurança. “Ao meu ver, a dificuldade é de definição, conceito. A partir daí, os profissionais de Direito darão conta.”

Algumas leis e instruções normativas precisam ser alteradas, readequadas ao cenário atual, às novas modalidades de utilização e disponibilização de conteúdo intelectual, indica Daniela. Mas o processo legislativo não é rápido, e a Indústria Cultural não pode parar. “Precisamos lidar com o que dispomos, servindo-nos da hermenêutica jurídica para tentar equalizar, na medida do possível, os interesses dos agentes envolvidos nas cadeias produtivas dos vários segmentos e solucionar as questões que nos são apresentadas.”

Goyanes completa que a informalidade dos agentes que atuam nos diversos segmentos alvo do Direito do entretenimento, e a insegurança jurídica muitas vezes causada pela falta ou má regulação da matéria, ainda são grandes desafios para os profissionais que atuam na área. Mas acredita que eles podem e devem contribuir para a formalização do meio e evolução das melhores práticas jurídicas e comerciais.

Essa contribuição, segundo Daniela, pode vir através da promoção de debates sobre temas relevantes para o setor; do compartilhamento de informações e experiências; da atuação jurídica preventiva; da mobilização de esforços para a desburocratização dos procedimentos administrativos e negociais que envolvem o processo produtivo da Indústria Cultural e buscando soluções conciliatórias extrajudiciais para os conflitos.

Cláudio Lins de Vasconcelos lembra que é preciso compreender que cultura não é só indústria, mas é indústria também, e das mais competitivas existentes no Brasil. Por isso, é preciso compreender as muitas especificidades: seus prazos são diferentes, as formas de mobilização e desmobilização de mão de obra obedecem a uma lógica própria, a tributação é caótica – a cadeia produtiva do entretenimento é formada por muitas pequenas e médias empresas que transacionam entre si e a cada etapa incidem novos tributos que ao final se acumulam, aumentando o preço dos produtos e reduzindo sua competitividade.

Além disso, ainda há a questão dos direitos autorais. “Enfim, esta não é uma área de atuação para curiosos. Quem pensa em se dedicar ao direito do entretenimento deve enxergar a cultura também como negócio. E tratar os problemas do setor com a mesma seriedade que qualquer advogado trata os problemas de qualquer outro setor da economia. E tem que se interessar por arte, claro. Entender, de verdade, a importância da estética na vida das pessoas e sociedades. Isso faz toda diferença.”

Clique aqui para ver a programação completa do I Fórum Internacional Direito do Entretenimento e se inscrever.


Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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