Na última segunda-feira (31) o Itaú Cultural lançou o edital do programa Rumos Itaú Cultural 2023/2024. A partir desta edição, o programa está remodelado, passando a aceitar somente projetos e criação artística relacionados à arte e cultura brasileiras.
As propostas devem se enquadrar nas seguintes linguagens: arte e tecnologia, artes visuais, design, arquitetura, moda, gastronomia, audiovisual, circo, dança, literatura, performance, música, teatro, games e HQ.
Os projetos devem ser inscritos através do site rumositaucultural.org.br .
Em entrevista exclusiva para o Cultura e Mercado, Valéria Toloi, gerente do núcleo de Formação do Itaú Cultural, dá detalhes sobre a nova edição
CeM: O Rumos é um dos mais antigos e consistentes programas de fomento à cultura no Brasil, tendo uma sólida trajetória de quase 30 anos. Como o Itaú enxerga a importância desse programa no cenário cultural brasileiro?
Valéria: O Rumos é o principal programa de fomento do Itaú Cultural. Em 26 anos, já contemplou mais de 1,5 mil propostas, nas cinco regiões brasileiras, sendo que os trabalhos resultantes foram vistos por mais de 7 milhões de pessoas em todo o país. São números que mostram a importância do Rumos para contribuir, estimular e impulsionar o cenário artístico-cultural brasileiro. Buscamos alcançar artistas de todos os cantos do país para, justamente, conhecer o que está sendo produzido Brasil afora.
CeM: Dentro da estratégia de investimento social do Itaú, quais os significados e a relevância desse programa, Rumos, dentre tantos outros editais e investimentos (em cultura, esporte, educação e em projetos sociais) que o banco realiza?
Valéria: O investimento social do Banco Itaú é amplo, mas, em se tratando de editais, o Rumos continua sendo a principal ação de fomento do banco no campo da cultura. Portanto, falar sobre o desenvolvimento, a continuidade e o novo momento do Rumos é também falar sobre este investimento social, que atinge principalmente a classe artística do país. Os setores culturais e criativos representaram 3,11% do PIB brasileiro em 2020, cerca de R$ 280 bilhões, indicadores que mostram como estes setores são fundamentais para a geração de emprego e renda no país.
CeM: Como está estruturada a representatividade e a diversidade dentro da Comissão de Seleção? Houve um pensamento estratégico neste sentido para definição da Comissão?
Valéria: A formação das comissões – tanto de Avaliação quanto de Seleção – é fundamental para que a seleção final dos projetos também contemple representatividade e diversidade em vários aspectos: regional, racial, de gênero, de linguagens e temas. Ambas as comissões são compostas por pessoas que, coletivamente, representam esta diversidade vista no Brasil e, individualmente, têm histórico relevante em seus campos de atuação. A diversidade cultural é premissa na seleção do Rumos e a arte é um canal fundamental para iluminar essa cena.
CeM: Como o Rumos está trabalhando a ampla questão da sustentabilidade no seu edital? Projetos vinculados a metas dos ODS podem ser vistos com um diferencial? Sabemos que não é um critério para o Rumos, que está bem mais voltado à questão artística e de criação, com critérios como singularidade, criatividade e conceituação. Mas como o tema é uma questão essencial pra existência humana no planeta e a arte é transversal, gostaríamos de saber qual a visão do edital para essa questão.
Valéria: Não temos nada estabelecido em edital, mas, assim como outras temáticas importantes, a sustentabilidade aparece como tema em projetos de pessoas e comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo. Citando apenas dois, na edição 2019-2020 o projeto Gilda Cartonera, realizado em Ubatuba (SP), montou uma editora de livros escritos por pessoas da comunidade e produzidos a partir de papelão e material reciclado. E no Rumos 2013-2014 apoiamos a continuação do JA.CA – Centro de Arte e Tecnologia, realizado no Jardim Canadá, em Belo Horizonte (MG), que teve origem em 2010 e utilizava materiais descartados pelas empresas de construção do bairro para construir, junto com a comunidade local, equipamentos comunitários como ponto de ônibus e parque para crianças. Portanto, temos um olhar especial para este tipo de projeto que envolve e promove sustentabilidade.
CeM: A escolha por aprovar projetos somente vinculados à cultura brasileira se deve a uma diretriz do Banco Itaú ou tem alguma influência da nova gestão política do país? Houve alguma conversa com o Ministério da Cultura para esse ou outros direcionamentos?
Valéria: O Itaú Cultural tem uma trajetória de 35 anos dedicado à arte e à cultura brasileiras, faz parte da nossa missão. Todos os nossos programas – como a Enciclopédia, o Ocupação, a Escola Itaú Cultural, a Itaú Cultural Play – são desenvolvidos com este olhar voltado para a pesquisa, a produção de conteúdo, o mapeamento, o incentivo e a difusão de manifestações artístico-intelectuais brasileiras. O Rumos segue neste caminho desde sua criação, em 1997, independente da gestão política do país.
CeM: O Rumos faz um giro pelo país, numa evidente busca pela descentralização da participação de artistas e criadores no edital. Nesse esforço, tem sido trabalhada também uma busca pela participação de artistas periféricos? Há uma preocupação em garantir que a informação e a oportunidade cheguem às comunidades vulneráveis e artistas mais carentes?
Valéria: Um dos dados que pedimos no formulário de inscrição é o endereço. E ele é importante para a gente ter este olhar para projetos não apenas de pessoas que residem em regiões periféricas, mas também que apresentam esta temática e impactam estas regiões. Isso já se refletiu em várias edições. Desde 2013, houve uma aproximação natural das periferias à medida que os proponentes percebem que projetos desta natureza – e de outras temáticas similares – possuem possibilidades reais de serem selecionados pelo Rumos. Para citar mais dois exemplos, na edição 2017-2018 tivemos a Editora & Gráfica Heliópolis, projeto que teve como objetivo a publicação de obras e títulos de escritores de Heliópolis, região periférica da Zona Sul de São Paulo; e em 2013-2014, o projeto Festival Comida de Favela atuou na valorização do serviço de alimentação do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.
Quanto à divulgação, nossos canais de comunicação são ferramentas superimportantes para atingir este público. A Caminhada Rumos em São Paulo foi a primeira a ser realizada e teve transmissão ao vivo para que mais pessoas pudessem acompanhar de suas casas, e é um material que fica disponível no nosso site por todo o período de inscrição. Fora as redes sociais e o e-mail específico do Rumos para esclarecer dúvidas.
CeM: Pode contar pra gente como acontecem esses encontros? Há um trabalho formativo também (no sentido da elaboração de projetos e orçamentos, gestão, avaliação…)?
Valéria: A Caminhada Rumos é uma ação realizada para nos aproximarmos das cenas locais. Dois gestores do Itaú Cultural, que também fazem parte da comissão de seleção, participam de conversas com o público para tirar dúvidas dos processos de inscrição e avaliação. Recebemos perguntas sobre tipos de projetos aceitos, questões orçamentárias dos projetos, dúvidas sobre o formulário de inscrição, entre outras. Para nós, o mais importante, além de sanar estas questões, é ter um momento de troca de experiências em cada local. Isso nos faz pensar o próprio caminho do Rumos. Passaremos por todas as capitais mais o Distrito Federal até 14 de setembro.
CeM: Uma vez que as inscrições podem ser feitas por pessoas de todo o Brasil, e que sempre houve novidades de edital para edital, qual é a principal mudança ou evolução no formato das inscrições que busca atender à democratização de acesso?
Valéria: O formulário está igual ao da última edição, não houve mudanças neste sentido. Tivemos, no entanto, a implementação de um vídeo com interpretação em Libras de tópicos do formulário. É mais um recurso de acessibilidade que facilita o envio das inscrições pelo público que precisa deste recurso. Também volto a ressaltar que as iniciativas de divulgação – sejam as caminhadas pelas capitais seja a disponibilização de canais para tirar dúvidas – são em prol de atender esta demanda por democratização de acesso.
CeM: Houve a preocupação em oferecer condições para que pessoas/artistas com deficiência possam se inscrever no edital Rumos 2023-2024? Qual a política de Acessibilidade que o edital possui?
Valéria: A acessibilidade é um ponto muito importante em todas as ações do Itaú Cultural, das programações às exposições e processos de formação. No Rumos, disponibilizamos o formulário de inscrição com recursos de acessibilidade para pessoas surdas ou com deficiência auditiva e pessoas cegas ou com deficiência visual, que podem se inscrever por meio de vídeo em Libras ou áudio.
CeM: Qual o caminho de futuro trilhado para o Edital Rumos 2025-2026? É possível ter essa previsão?
Valéria: Ainda não é possível ter esta previsão, precisamos esperar o resultado dos processos de inscrição e avaliação, a seleção dos projetos e mesmo as trocas realizadas com as comunidades artísticas durante as caminhadas e o feedback pelos nossos canais de comunicação. Mas é importante ressaltar que o Rumos sempre foi mudando e se adequando ao longo de sua trajetória. Em 2013 tivemos uma mudança significativa e agora, em 2023, mais uma grande alteração no escopo que passa a focar em projetos de criação artística. A partir destas escutas e trocas durante todo o processo, vamos analisar esta edição e pensar qual será o caminho a ser seguido na próxima.