Avançaremos rumo a um futuro possível e desejado na medida em que mais lideranças, empresarias e governamentais, se conscientizarem que o cultural e intangível não é a cerejinha, mas é o bolo em si.
Em junho entrou em vigor a Convenção sobre a Diversidade Cultural¹, um instrumento muito importante para os vários setores da sociedade. Ao ouvir falar em Diversidade Cultural, você vai provavelmente achar que não tem nada a ver com seu cotidiano e vai se lembrar de alguma língua em extinção, ou uma tribo remota cujos costumes curiosos deveriam ser preservados. A maioria de nós, sobretudo do mundo dos negócios, dificilmente considera que ela é na verdade a solução para muitos dos problemas que enfrentamos.
O primeiro deles é o desafio de garantir a escolha de nosso público, algo que se torna progressivamente mais difícil na medida em que avançamos rumo a situações de maior desenvolvimento. Isso, porque, segundo o economista prêmio Nobel Amartya Sen, desenvolvimento humano é o processo de ampliação de escolhas. Como garantir então que sua empresa seja escolhida no meio de tantas outras?
Isso se agrava ainda mais quando consideramos que produtos e serviços tendem cada vez mais a se assemelhar. Preço e qualidade não serão mais o diferencial. O diferencial será o mesmo que fará com que você seja escolhido: valores culturais e simbólicos (brasilidade, relação com comunidade, sustentabilidade etc) agregados à sua marca e que fazem com que ela seja memorável e desejável. Marcas diversas, públicos diversos, diversidade cultural necessária para dar o diferencial.
Outro fator que costumo acentuar muito em minhas palestras: as imensas oportunidades oferecidas pela Economia da Experiência. A experiência será cada vez mais central na concepção de produtos e serviços, na fidelização de clientes internos e externos, nas estratégias de comunicação. Quanto mais diversa e criativa a experiência, mais valiosa. Não esquecendo que “Só o que é sentido, faz sentido” (meu mote de vida e trabalho…) Para aprender é preciso sentir e para mobilizar-se também. Apenas a consciência não basta.
A Economia da Experiência está sustentada pelo fato maior que neste século XXI, que tem como característica a virtualização, o intangível vale mais que o tangível:a marca de uma empresa pode valer mais que suas fábricas, o trabalho criativo vale mais que o braçal; o valor depende de atributos culturais.
A importância do intangível também fica clara quando verificamos que os maiores desafios desse século são na verdade culturais e relacionais: conflitos étnicos, relação com o ambiente, relação com o consumo, questões de ética, governabilidade. Também no ambiente empresarial, nossas maiores necessidades são do campo do intangível: inovação constante, talentos, liderança, motivação, iniciativa e criatividade, agilidade para transformar-se, capacidade de ação articulada. Curiosamente, tudo isso depende de diversidade cultural: num ambiente homogêneo nada disso tem como florescer. Aliás, os mesmos danos que a monocultura causa ao ambiente natural, causa também ao ambiente humano e criativo.
Por esse motivo, e outros que não cabem aqui explicar, estamos assistindo ao surgimento de uma nova disciplina: a ecologia cultural. Vale lembrar que o conceito de ecologia levou quase cem anos para passar à prática, o que aconteceu, pois a natureza pedia atenção urgente. Hoje, vemos a necessidade de abordar de forma sistêmica e integrada as disciplinas relacionadas ao intangível (como economia, cultura, sociologia entre outras). Está claro que as soluções só virão quando trabalharmos simultaneamente com estes dois ecossistemas interdependentes: o ambiental, tangível e o cultural, intangível. A diversidade cultural tem para o ecossistema cultural a mesma importância que a biodiversidade tem para o ecossistema ambiental. Para as empresas isso implica, por exemplo, numa mudança em relação às práticas de responsabilidade social empresarial, hoje muito focadas apenas em questões ambientais.
Criatividade e diversidade cultural são os recursos do futuro. Aliás, os únicos recursos que se renovam e ampliam com o uso! Por isso é que a Economia Criativa, minha atual área de trabalho, está sendo identificada como a principal estratégia de desenvolvimento para o século XXI.
Percebo que as dificuldades que os governos e empresas que assessoro enfrentam para transformar esse potencial em realidade têm a ver, antes de mais nada, com a dificuldade de ação integrada: academia, instituições, governo e empresas têm uma estrutura compartimentada e não preparada para lidar com o diverso. Diversidade e criatividade necessitam de um outro ambiente, de caráter transdisciplinar, que opere através de processos de longo prazo, não por produtos e de forma imediatista. Para lidar com a diversidade (de linguagens, culturas, públicos, tecnologias, nações) necessitamos de profissionais, estruturas e instituições que possam atuar como conectores, fazendo a ponte, atuando com função de “modem”. Assim como a informática e as comunicações avançaram muito a partir da criação de modens, interfaces que põem em contato linguagens e funções diferentes, nós também necessitamos destas interfaces de troca para avançar.
Avançaremos rumo a um futuro possível e desejado na medida em que mais lideranças, empresarias e governamentais, se conscientizarem que o cultural e intangível não é a cerejinha, mas é o bolo em si. É o recurso que teremos para construir o mundo que desejamos e merecemos.
Este é um processo de mudança de mentalidade que caminha, mas é lento, pois tendemos demorar a perceber que o mundo e os tempos são outros e nossas prioridades e estratégias também deveriam mudar. Tendemos a nos guiar pelo presente e não a criar o futuro, e o presente é na verdade a materialização de idéias do passado, de algo que já foi e muitas vezes não serve mais.
É como o que acontece quando olhamos uma noite estrelada: na verdade, estamos enxergando um retrato do passado, pois muitos daqueles corpos celestes já não existem mais, só os enxergamos porque sua luz demora muito tempo para chegar até nós.
O trabalho de criar o futuro é então tomar a realidade como ponto de partida, mas não de chegada. Um exercício difícil e ao qual estamos pouco habituados. Razão pela qual perdemos muitas oportunidades e os processos de transformação acabam sendo mais lentos e demorados do que poderiam ser.
Por isso, para perceber o que é estratégico para o futuro devemos olhar além do presente, senão é como se nos orientássemos por estrelas mortas.
[1] Processo capitaneado pela UNESCO, que se iniciou em 2001 com a adoção da Declaração Universal da Diversidade Cultural, origem da futura Convenção. Dada a importância do tema, consolidou-se em tempo recorde para este tipo de convenção internacional , sendo ratificado até 2005 por 148 países.
Lala Deheinzelin
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