A questão foi colocada várias vezes pela Secretária do MinC, Marta Porto, na primeira reunião com a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, em Brasilia.  A meu ver não existe incompatibilidade entre “expandir e qualificar”! Ao contrário, é a expansão e suas dinâmicas que qualifica, muito simplesmente, a rede. É  o processo todo que vai qualificando a rede e o Programa Cultura Viva, um dos mais inovadores em termos de Politicas Públicas no Brasil, apesar dos muitos problemas de gestão. Esse velho dilema foi muito usado pela aristocracia economicista que vem desde lá o Delfim Neto que dizia “primeiro fazer crescer o bolo e depois dividir” e nessa de esperar crescer o bolo, os recursos, a economia, iam privilegiando só uns poucos. A nova fórmula:  “qualificar” primeiro e DEPOIS expandir também não faz sentido. São argumentos “dualistas” que não levam em conta os processos.

Esse argumento e dilema também foi usado na Universidade pelos anti-cotas: primeiro “qualificar” o ensino médio, DEPOIS expandir o ensino universitário e enquanto isso…não entram negros, pobres no ensino superior. Expansão e qualificação não estão em conflito. Tem claro que expandir ao máximo a Politica dos Pontos de Cultura e o Programa Cultura Viva, universalizar a tal ponto que a pergunta da nova secretária Marta Porto “o que é um Ponto de Cultura?” perca o sentido, pois na realidade vale a resposta que foi dada, melhor recolocar a pergunta: “O que afinal NAO é um Ponto de Cultura?”, dentro do cenário da produção cultural atual. Estamos falando aqui de uma disputa por modelos de pensamento e gestão politica. Pois se não tivesse sido essa a decisão do MinC nos últimos 8 anos, a expansão, levar para os Estados, Municipios etc. ai a rede dos Pontos seria hoje sim “um programa de bolsas” como disse a Secretária e não um movimento, uma rede de redes que se constitui e gan ha visibilidade  por ter encarado as urgências do presente.

As mudanças no MinC, dizem, seriam respaldadas pelo que seria um “ajuste” a politica de Dilma e ao PAC da Cultura. Mais uma vez uma inversão!  Pois o Plano Nacional de Cultura, gestado pela sociedade civil e pelos fazedores de cultura  é que apontou a Politica Cultural para o Governo Dilma! O PAC da Cultura do gov Dilma não pode ser uma “prioridade” que passe por cima da Rede da Cultura já instalada!! Por que não inverter o processo e ao invés de implementar “o PAC da Cultura” de cima pra baixo, pensar como a extensa rede, capilarizada e com grande acúmulo em todas a áreas (economia colaborativa, educação não-formal, equipamentos cuturais) pode funcionar como os operadores dessa politica?

Durante esses últimos anos de MinC trabalhamos, da favela a Universidade, em uma experiência única na politica pública de co-gestão politica da pauta do MinC. A rede Cultura Viva se sente parte de uma experiência de governaça que pautou e ajudou a orientar o MinC na sua politica, ações e Editais, assim como os documentos que norteiam hoje  politica de cultura no gov Dilma: o Plano Nacional de Cultura,  a Reforma da Lei do Direito Autoral, o Marco Civil da Internet, etc. São o fruto de 8 anos de discussões e estão ai. São incontornáveis.

Se a presidenta Dilma quer que o MinC implemente o PAC da Cultura nas Favelas, tem que ouvir a rede dos Pontos que está nas favelas. O MinC não é um Ministério de “obras”, os grupos culturais locais nas favelas é que podem dizer que equipamentos culturais precisam para produzir. Praçinha, salas de cinema e teatro são a parte “material”, mas o financiamento de banda larga, pública e gratuita e financiamento direto pra quem faz cultura é tão importante quanto “obras”. Isso vale para a “Economia Criativa”, economia da cultura e tantos outros temas e politicas.

O MinC afinal,  somos nós, os produtores, gestores, conceituadores, fazedores da cultura.

*Publicado originalmento no blog Trezentos


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Pesquisadora e professora da Escola de Comunicação da UFRJ e coordenadora do Pontão de Cultura Digital da ECO-UFRJ.

3Comentários

  • JC Lobo, 20 de fevereiro de 2011 @ 11:52 Reply

    Pois é. Não chega a ser um problema um novo Ministro implementar uma orientação diversa da gestão anterior. Faz parte do jogo democrático. Mas quando essa guinada se dá num giro de 180 graus, sem que isso tenha sido previamente avisado, dá uma sensação de estelionato político. Daí a grita de muitos ativistas culturais que jogaram pesado na eleição de Dilma.Nesse contexto, temo que o MINC nos próximos anos fique meio imobilizado, esvaziado e retroceda nos poucos, porém significativos passos que deu à frente.
    Entre Gilberto Gil e Ana de Hollanda há duas concepções de cultura irreconciliáveis. Basta compara o discurso de posse de ambos. É muito claro. E isso vai se refletir (aliás, já está)nas políticas desenvolvidas pelo ministério.
    Pra relembrar (e comparar)
    discurso de posse do Gil: sss://www.gilbertogil.com.br/sec_texto.php?id=3&page=2&id_type=3
    discurso de posse da Ana: sss://www.cultura.gov.br/site/2011/01/03/posse-da-nova-ministra-2/

  • roberto malta, 20 de fevereiro de 2011 @ 16:25 Reply

    o progarma cultura viva e o mecanismo dos pontos de cultura efetivamente é uma troca do olhar da sociedade na propria sociedade. implantou-se,implementou-se, concretizou-se com a força do povo, sob o guarda-chuva do Minc, tá feito! sabe-se no entanto que vários pontos de cultura buscam sobreviver no emaranhado das burocracias do governo e o próprio desconhecimento dos próprios pointos de cultura em elabora projetos e prestação de contas. a princípio concordo que a expansão não ilimina a qualificação, mas (fica isso para reflexão) a necessidade de dar apoio efetivo no dia-a-dia das operações (tanto do(s) MInistérios quanto dos´pontos de cultura se faz necessário. ajudar na sedimentação das ações no que já está operando (qualificar) e em seguida estabelecer o proceso de expansão… a se pensar…

  • Marcos, 20 de fevereiro de 2011 @ 22:30 Reply

    Um – recenseamento dos Pontos de Cultura ativos (o próprio MinC não sabe quantos são e computa tudo o que já passou por lá como se fosse no presente);
    Dois – empoderamento das comunidades locais. (Por favor, não venha o Ministério resolver inventar a roda novamente).
    Três – cultura não é obra, não é prédio, não é equipamento cultural; onde houver escassez, que sejam bem vindos. Onde há equipamentos construídos e abandonados que haja programas, apoio, substância!
    quatro – rever o sistema de parcerias com os Estados pois há lugares onde funciona e outros onde se transformou em mais uma obra Kafkiana (São Paulo, por exemplo);
    etc.

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