Encontro sem horários fixos nem palestrantes discutiu modelos colaborativos na internetNos dias 16 e 17 de setembro foi realizado em Florianópolis o primeiro Barcamp brasileiro. O evento reuniu cerca de 100 participantes no Centro Integrado de Cultura para uma “desconferência” sobre colaboração na World Wide Web. Ou seja, para discutir iniciativas como o Overmundo e outras ferramentas participativas. Em vez de especialistas palestrando, todo aquele com alguma experiência teve a chance de subir ao palco e relatá-la aos demais.
Os temas discutidos giraram em torno do hype da Web 2.0, jornalismo participativo, comunicação corporativa, negócios P2P, creative commons, bem como a apresentação de ferramentas colaborativas como o sistema de gerenciamento de conteúdo (CMS) Drupal, o aplicativo para criação de links multidirecionais Co-Link, o gerenciador de traduções Blogamundo, o Estúdio Livre e outros. Veja algumas fotos.
Foi um sucesso, na avaliação de todos os participantes. A maioria confessou o ceticismo inicial com a idéia de “desconferência”, sem horários fixos nem palestrantes, na sessão de encerramento. Eu mesmo disse que minha primeira reação foi pensar “isso é coisa de comunista” e esquecer do site, até a Maria Clara me incentivar a entrar na lista de discussão. Ao trocar e-mails com os interessados no Barcamp, notei que a maioria era de pessoas sérias, com experiência em colaboração na Web — ou ao menos um genuíno interesse — e algo a dizer. Por isso decidi participar.
A grande surpresa é que, apesar da falta de uma organização centralizada, o Barcamp não foi muito diferente de uma conferência tradicional em seu formato. As pessoas com algo a dizer subiram ao palco e apresentaram suas idéias. Os debates foram tão civilizados quanto em qualquer outro evento, inclusive com o indispensável portador de incontinência verbal que interrompia a todo mundo. Os “grupos de trabalho” se formaram espontaneamente, com discussões de alto nível. Bem diferente de minha imagem inicial, de um bando de bichos-grilos fugindo do assunto o tempo inteiro para falar de qualquer livre-associação viajandona.
André Avorio, o facilitador do Barcamp, se mostrou um pouco desapontado com o fato de que, no primeiro dia, muita gente tenha esperado por decisões de cima. De fato os participantes ficaram um tanto perdidos, mas creio que isso é natural em um modelo de encontro bottom-up, novo para a maioria. A meu ver, se auto-organizaram no menor tempo possível nesse contexto. No primeiro dia aconteceram “palestras” mais ou menos tradicionais, com auditório cheio e especialistas no palco. Porém, foi bom para cada um conhecer os interesses dos outros, o que facilitou a formação dos GTs no dia seguinte.
O número de participantes foi de entre 80 e 100, mais do que o esperado pela organização. Inclusive, mais do que o primeiro Barcamp em Amsterdam reuniu, segundo André Avorio. Relatos informam também que contamos com maior presença feminina. É uma quantidade de gente comparável à de muitas conferências acadêmicas “oficiais”. Até maior. É importante frisar que o Barcamp é um modelo de encontro open source, assimilável por qualquer interessado em promover algo do gênero. Os organizadores do Barcamp Brasil se colocam à disposição para ajudar.
O fato de uma centena de pessoas desconhecidas viajarem por sete horas ou mais para uma conferência sem programação definida me parece fascinante. Mais fascinante ainda, que essas pessoas se disponham a confiar em desconhecidos o suficiente para dividir um quarto com eles. No caso dos organizadores, fascinante é terem confiado seu nome a uma imobiliária para o aluguel das acomodações, quando nada garantia a presença dos interessados. Embora a mídia e alguns pesquisadores mais apocalípticos gostem de pintar o relativo anonimato da Web como um reduto para todo tipo de canalha e gente sem caráter, creio que experiências como essa mostram o contrário. Assim como na vida real, a maioria das pessoas é de bem e, dada a oportunidade atrelada a um interesse pessoal, fica feliz em colaborar. Infelizmente, “notícia boa não é notícia”, então em geral temos apenas os relatos negativos.
Artigo publicado originalmente no Overmundo e reproduzido sob licença Creative Commons (s://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/deed.pt)
Marcelo Träsel